Página 19. o Limiar do medo e desejo.

Trade it for the Night

Dizem que o medo é um dos instintos mais importantes dos humanos, nos protege do perigo oculto, mas, em excesso, pode ser paralisante.

Tainá andava de um lado para o outro no quarto, pensando. "Como pude eu te deixar isso acontecer?"

O passado dançava em sua mente, e ela pegou o celular, ligando uma música para tentar afastar a dor daquele momento. Tudo tinha sido tão cruel com ela e com Rui... A culpa invadia cada pensamento seu.

— Tainá, o que houve, filha? Sua avó entrou no quarto e viu ela estranha.

— Agora não, vó.

— Você não está bem — disse Dona Ângela, segurando a mão dela.

— Eu preciso ficar só, por favor... — A voz saiu baixa, quase uma súplica para que sua avó respeitasse aquele momento de dor.

Com preocupação, dona Ângela saiu do seu quarto e a deixou a sós , com o seus traumas do passado.

(...)

No outro dia depois do treino, Tainá ouvia a música Trade It For The Night, uma canção com uma atmosfera melancólica, bem no estilo favorito dela, o indie pop ... Era da banda holandesa Haevn, e naquele momento de dor, a música tinha sido sua saída, o refúgio para tentar aliviar o peso que sentia.

Foi então que o som foi interrompido pela ligação de Graziela.

— Alô, Grazi.

— Você pode vir ao hospital? É importante. falou Graziela.

Ao chegar ao hospital, Tainá encontrou Grazi, Theodora e a namorada dela, Babi.

Por mais que tentasse disfarçar, ver Theodora com outra pessoa a deixava desconfortável.

— Tainá, vem… Quero que saiba da notícia… — disse Graziela.

— Que notícia? — perguntou Tainá, desconfiada.

— Tainá… Era pegadinha! Se eu não falasse isso, você não viria — disse Graziela, rindo.

— Não tem graça, você sabe que estou preocupada com sua saúde — respondeu Tainá, séria.

— Ah, você já conhece a amiga da minha irmã? — perguntou Graziela.

— Sim — respondeu Tainá.

— Ela é um amor de pessoa, já adorei ela! — Graziela sorriu, e Tainá forçou um sorriso, usando aquela máscara social, mas por dentro estava assim: 😒🙄🙄.

— Ai, também adorei você, amor! Você é muito engraçada. Vamos nos dar muito bem — disse Babi, toda animada.

Theodora observava tudo e se sentia culpada pelo clima estranho. Ela sabia que tinha se envolvido com a melhor amiga de sua irmã, e agora todas estavam presas em uma teia 🕸️ que ela mesma criou, movida pelos seus desejos que não conseguiu controlar. Deveria ter pensado nas consequências.

" Tainá tinha razão, eu sou muito imatura," pensava Theodora.

— Tainá, quero que você leve minha irmã para comprar um celular e um chip. Aqui perto tem uma loja. Ela não vai para a faculdade, mas precisa fazer ao menos as aulas a distância — disse Graziela.

Tainá engoliu em seco.

— Tudo bem. Você vêm também? — perguntou Tainá, olhando para Babi.

— Não, eu vou ficar para conhecer melhor minha nova amiga — respondeu Babi, com uma voz fina que soava enjoada para os ouvidos de Tainá. — Claro, e vou ajudar ela com os cuidados.

Na verdade, Babi queria ficar para se aproximar de Grazi e, também, por pura preguiça. Jamais passava pela cabeça dela que Theodora nutria um desejo latente por Tainá.

"Imagine! Theodora, tão elegante, charmosa, ia querer alguma coisa com essa coroa."

(...)

Enquanto desciam no elevador, o silêncio tomava conta delas. Theodora deixava a mente viajar, imaginando as duas presas ali, se beijando com intensidade.

"Theodora, juízo! Você agora está com a Babi."

Para Tainá, a descida parecia infinita. Quando finalmente saíram, a porta automática do hospital abriu, e logo chegaram à loja. Theodora começou a procurar um celular adequado para ela.

— Desistiu de achar o seu? — perguntou Tainá, apenas para quebrar aquele clima sufocante.

— Sim, Tainá… uma pena. Meu pai mandou um Pix para a Grazi, para que eu comprasse um novo celular — disse Theodora. — Mas não se preocupe, assim que eu tiver meu celular, vou fazer um Pix para te pagar, tá bem?

— Eu não uso Pix — respondeu Tainá.

Surpresa, Theodora a olhou, sem acreditar, e deu uma risada tímida.

— Como assim? Todo mundo tem Pix! — disse ela, rindo.

— É que eu não sou todo mundo — respondeu Tainá, rindo também.

— Não vai me dizer que você não tem WhatsApp? — perguntou Theodora, divertida.

— Acertou…

— Como você se comunica com alguém? — perguntou Theodora, chocada.

— Tenho meu velho celular que recebe ligações e manda SMS — respondeu Tainá.

— Ninguém usa SMS! Isso ainda existe? — disse Theodora, rindo.

— Eu sei, sou um dinossauro da tecnologia — disse Tainá, fazendo Theodora rir e encostar-se nela. As duas ficaram se olhando até que uma atendente as interrompeu.

— Tenho chip dessas operadoras aqui.

(...)

Mais tarde, voltando para o hospital, decidiram parar para comer um cachorro-quente.

— Esse aqui é um cachorro-quente de verdade — disse Tainá, saboreando.

— Oras, falando mal do meu? — respondeu Theodora, rindo, sentadas numa mesa ao ar livre, perto da barraca de cachorro-quente.

O tempo estava abafado, e uma fina garoa descia sobre elas, criando um efeito bonito.

— Está garoando — comentou Theodora.

— Melhor irmos antes que fique mais forte — disse Tainá.

— Espero que alivie esse calor aqui… — falou Theodora, sem se dar conta de que a frase soava ambígua. Tainá a olhou.

— Não tive intenção de parecer sugestiva, tá? — esclareceu Theodora, rindo, meio envergonhada.

— Melhor irmos…

Ao chegarem à porta do hospital, Theodora segurou as mãos de Tainá.