Capítulo - 4

Azrael

O dia amanheceu quente, com o sol se espreguiçando no céu e aquecendo a terra de forma implacável. A luz dourada invade cada canto do quintal enquanto eu, sem camisa, lavo minha caminhonete preta.

O calor da manhã queima minha pele, mas a sensação da água fria batendo nas latas e a espuma escorrendo pelo vidro do veículo, me traz uma estranha sensação de paz, quase como se fosse o único momento de alívio em meio ao turbilhão de pensamentos.

Ontem, durante a vigília, eu a observei de longe, ela e a família. Jasmim, com sua expressão serena, indo em direção à igreja que frequenta. A tensão que se forma em meu peito cada vez que a vejo, a necessidade quase insana de me aproximar, mas ao mesmo tempo, a resistência a esse impulso. Tudo isso me consome.

De repente, sou arrancado de meus pensamentos pela voz aguda e irritada de uma mulher. Olho para o outro lado da cerca baixa e vejo Cassandra, a irmã de Jasmim, em plena discussão com ela. A cena se desenrola com a intensidade de um conflito longo. Cassandra está tão perto de Jasmim que, no instante seguinte, ela a empurra levemente, como quem não aguenta mais. A raiva transborda em suas palavras.

— Olha o que você fez, Jasmim! Sua idiota! Sabe quanto custa essa peça de roupa? Você é uma inútil mesmo, não é? Além de viver ainda aqui na casa dos nossos pais, não sabe fazer nada direito! Vê se cresce, sua estranha!

O tom de Cassandra é cortante, suas palavras afiadas como facas. Cada uma delas parece atingir Jasmim de uma forma silenciosa, mas cruel. Minha mandíbula se tensa ao ver a expressão no rosto de Jasmim, aquele olhar resignado, como se estivesse acostumada com as palavras duras da irmã, mas sem saber como responder, como se sua alma fosse silenciosamente dilacerada a cada grito.

Eu me seguro, tentando não me envolver, mas algo dentro de mim, uma onda de proteção, começa a crescer. Passo a mão pelos cabelos, tentando me afastar da cena. Respiro fundo.

"Não é meu problema", penso.

Mas, enquanto a água escorre da mangueira em minha mão, sinto meu corpo agir antes de minha mente. É um impulso, uma reação sem pensar. Aperto o gatilho da mangueira e direciono a água, atingindo diretamente as costas de Cassandra. Ela solta um grito, e, em um movimento brusco, vira-se, os olhos arregalados de surpresa e raiva.

— Ahhhhh! O que é isso? — Ela grita, como se fosse empurrar o ar em minha direção.

Mas antes que ela possa reagir, eu já solto a mangueira e levanto as mãos, um sorriso cínico de canto, tentando esconder a diversão que sinto com a situação.

— Foi mal, eu nem reparei. Pensei que você fosse um poste. — Minha voz é baixa, mas a risada interna que eu tento segurar é quase audível.

Cassandra não acha a menor graça. Ela está furiosa, seus olhos lançando chamas em minha direção enquanto ela se vira e começa a andar para longe, pisando forte no chão, como se quisesse esmagar a terra sob os pés.

— Seu imbecil! — Ela grita, se afastando, sua voz se distanciando com cada passo, mas sua raiva ainda parece ecoar no ar.

E então, fico aqui, parado, mas completamente ciente de outra presença. Eu sinto seu olhar, e, ao virar a cabeça, encontro Jasmim me observando fixamente. Seus olhos estão grandes, surpresos, mas também profundos. Ela não diz nada, mas é como se a terra sob meus pés começasse a ceder. Seu olhar me prende de forma indescritível. Eu não consigo desviar.

Eu me sinto vulnerável, como se ela pudesse ver através de mim, como se soubesse exatamente o que estou tentando esconder. Eu, que sempre mantive meu controle, de não me apegar a nada, agora me vejo completamente desarmado. E ela, com um simples olhar, consegue me desestabilizar.

Quando Jasmim finalmente abre a boca para falar, eu sinto o peso de suas palavras no ar, como se já soubesse o que ela vai dizer. Algo que poderia mudar tudo, algo que eu não estou preparado para ouvir.

Mas, antes que ela possa emitir qualquer som, o impulso é mais forte que qualquer razão. Eu simplesmente viro as costas para ela, o movimento quase automático, como se o simples fato de ouvir a voz dela fosse me derrubar.

Com passos rápidos, caminho para dentro de casa. Minha mente está um turbilhão de pensamentos que eu não posso organizar. Não, não posso fazer isso agora. Não posso ouvir o que ela tem a dizer. É uma necessidade urgente de afastar a mim mesmo da situação, de sair deste espaço onde o inevitável se tornaria real.

Quando passo por Gabriel, ele me olha com a típica expressão de quem percebe que algo está errado. Há um brilho de curiosidade em seus olhos, mas também uma pitada de preocupação, o que só aumenta minha frustração.

— O que foi, irmão? — ele pergunta, a voz carregada de uma curiosidade inquietante.

Eu não tenho tempo para isso. Não tenho paciência para explicações, para que ele entenda o que está acontecendo. Respiro fundo, tentando recompor o pouco de controle que ainda tenho, e aponto vagamente para fora.

— Vai lá e fecha a mangueira. Eu deixei aberta. — Minha voz sai mais dura do que eu gostaria, e nem olho para ele enquanto falo.

Não espero pela resposta dele. Não preciso. Sigo em frente, caminhando apressado, meus passos mais pesados agora, como se estivesse carregando algo que não consigo mais suportar. Entro no quarto, mas o sentimento de desconforto não me deixa. Minha cabeça está girando, e meu corpo parece não se ajustar ao ritmo da minha mente.

Chuto algumas caixas da mudança que ainda estão espalhadas pelo chão, sem cuidado, deixando-as rolar pelo cômodo. Não me importo com a bagunça, não me importo com mais nada além do tumulto que sinto dentro de mim.

Fecho os olhos por um momento, tentando encontrar algum alívio, mas tudo o que surge são os olhos dela. Aquele olhar fixo, profundamente penetrante. Eu vi o jeito como ela me olhou lá fora, e isso está me corroendo por dentro.

"Até quando, Azrael?" Eu me pergunto, as palavras ecoando na minha mente. Até quando você vai continuar fugindo dela? Eu já sei a resposta, embora não queira aceitá-la. Sei que isso é mais do que uma simples escolha.

Eu não posso apenas ignorá-la, não posso apenas afastá-la. Eu sou o guia dela. O protetor dela. E, por mais que eu tente negar, por mais que eu queira fugir de tudo isso, minha missão é uma sentença que eu não posso escapar.

E o que me corrói ainda mais é o fato de que, por mais que eu tenha sido designado para essa missão, por mais que eu entenda que ela é importante, ela é, ao mesmo tempo, minha condenação. Não importa o quanto eu tente me manter distante, ela é parte de mim. Sempre será.

Eu me sento na beira da cama, minha mente agitada. Não posso mais adiar. Em algum momento, mais cedo ou mais tarde, eu terei que me aproximar dela. Terei que ser o que fui designado para ser.

E, no fundo, sei que não terei outra escolha a não ser cumprir essa missão. Mas será que vou conseguir? Será que consigo suportar a proximidade dela, saber o que ela representa, enquanto ainda tento me manter distante?

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Comments

joana Almeida lima

joana Almeida lima

Porque Jasmim não foi estudar e se formar também? Fazer alguma coisa na vida. Não se interessa por nada?

2024-11-28

3

Nannda Gomess 💋🍀

Nannda Gomess 💋🍀

porque ele forje tanto dela, pq não podia fica com ela antes

2025-01-21

0

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