meu medo

   Acordei com a luz do amanhecer se infiltrando pelas janelas da casa da árvore, criando sombras suaves nas paredes de madeira. O relógio no celular marcava sete horas, e ao lado dele, havia uma mensagem de Giovanni. "Já volto. Não se preocupe." Ele sempre se preocupava em me avisar, sempre presente, sempre zelando por mim, antes como um primo, um familiar, agora meu noivo e futuro marido, mas agora, solidão no silêncio da manhã, uma sensação de vazio começou a me envolver.

   Levante-me devagar, ainda sentindo o peso dos últimos acontecimentos sobre mim. Cada passo pela pequena casa trazia memórias de tudo o que havia acontecido, e era impossível evitar que as lembranças começassem a voltar. Pensei na decepção nos olhos da minha mãe, a forma como ela ficou magoada ao saber que eu não tinha confiança nela, e nem era isso, era o maldito medo, medo de ser um problema e a sensação de que se cansariam de mim. Era como se eu tivesse falhado com ela, como se tivesse decepcionado todos que me amavam.

  Lembre-me de Serena, seu rosto tenso e triste, como se ela se culpasse por não ter percebido o que eu estava passando. E então, havia o olhar de ódio de Joana, a empregada, soube que ela transava com Giovanni e isso me deixou muito chateada, não é como se eu o quisesse virgem, mas o motivo da perseguição não era eu e sim ela mesmo, uma expressão que agora parecia me perseguir, um lembrete constante de que eu sempre seria vista como frágil, como alguém que não consegue lutar contra os próprios fantasmas.

  As lágrimas caíram a encher meus olhos sem permissão, queimando meu rosto enquanto eu descia os degraus da casa da árvore.

  Ao chegar lá embaixo, avistei o lago. O reflexo da luz do sol na água parecia calmo, sereno, como se o mundo continuasse o mesmo apesar de toda a confusão dentro de mim. Fui andando em direção à margem, terminando o orvalho matinal na grama sob os pés. Naquela superfície espelhada, lembranças de tempos passados começaram a se sobrepor.

  Foi ali, junto ao lago, que pela primeira vez percebi que Giovanni era diferente. Lembrei-me de um momento em que, em um ataque de desespero, eu havia corrido para a água, buscando fugir de tudo o que me sufocava. Mas ele não me julgou.

  Apenas cuidou, estendeu a mão, e não deixou que ninguém me tocasse. Era como se ele soubesse que, às vezes, o silêncio é o maior remédio para uma alma ferida.

  Abaixei-me e toquei a água fria com os dedos, sentindo o contraste entre o afresco e o calor das lágrimas que ainda teimavam em rolar pelo meu rosto. Por impulso, mergulhei os pés na água, desejando que aquela sensação me trouxesse algum tipo de paz, algum tipo de colapso para a dor que ainda se esconda em meu peito.

Eu consigo mudar — murmurei para mim mesma.

Preciso mudar — Mas enquanto essas palavras saíram de meus lábios, uma onda de pânico começou a crescer dentro de mim. Uma sensação de abertura no peito, como se o ar estivesse se esvaindo. Meu corpo começou a tremer, as pernas fraquejaram, e de repente, senti-me afundando. Perdi completamente a força nas pernas, e antes que eu pudesse reagir, fiquei submersa.

  A água invadiu meus sentidos, fria e implacável, envolvendo-me como um abraço cruel. Lutei para voltar à superfície, mas era como se meu corpo não respondesse. O pânico tomou conta, o desespero se transformou em escuridão. Em meio ao turbilhão de sensações, tive um último vislumbre de uma lembrança: a voz da minha mãe, desesperada, como se estivesse me chamando de longe. Era um som que ecoava por dentro, um grito de dor e amor misturados.

  A escuridão começou a me envolver por completo, e então senti algo — ou alguém — me puxou para fora, afastando-me do abismo que parecia me engolir. Antes de ficar tudo completamente escuro, percebi a presença forte de mãos me segurando com firmeza, tirando-me da água, salvando-me do vazio.

  Era como se, no último momento, alguém tivesse me resgatado do fundo dos meus próprios pesadelos. E então, deixe-me ser levada, a consciência se esvaindo enquanto tudo se apagava ao redor.

  Acordei sentindo o cheiro característico de um hospital, aquele misto de desinfetante e remédios que sempre parecem mais fortes quando somos vulneráveis.

  As propostas pesavam, e meus olhos demoraram a se ajustar à luz suave do quarto. Quando finalmente consegui abrir os olhos, a primeira coisa que vi foi Giovanni ao meu lado. Ele segurava minha mão com força, a cabeça baixa enquanto lágrimas silenciosas desciam por seu rosto. Quando viu que eu havia despertado, olhei em seu olhar e eu vi uma mistura de alívio e desespero.

  Ele chorava, e com a voz embargada, murmurava:

__ Graças a Deus… graças a Deus você está viva, Julia — Apertei sua mão com o pouco de força que tinha, e o toque pareceu aliviar um pouco da angústia em seu rosto.

__ Por que você fez isso? — Ele disse, a dor evidente na voz — Por que você tentou se matar, Julia?

  Tomei fôlego, surpresa pela pergunta, e senti meu peito apertar com o peso das palavras dele.

__ Não... eu jamais faria isso — respondi com dificuldade — Eu entrei na água porque queria enfrentar o meu medo. Pensei que talvez, se eu conseguisse ficar lá, se eu conseguisse provar a mim mesmo que não fosse mais refém das minhas lembranças, isso ajudaria. Mas… — Minha voz falhou, e lágrimas brotaram em meus olhos. — Eu entrei em pânico. As memórias, os traumas… foi como se tudo me puxasse para o fundo de uma só vez. Não consegui… não consegui lidar.

  Giovanni me olhou com tanto cuidado e dor que por um momento parecia que ele também havia se afogado comigo. Ele respirou fundo, secando as lágrimas com a mão trêmula:

__ Você me assustou, Júlia. Por um momento, eu pensei que ia te perder — ele admitiu, com um nó na garganta. — Mas agora você está aqui. E é isso que importa.

  Abaixei o olhar, sentindo um pesar no peito:

__ Minha mãe… continua muito chateada comigo? — Perguntei, a voz um pouco trêmula. O olhar magoado dela ainda era uma ferida aberta para mim. Não queria ter decepcionado ninguém, muito menos ela.

  Giovanni balançou a cabeça, um meio sorriso surgindo em seus lábios.

__ Não, ela não está chateada, Júlia. Foi apenas um susto para todos nós. Eles entenderam. Estão todos esperando fora. Estou preocupado com você... e amo você. Nunca duvide disso.

  Essas palavras eram como um bálsamo para o medo que ainda latejava em meu peito. A sensação de estar decepcionando aqueles que amo era um tormento que eu mal conseguia suportar. “Obrigada,” sussurrei, sentindo uma nova onda de lágrimas se formar.

__ Vou chamar seus pais para entrarem, está bem? Você precisa descansar e esquecer esse tormento — Ele me deu um beijo na testa, com ternura — Você não está sozinha, Julia. Nós vamos enfrentar tudo isso juntos. Você é forte, e nós estamos aqui para te apoiar.

Assenti, apertando sua mão mais uma vez, encontrando no toque dele a segurança que eu tanto preciso. Giovanni se declarou e caminhou em direção à porta, deixando-me com uma nova esperança de que talvez, com o tempo, eu pudesse superar tudo aquilo. Talvez, com ele ao meu lado, eu finalmente conseguisse me libertar dos fantasmas do passado.

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Jucileide Gonçalves

Jucileide Gonçalves

As vezes o fardo que carregamos é maior que nosso bom senso.

2024-11-06

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