Jasmim
A chuva lá fora parece intensificar a tensão da conversa. Cada gota que cai contra a janela ecoa no silêncio denso entre nós. As palavras de Azrael vão se formando, e minha mente se preenche de imagens fragmentadas, lembranças distorcidas, como se peças de um quebra-cabeça oculto começassem a se alinhar.
O som da tempestade se mistura ao meu respirar agitado. O que ele diz faz sentido, mas ao mesmo tempo, desperta um turbilhão de emoções dentro de mim.
— Azrael? — minha voz sai baixa, quase abafada, como se eu temesse o peso daquilo que ainda está por vir. — Se tudo isso que você me diz for verdade, muitas coisas foram ocultadas, suponho. Mas... por quem? Quem faria isso?
Ele solta o ar com força, um suspiro carregado de angústia e uma compreensão amarga que não cabe em palavras. A cama range quando ele se senta, os ombros caindo, como se o peso do conhecimento o esmagasse. Ele passa a mão pelo cabelo de forma automática, seu gesto exalando uma tristeza que eu ainda não consigo decifrar completamente.
— Sim, Jasmim. Você está certa. Muitas coisas foram ocultadas. Mas quem fez isso... foram outras espécies, outras formas de vida. Como eu te disse, o que vocês conhecem como Deus se expressa em várias formas, em várias energias, em várias espécies. Mas a verdade é que algo aconteceu, algo mais complexo do que você pode imaginar. Algumas dessas espécies queriam controlar os humanos de tal maneira que muitos de nós, os mais próximos dessa energia... os anjos, como vocês chamam, decidimos intervir.
A cada palavra dele, eu sinto como se o chão abaixo de mim se desintegrasse, como se as fundações do que eu acreditava sobre a realidade estivessem ruindo. Mas algo dentro de mim, uma parte mais profunda, mais antiga, sente que há verdade nisso. Uma verdade antiga demais para ser ignorada.
Azrael faz uma pausa, e a dor em seu olhar se torna quase palpável. Ele parece lutar contra algo dentro de si, como se compartilhar isso fosse arrancar-lhe pedaços da alma. Depois, respira fundo, e a dor se reflete em sua voz:
— Você já ouviu falar sobre os anjos caídos, Jasmim?
Preciso de um momento para processar a pergunta. A memória de minhas crenças antigas vem como uma onda. Lembro-me de quando era apenas uma criança, indo à igreja com minha mãe, ouvindo sobre a rebelião dos anjos caídos, sobre como eles se haviam unido ao Diabo para tentar derrubar Deus. Era uma história simples, de luta entre o bem e o mal, uma dicotomia clara e inquestionável.
Limpo as lágrimas secas de meu rosto, e minha voz vacila, mas consigo falar:
— Sim. Os anjos caídos... são conhecidos como aqueles que se uniram ao Diabo, para tentar contra Deus.
Azrael solta uma risada amarga, tão carregada de dor que quase consigo senti-la. Ele balança a cabeça lentamente, como se a verdade fosse algo demasiado profundo para ser dito com simplicidade.
— Pois é, Jasmim. Essa é a versão que todos conhecem, não é? Mas... já parou para pensar que a queda deles não foi uma rebelião contra Deus? E se, na verdade, eles quiseram cair... de propósito? Se escolheram vir aqui para abrir os olhos das pessoas? Essa história de se rebelar contra Deus, na verdade, pode ter sido contra outra coisa, outra entidade que se passava por Deus. Um ser que queria controlar tudo, que queria fazer de todos fantoches, aprisionando o que restava dessa energia sagrada, dessa força que permeia tudo... até mesmo eles. Você percebe o paradoxo nisso?
Suas palavras caem como um peso imenso sobre mim. Meu corpo se contrai, e meu coração parece parar por um segundo. Há algo profundo e doloroso nisso, algo que ecoa com uma verdade que eu não posso negar.
Uma verdade que dói mais do que qualquer mentira que eu já tenha ouvido. É como se uma parte de mim, uma parte que eu não sabia que existia, soubesse disso o tempo todo. Um fragmento do meu ser se lembra disso, de um conhecimento esquecido, e ele se desperta agora, como um suspiro da alma.
Minha mente não consegue mais processar tudo de uma vez. As palavras de Azrael se entrelaçam com uma memória antiga minha, uma Jasmim criança, de joelhos em frente ao altar, pedindo a Deus que perdoasse o Diabo, desejando para ele a mesma misericórdia que sempre pedia para si mesma. Uma compaixão que não fazia sentido para aquela garotinha inocente, mas que agora parece se encaixar, como se uma parte de mim finalmente fosse capaz de compreender.
— Então... os anjos caídos queriam ajudar? — Minha voz sai suave, trêmula, como se as palavras estivessem sendo arrancadas de mim.
Eu mal consigo acreditar no que estou perguntando, mas não posso evitar. Tudo parece agora estar interligado, como uma teia invisível, conectando as pontas que eu nunca imaginaria que estivessem ali.
Azrael me observa em silêncio por um longo momento, e sua expressão se torna ainda mais carregada de dor, como se ele estivesse tentando medir a profundidade do impacto das suas palavras sobre mim. Ele parece pesar cada sílaba antes de continuar.
— Sim, Jasmim. Eles queriam ajudar. O Diabo e os anjos caídos não eram inimigos de Deus. Eles eram inimigos de algo, que se passou por Deus, que distorceu a verdadeira essência da criação. Esses seres caídos sabiam que a humanidade estava sendo manipulada, aprisionada em uma visão distorcida da verdade. Eles não se rebelaram contra Deus, mas contra a prisão que haviam imposto a todos nós, e principalmente a vocês, humanos. Eles quiseram mostrar a vocês a liberdade, abrir os olhos para o que realmente são. Eles queriam que vocês soubessem que têm poder, que não são fantoches, que têm o direito de questionar, de viver fora das correntes que criaram ao redor de suas mentes.
As palavras de Azrael reverberam em minha mente, misturando-se com minhas próprias dúvidas e medos, como sementes de uma verdade que eu sempre soubera, mas que nunca tive coragem de confrontar.
De repente, tudo parece se alinhar de uma forma assustadora. Eu vejo flashes de minha infância, o medo do inferno, a necessidade de seguir regras rígidas, a culpa e o arrependimento a cada erro. E tudo isso começa a fazer sentido de uma maneira que me assusta.
Sinto o peso das palavras dele apertar meu peito, e uma lágrima solitária escapa, rolando pelo meu rosto. Não consigo mais ignorar o que ele me diz, mesmo que a dor seja insuportável.
— Mas se isso é verdade... — minha voz sai quase em um suspiro, trêmula e incerta. — Por que o mundo é tão... corrupto? Por que tanta dor, tanto sofrimento, se realmente havia aqueles que queriam nos libertar? Por que tudo isso?
Azrael levanta os olhos para mim, e vejo a profundidade de sua tristeza. Ele hesita antes de responder, e quando finalmente fala, sua voz carrega um peso que parece transbordar séculos de sofrimento.
— Porque a força que não quer que isso aconteça, continua aqui. Não é só o que vocês chamam de "sistema", ou "governos", ou "sociedade". São essas outras entidades, forças muito mais antigas, que se alimentam dessa escuridão, dessa ignorância. Elas se alimentam do medo, da submissão, da crença de que vocês não têm controle sobre suas próprias vidas. Elas se alimentam da separação. E sempre que alguém tenta quebrar essas correntes, é como se o universo inteiro se alinhasse para tentar reprimir essa verdade, esse despertar. Porque a verdade que os anjos caídos e o Diabo queriam revelar... é perigosa para eles. É uma ameaça para o que eles construíram.
O peso de suas palavras parece esmagar tudo ao meu redor, e, por um momento, eu mal consigo respirar. Minha mente gira, tentanto fazer sentido de tudo o que estou ouvindo, mas é difícil manter o foco. Algo dentro de mim ainda resiste, como se essa verdade fosse grande demais para ser compreendida, algo tão vasto e profundo que ultrapassa minha capacidade de raciocínio.
Azrael me observa atentamente, como se já soubesse que o que ele está dizendo vai me transformar de uma forma que eu não posso antecipar. Então, continua:
— Eles não queriam apenas mostrar a verdade a vocês, Jasmim. Eles queriam ajudá-los a lembrar quem vocês realmente são. Mas a verdade tem um preço. A consciência tem um preço. Uma vez que você acorda, não pode mais voltar a dormir. E as forças que controlam esse mundo... elas não permitem isso facilmente. Elas não permitem que a humanidade se desperte para a sua verdadeira natureza.
Eu me sinto tonta. Uma sensação de vertigem me toma, como se o chão tivesse desaparecido sob meus pés. Meus pensamentos se embaralham. Eu não sei se estou pronta para essa verdade. Não sei se quero acreditar que o que sempre considerei o mal... era, na verdade, uma tentativa de salvação.
Sinto o calor das lágrimas invadindo meus olhos novamente. Elas caem em silêncio, uma após a outra, enquanto eu me afasto um pouco de Azrael, buscando algum tipo de estabilidade, algum ponto de ancoragem. Mas não há segurança. Não aqui. Não agora.
— Então... — minha voz falha, mas eu continuo, buscando um fio de compreensão. — Quem sou eu, Azrael? O que eu sou, afinal? Se todo o meu passado foi moldado por essa mentira, quem sou eu no meio disso tudo?
Azrael olha para mim, e algo em seu olhar se suaviza, como se ele tivesse esperado essa pergunta. Ele se levanta lentamente, e sem dizer uma palavra, se aproxima, ficando diante de mim, quase como se estivesse compartilhando comigo algo sagrado.
— Você, Jasmim, é uma filha do despertar. Você é a chave para algo muito maior do que pode imaginar. E agora, mais do que nunca, precisa escolher. Escolher entre continuar vivendo na ignorância e no medo, ou se despertar para a verdade e enfrentar o que está por vir.
Minhas mãos tremem enquanto as palavras de Azrael ecoam em minha mente. Eu sei que algo está prestes a mudar para sempre. Mas a pergunta que me assombra não é se isso vai acontecer, mas como vou conseguir lidar com a verdade que ele acabou de me mostrar.
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Atualizado até capítulo 52
Comments
Edvania Oliveira da Rocha
O enredo não tem nada a haver com o título dessa estória! Que cansativo
2025-03-13
0
Dalziza Rocha
vamos começar
se preparem para as novidades
2024-12-11
1
Margarete Borges
muita enrolação 🥱
2025-03-17
0