Nos dias que se seguiram à visita inesperada de Aurora, senti minha rotina mudar de um jeito sutil, mas inegável. Havia uma energia nova na fazenda, como se o encontro com ela tivesse reaberto algo que eu nem sabia estar fechado. Cada vez que olhava para os vinhedos ou ouvia os sons do campo, pensava nela e no pequeno Luca, tentando imaginar como estavam se ajustando à vida no interior.
Uma tarde, enquanto caminhava pela propriedade, passei pelo celeiro e vi um dos cavalos, Tornado, inquieto. Decidi que era uma boa hora para uma cavalgada. Montar sempre foi minha forma de organizar os pensamentos, e eu precisava disso mais do que nunca.
Enquanto guiava Tornado pelas trilhas, me vi tomando a direção que levava à fazenda dos pais de Aurora. Era irracional e um pouco impulsivo, mas algo me puxava para lá, como se eu precisasse de uma desculpa para vê-la de novo.
Quando cheguei perto da entrada da propriedade, parei por um instante, perguntando-me se deveria continuar. Mas então ouvi risadas infantis vindas de algum lugar. Olhei na direção do som e vi Luca correndo pelo quintal, perseguindo uma bola com aquele entusiasmo contagiante que só as crianças têm.
Aurora estava logo atrás dele, de joelhos na grama, observando e sorrindo. O vento brincava com seus cabelos ruivos, e a cena parecia tirada de algum quadro bucólico, cheia de vida e simplicidade.
Por um momento, pensei em dar meia-volta. Era claro que eles estavam felizes e em paz. Quem era eu para interromper? Mas, antes que pudesse decidir, ela me viu. Seus olhos se arregalaram de surpresa, mas logo um sorriso surgiu em seus lábios, iluminando seu rosto.
AURORA: Ramón? O que faz aqui?
Desmontei do cavalo e caminhei até o portão, tentando não parecer tão deslocado quanto me sentia.
RAMÓN: Eu... estava cavalgando pela região e acabei vindo parar aqui. Não queria incomodar.
Ela se levantou e caminhou até mim, limpando as mãos na calça jeans, como se precisasse se ocupar.
AURORA: Não está incomodando. Na verdade, estava pensando em como agradecer de verdade por tudo o que fez.
Luca, curioso com minha presença, parou de brincar e correu para o lado da mãe. Ele olhou para mim com aqueles olhos grandes e inocentes, antes de apontar para o cavalo.
LUCA: (empolgado) É seu, moxo?
Eu ri, abaixando-me para ficar na altura dele.
RAMÓN: É sim. O nome dele é Tornado.
LUCA: Posso cavalcare? (Posso montar?)
Aurora soltou uma risada nervosa e colocou a mão no ombro do filho.
AURORA: Luca, acho que o moço não veio aqui para isso.
Mas eu já estava sorrindo para o menino, incapaz de recusar.
RAMÓN: Claro que pode. Com sua mãe por perto, é claro.
Aurora hesitou por um momento, mas ao ver o entusiasmo de Luca, cedeu. Peguei-o no colo e o coloquei no cavalo com cuidado, enquanto Aurora se aproximava para segurar as rédeas ao meu lado.
Enquanto Tornado andava devagar pelo quintal, sob nossa supervisão, trocamos olhares e conversas leves. Era como se o gelo que ainda existia entre nós começasse a derreter, lentamente, com cada sorriso e gesto casual.
Quando finalmente coloquei Luca de volta no chão, ele correu para pegar sua bola novamente, deixando-nos sozinhos por alguns momentos. Aurora olhou para mim, como se procurasse as palavras certas.
AURORA: Obrigada, Ramón. Por ser tão... gentil com ele.
RAMÓN: (sério) Ele é um bom garoto. E você é uma mãe incrível.
Ela desviou o olhar, um leve rubor subindo em suas bochechas.
AURORA: Tento fazer o melhor que posso. Às vezes, não parece suficiente.
RAMÓN: Confie em mim, Aurora. Pelo pouco que vi, você está fazendo um trabalho melhor do que imagina.
Ela me encarou por um instante, como se tentasse decidir se acreditava em mim. Então, sorriu, e aquele sorriso foi como um raio de sol rompendo nuvens densas.
AURORA: Acho que o destino gosta mesmo de nos pregar peças, não é?
RAMÓN: (sorrindo) Talvez. Ou talvez ele saiba exatamente o que está fazendo.
E, por um momento, não houve mais necessidade de palavras. Apenas um silêncio confortável, carregado de possibilidades.
O silêncio entre nós foi preenchido pelo som suave do vento e pelas risadas de Luca ao longe. Aurora ajeitou uma mecha de cabelo atrás da orelha, visivelmente pensando em algo. Decidi quebrar o momento com uma pergunta que estava rondando minha mente desde o nosso primeiro encontro.
RAMÓN: O que trouxe você para cá, Aurora? Quero dizer, é uma mudança e tanto, deixar tudo para trás.
Ela hesitou, olhando para o chão como se buscasse as palavras certas. Seus olhos tinham um brilho melancólico, mas também uma determinação que me intrigava.
AURORA: Às vezes, precisamos de um recomeço. As coisas... não estavam dando certo onde eu estava. E aqui, na fazenda dos meus pais, achei que poderia encontrar um pouco de paz para mim e para o Luca.
Ela levantou os olhos para mim, como se avaliasse minha reação. Balancei a cabeça em compreensão.
RAMÓN: Faz sentido. Recomeçar é difícil, mas também pode ser... libertador.
Aurora deu um sorriso pequeno, mas genuíno.
AURORA: E você? Sempre viveu aqui? Parece tão conectado a esse lugar.
Eu ri baixinho, passando a mão na crina de Tornado.
RAMÓN: Sempre, mais ou menos. Meu pai comprou essa terra quando eu era criança. Cresci aqui, mas tive minha fase de "explorar o mundo". Depois de alguns anos fora, percebi que nada me fazia sentir mais em casa do que esse lugar.
AURORA: (curiosa) E o que o trouxe de volta?
Parei por um momento, considerando minha resposta. Não era uma pergunta fácil.
RAMÓN: Acho que percebi que fugir de quem eu era não mudaria nada. Precisava enfrentar meus próprios fantasmas... e fazer as pazes com eles.
Ela me observou, como se enxergasse mais do que eu estava disposto a mostrar. Antes que o silêncio se tornasse pesado, Luca voltou correndo em nossa direção, segurando a bola e com um sorriso travesso no rosto.
LUCA: Mamãe, olha o que eu sei fazer!
Ele tentou dar um chute na bola, mas acabou tropeçando e caindo de joelhos na grama. Aurora correu para ajudá-lo, mas Luca já estava rindo de si mesmo.
AURORA: (suspirando aliviada) Você é um aventureiro, Luca.
RAMÓN: (rindo) Ele tem coragem. Isso é bom.
Enquanto Aurora limpava os joelhos de Luca, senti uma onda de calor no peito. Era estranho como aquela pequena cena, tão simples e cotidiana, parecia tão significativa. Talvez fosse a maneira como Aurora lidava com tudo – com paciência e carinho – ou talvez fosse Luca, com sua energia pura e contagiante.
A verdade é que eu não queria ir embora. Queria ficar ali, encontrar mais desculpas para estar perto deles. Mas sabia que era cedo demais para isso.
RAMÓN: Acho que já atrapalhei o suficiente por hoje. Melhor eu voltar antes que Tornado resolva ficar mais teimoso.
Aurora se levantou, segurando Luca pela mão. Ela me lançou um olhar caloroso, mas com uma leve sombra de algo que eu não conseguia identificar.
AURORA: Não atrapalhou, Ramón. Na verdade, foi bom ter você por aqui.
LUCA: Você vai voltar?
Olhei para ele, surpreso com a pergunta direta. Sorri.
RAMÓN: Só se sua mãe deixar.
Aurora riu, mas não respondeu. Apenas acenou enquanto eu montava novamente em Tornado. Enquanto me afastava, olhei por cima do ombro e os vi parados ali, mãe e filho, como uma pequena ilha de calor em meio ao vasto campo.
Naquele momento, uma coisa ficou clara para mim: o destino não estava brincando. Estava abrindo portas, e caberia a mim decidir se teria coragem de atravessá-las.
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Atualizado até capítulo 60
Comments
Marisa Sampaio
Nossa estou encantada com essa história.
2024-12-04
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Tereza Cristina Avelez Rosa
emmestou amando
2025-01-18
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