Azrael
Assim que a vi correndo na chuva, perdida e desesperada, não hesitei. Sem pensar duas vezes, coloquei o carro em movimento e a segui. Ela estava tão fora de si, tão tomada pelo pânico, que nem sequer percebeu que eu estava atrás dela.
Agora, o som da chuva batendo no teto do carro é quase ensurdecedor, mas não posso desviar minha atenção do caminho à frente, nem do que acontece no banco de trás. Chego em frente à casa e, como esperado, Gabriel já está aqui, de casaco e capuz, esperando na calçada.
Sem demora, paro o carro e ele entra rapidamente, fechando a porta com firmeza. O motor ainda ronca quando começamos a rodar novamente. Olho para ele, o rosto iluminado pela luz suave do painel, e faço a pergunta que está na ponta da língua:
— Você se livrou de tudo lá dentro?
Gabriel sorri, aquele sorriso cheio de confiança, e assente com a cabeça. Sua resposta vem quase como uma brincadeira:
— Com certeza, senhor comandante! Nenhum vestígio! É como se nunca tivéssemos passado por aqui.
O olhar de Gabriel está calmo, mas eu não consigo tirar os olhos do retrovisor. Lá atrás, Jasmim está em choque, os olhos arregalados, a respiração pesada, como se tentasse entender o que está acontecendo.
— Ótimo — digo, tentando esconder a tensão que sinto, mas a palavra sai mais seca do que eu gostaria.
Ela, que até então parece perdida em seus próprios pensamentos, finalmente me encara pelo retrovisor. Seus olhos se encontram com os meus, cheios de raiva e desespero. E, pergunta:
— O que você está fazendo? Preciso voltar! Para onde você está me levando?
Gabriel parece então perceber o quanto se desconectou do que acontece no banco de trás. Ele se vira de uma vez, visivelmente assustado, como se tivesse esquecido por um momento que não estamos sozinhos, ao dizer:
— Caralho! Esqueci que ela estaria aqui!
Não consigo evitar. Dou um tapa na cabeça dele, mais por reflexo do que por raiva, dizendo:
— Olha a boca, Gabriel! Para de falar palavrão!
Ele se estica no banco e me olha com uma expressão quase infantil, mas sem perder a postura, ao responder:
— Ah, para de ser chato, cara! A gente nem está em público.
Mas antes que eu consiga retrucar, os gritos de Jasmim invadem o espaço do carro, afiados e desesperados:
— Socorro! Alguém me ajuda! Estou sendo sequestrada! Socorro!
É impossível não sorrir, mas o sorriso que surge é mais um reflexo de diversão sombria do que qualquer outra coisa. Mas Gabriel, ah, Gabriel não segura a risada. Ele me olha, seus olhos brilhando de diversão, e aponta para Jasmim, indagando:
— Ela sabe, que ninguém vai ouvir ela, né?
Eu olho para frente, forçando-me a manter o foco enquanto ouço o som de Jasmim batendo no vidro, como se esperasse que alguém a ouvisse.
Gabriel, mais descontraído, se vira para ela, sua voz baixa e cheia de ironia:
— Olha só, é uma honra para mim estar aqui falando com você, mas entenda, ninguém pode te ouvir. Dentro desse carro, com os vidros fechados e toda essa chuva torrencial lá fora, sua gritaria não vai adiantar de nada. Então, relaxa aí, e curte a viagem.
Há algo em sua voz que torna a situação ainda mais surreal. Jasmim está completamente perdida, gritando, e nós apenas observamos. Eu não consigo evitar o sorriso, e ouço ela gritar mais uma vez:
— Seus loucos, filhos da...
Viro rapidamente a cabeça e a encaro, a voz gélida:
— O que é isso, garota? Isso é o que te ensinaram naquela, igreja?
Ela me ignora. Apenas continua:
— Me solte, seus cretinos! Eu preciso voltar para minha família... Minha vózinha...
Fico em silêncio por um momento, um peso inexplicável se formando no peito. Não sei se é a chuva, ou o som do desespero na voz dela, mas algo dentro de mim se agita.
Finalmente, não resisto e respondo com frieza cortante:
— Voltar para sua família? Há alguns minutos atrás, você estava prestes a se jogar daquela colina! Nem sua família, nem sua avó, parece que fizeram diferença para você! Então cale a boca, garota! Se quiséssemos te matar, já teríamos feito.
Gabriel me olha rapidamente, o cenho franzido, e fala baixo, com um tom preocupado:
— Calma, Azrael... Você está pegando pesado com ela, cara. Sabe o que ela representa, não sabe? Sabe qual é a nossa missão.
Suspiro fundo e, por um momento, olho pelo retrovisor, observando a expressão de Jasmim. Seus olhos estão inchados de tanto chorar, mas há algo mais ali, raiva, medo, desespero misturados.
Ela interrompe o silêncio, a voz tremendo, mas firme:
— Que missão? O que vão fazer comigo? Vocês são tipo uma seita, é isso? Estão me pegando para algum ritual macabro?
Olho para frente novamente, o som da chuva ainda batendo forte no carro, e não consigo evitar o sorriso que surge nos meus lábios. Sorrio para Gabriel.
— Olha só, Gabriel, ela acha que somos uma seita!
Gabriel se vira para Jasmim, com um sorriso cheio de diversão, mas também com algo mais sério, algo que ela não vai entender tão cedo. Então, diz:
— Nós estamos bem além disso. Fazemos parte de algo muito maior. E não se preocupe, não estamos te pegando para nenhum ritual macabro. Não é o tipo de coisa que fazemos.
Sinto a tensão aumentar no carro. O dia ainda está no início, e ela não faz ideia do que realmente espera por ela. E então, com a voz mais fraca, ela diz, por fim:
— Vocês pegaram a garota errada... mas quer saber? Eu já nem ligo mais... acho que nada pode me machucar mais do que já estou.
Essas palavras penetram meus ouvidos como zumbidos ensurdecedores. Jasmim, minha Jasmim, está aqui... tão próxima, mas ao mesmo tempo tão distante. Ela sequer sabe quem eu sou, sequer sabe que eu a reneguei para fazer o que é preciso. Ela está aqui, mas... parece mais distante do que nunca.
Maldição, por que me deste uma companheira que não posso ter, cosmos? Por que, sagrada energia? Por que me colocaste novamente no caminho dela? Por que? É tudo o que quero saber.
Mas a resposta não vem. Apenas a indignação de me encontrar nesta situação se faz presente. O peso do que está acontecendo me sufoca, e a chuva lá fora parece bater mais forte contra o vidro, como se o mundo estivesse se irritando com minha incapacidade de entender o que está se passando.
Eu então puxo o ar com força, sentindo-o gelado e pesado em meus pulmões. Ao soltar, deixo escapar uma exalação lenta, como se estivesse tentando expulsar toda a frustração que me consome. Então, de maneira firme, olho para o espelho retrovisor, focando nos olhos de Jasmim, ainda cheios de dor e desesperança.
Digo:
— É justamente por isso que você precisa agora vir conosco, garota. Você está desolada, sem esperança, perdida. E é um perigo até para sua própria vida. Minha missão é te proteger e te guiar, e é exatamente isso que vou fazer. Nem que eu precise te amarrar a mim, se for preciso. Eu nunca falho em uma missão. E, não será nesta que eu falharei.
A determinação em minhas palavras não permite espaço para dúvidas. Eu cumpro o que me é designado, sem exceções. Ela continua em silêncio, ainda tentando compreender o que está acontecendo, mas a tensão no ar fica mais palpável.
Mas sei, com toda a certeza, que a missão que me foi dada não se resume a apenas salvar sua vida. Há algo mais profundo, algo maior, algo que talvez eu não consiga entender agora. Mas não importa. Nada disso importa. A única coisa que importa é que eu nunca falho. E isso, eu vou cumprir.
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Atualizado até capítulo 52
Comments
Fátima Ramos
Ainda não percebi quem são eles, ele é lobo e mais o quê?
2025-02-06
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Valentina Valente
É, autora, faz ele parar de falar palavrão...hahaha
2024-12-23
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Rose Souza
oh chatice credo parei enrolado demais
2025-02-09
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