Capítulo - 7

Jasmim

O sol mal começa a despontar no horizonte quando, como todos os dias, minha rotina toma forma. Coloco um simples vestido florido, o único que me resta de leveza. A brisa suave da manhã quase não toca meu rosto, mas o clima na casa já está carregado.

Desço para a cozinha e encontro minha irmã Cassandra, com as malas prontas. Meus pais estão ao redor dela, como sempre, paparicando-a, com sorrisos em seus rostos. A cena já é conhecida: ela, a filha perfeita; eu, a sombra que nunca se encaixa.

Assim que meu pai me vê, seu olhar se endurece, e a tensão toma conta do ambiente. Ele se vira para mim com um cenho fechado, e a raiva transborda em sua voz:

— A sua irmã nos mostrou a roupa dela que você estragou ao lavar, Jasmim. Você realmente não consegue fazer nada direito, não é? Como é possível alguém ser tão inútil... — Ele me olha como se eu fosse um fardo em sua vida.

Minhas mãos começam a tremer, um nó se forma na garganta, mas antes que eu possa falar, a voz de minha avó Nena corta o ar, forte e impetuosa. Sua cadeira de rodas se move com um estalo, e ela se coloca entre mim e meu pai, como se fosse a última resistência contra o caos que domina nossa casa.

— Cale essa sua boca, Carlos! — Sua voz é baixa, mas implacável, e sua presença preenche todo o espaço. — Jasmim é sua filha, tanto quanto Cassandra. Não cansa de humilhar sua própria filha? Que tipo de monstro eu coloquei ao mundo?

Meu pai sorri, mas o sorriso é vazio, sem humor.

— Ah, por favor, mãe. Todos sabemos quem é a sua neta preferida, não é? — Ele zomba.

A discussão se desenrola rapidamente, com gritos, acusações, verdades não ditas. Cada palavra é como uma ferida aberta, e eu sinto meu corpo enfraquecer sob o peso da dor. Meu coração bate descompassado, e as lágrimas começam a cair sem que eu possa controlá-las.

É como se o mundo ao meu redor se desintegrasse, e eu não aguento mais. Eu só quero que tudo isso acabe. Quero fugir de tudo, de todos. O impulso surge sem que eu possa evitar: abro a porta da casa com toda a força que encontro.

O vento me atinge implacável, gelado e forte, como se a natureza soubesse que estou fugindo de algo muito maior. Olho para o céu e vejo as nuvens pesadas e ameaçadoras. A chuva, antes tímida, logo se transforma em um toró.

Mas eu não paro. Eu corro. Corro como se pudesse deixar para trás toda a dor, todo o sofrimento, toda a frustração. Como posso ser tão inútil? Como é possível ser tão incapaz de agradar meus próprios pais?

Corro sem rumo, atravessando o campo aberto, indo em direção à única coisa que, de alguma forma, me traz alguma paz: a colina isolada fora da cidade. As gotas de chuva atingem meu rosto com força, misturando-se às lágrimas que não cessam. O vento esvoaça meu cabelo, a chuva açoita minha pele.

(...)

Quando chego à colina, olho para o horizonte, entre as montanhas que se erguem ao longe, e caio de joelhos na grama molhada. O grito sai involuntário, rasgando o ar gélido, enquanto as gotas de água caem pesadas sobre mim.

— Por que? Por que? — O som da minha voz se perde no rugido da tempestade, e a dor me dilacera por dentro.

Não há resposta. Só o silêncio, pesado, e a dor, que se torna mais intensa a cada segundo. Com o coração acelerado, engulo em seco, me levanto e me aproximo da beira da colina. Olho para baixo, para o abismo íngreme. É só uma queda, e provavelmente morrerei no impacto. Isso me parece uma solução.

Eu abro os braços, fecho os olhos. Meus cabelos, mesmo molhados, voam ao sabor do vento. Eu estou pronta para acabar com essa palhaçada que chamam de vida.

— Me perdoe, vovó... — Sussurro baixinho, enquanto o som da chuva forte ecoa ao fundo.

Então, meus pés, calçados em uma sapatilha surrada e encharcada, escorregam na beira da colina. Sinto meu corpo tombar para frente, mas, em vez da queda iminente, algo me agarra. Braços firmes me envolvem e me puxam para trás. Sou virada abruptamente, de encontro a um peito quente e forte, e sinto o seu perfume invadir o ar.

O coração bate descompassado no peito dele enquanto minha cara se afunda em seu peitoral, e as mãos dele me envolvem em um abraço tão apertado que parece que nunca mais vai me soltar.

O abraço é tudo o que eu precisava neste momento. Então, lentamente, ergo a cabeça e encontro... ele. O meu novo vizinho, aquele que tem invadido meus pensamentos nos últimos dias, sem que eu consiga parar de pensar nele.

Estamos completamente enxarcados. Uma mexa do seu cabelo ondulado cai sobre a testa, o seu olhar profundo e penetrante parece atravessar minha alma, me deixando vulnerável diante dele. Mas ele não diz nada. Nem uma palavra. E eu também não. O silêncio entre nós é denso, quase palpável.

Então, de forma surpreendente, ele me ergue como se eu fosse uma pena. Minhas mãos se levantam instintivamente, e eu puxo o vestido para baixo, com medo de que ele suba e me exponha. Seus braços são fortes, e o modo como me segura com facilidade me deixa ainda mais desconcertada.

Ele começa a caminhar em passos rápidos, me carregando em direção à cerca que eu havia atravessado. Quando olho à frente, vejo a caminhonete preta parada logo após a cerca, e um calafrio percorre minha espinha.

"Será que ele vai me matar?", penso, o pavor começando a tomar conta de mim.

Mas então, me dou conta de que, na verdade, eu mesma estava prestes a acabar com a minha vida. Então, talvez a morte não seja tão aterrorizante assim... mas e se ele for o tipo de pessoa que gosta de causar dor antes de matar suas vítimas? Isso não seria nada legal.

Minha mente começa a se acelerar, e eu me debato em seus braços, tentando, em vão, sair do seu aperto.

— Moço... ei, moço! Me coloca no chão! — grito, mas minha voz sai abafada, misturada ao som da chuva que continua a cair pesadamente.

Ele não responde. Nem uma palavra. Parece uma muralha. Ele não me solta. Não há nenhuma reação, como se eu fosse apenas um peso que ele precisa carregar. Quando chegamos perto da cerca, algo me deixa completamente atônita.

Ele puxa uma das suas mãos debaixo de mim, e com ela, arrebenta os fios de arame farpado com uma força assustadora. O sangue escorre de sua mão, mas ele não parece sentir dor. As ferpas do arame se enterram em sua pele, e ele não se importa. Não há uma reação sequer.

Meus olhos se arregalam, e fico paralisada, sem conseguir compreender o que está acontecendo. Ele avança até a caminhonete, me coloca dentro com um gesto firme e preciso. As portas se fechando abruptamente.

Ele remove o arame da mão com uma despreocupação inquietante, o joga para fora e entra no veículo, assumindo o volante. Ajusta o espelho retrovisor e, então, me olha. Um calafrio percorre minha pele ao perceber seu olhar frio e impenetrável.

Eu, em estado de pânico, olho desesperada para as portas, tentando encontrar uma maneira de escapar, de sair correndo. Mas então ouço o click de segurança sendo travado. Eu percebo que ele trancou as portas. Não há saída. E as lágrimas começam a cair sem controle.

"Bem feito, sua tola", penso. "Olha aí, o castigo de Deus, vindo a galope. Quem mandou querer tirar a própria vida? Agora vai perder a vida de uma forma horrível para aprender." O pensamento é uma agonia, uma certeza de que estou condenada.

Com as mãos juntas em oração, começo a chorar descontroladamente.

— Me perdoe, Senhor! Me perdoe, Deus! — suplico entre as lágrimas, enquanto ele arranca com a caminhonete, a chuva batendo contra o vidro.

Ainda chorando, continuo:

— Eu pequei contra Ti, Deus, me perdoe, Senhor...

E então, pela primeira vez, ouço sua risada. É amarga, quase como se ele soubesse de algo, que eu ainda não sei. O som reverbera no carro, e ele, olhando para mim pelo retrovisor, fala com uma voz grave, porém carregada de uma estranha melancolia:

— Aproveite... e peça asas para Ele também... para a próxima vez que achar que pode voar.

O que ele diz me acerta em cheio, e me deixa ainda mais aterrorizada. E eu, de alguma forma, sei que acabo de entrar em um caminho sem volta.

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Comments

joana Almeida lima

joana Almeida lima

Por ser tão desprezada é que ela deveria ser forte e mostrar que pode ser alguém na vida, mas pelo visto, não sai do canto e quando tem um surto de coragem é pra se suicidar. Aff, pelo menos vai conhecer de verdade o Azrael.

2024-11-28

0

Salome Pereira

Salome Pereira

mas também pq não vai embora , vai pra cidade , procura um emprego não precisa ficar morando com os pais,já que não gostam dela

2024-12-03

1

Josely Goncalves Faria

Josely Goncalves Faria

que coisa chata mistério é bom desse jeito cansa

2025-02-19

0

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