tentando matar a dor

    O dia havia começado como qualquer outro, mas a atmosfera estava carregada de dor e desespero. A cozinheira, como sempre, estava me atormentando, disparando palavras cruéis que ressoavam em minha mente, ecoando as críticas de outras meninas. Eu já não suportava mais. Sentia como se não houvesse saída, como se o peso da tristeza estivesse me afundando em um abismo sem fim.

  Lágrimas escorriam pelo meu rosto enquanto as vozes se misturavam na minha cabeça. Decidi que já não podia aguentar mais. Em um impulso impensado, peguei um pedaço de vidro afiado que encontrara em um canto da sala. Meu coração disparava enquanto eu olhava para ele, a promessa de alívio que parecia tão distante.

  Fechei os olhos, respirei fundo e, em um ato de desespero, cortei meu pulso. A dor era intensa, mas de alguma forma, ela também me libertava. Enquanto o sangue escorria, eu sentia a pressão se dissipar, como se todas as minhas angústias estivessem saindo de mim.

No entanto, o que eu não esperava era a realidade que se seguiu. A faxineira entrou na sala e parou, os olhos arregalados, o rosto pálido.

— Meu Deus, Julia! O que você fez? — gritou, correndo até mim.

Em meio ao meu desespero, as vozes começaram a se tornar mais claras. Eu podia ouvir as pessoas comentando sobre mim, algumas expressando pena, outras, de alguma forma, parecendo se sentir aliviadas por não serem eu, um soldado me levou para o hospital e ali quando me estabilizaram eu chorei, chorei tanto até que uma enfermeira mandou que eu não gritasse, que tudo ficaria bem, que eu deveria ser grata só de estar ali e me calar. Mas o que era “tudo bem” para alguém que se sentia tão quebrada?

  Naquela fração de segundos, eu me lembrava de Lavínia, a promessa dela de que sempre estaria ao meu lado. A sensação de traição cortava ainda mais fundo do que o vidro, e eu me perguntei onde ela estava. Tinha jurado que nunca me deixaria.

Então, a dor tornou-se insuportável, e a escuridão começou a me envolver. Meu corpo cedeu, e eu não resisti.

  Quando finalmente abri os olhos, o brilho da luz do hospital me cegou temporariamente. O cheiro do antisséptico era forte, e a primeira coisa que senti foi um arrependimento profundo. Eu não queria que tudo acabasse assim, Paola tinha ido me ver, mas chorava, eu não queria incomodar ninguém, só matar minha dor.

  Desesperada, olhei ao meu redor, até que avistei Lavínia entrando no quarto. O coração disparou ao vê-la. O alívio que senti foi imediatamente substituído por uma onda de tristeza. Eu queria gritar, mas as palavras ficaram presas na minha garganta.

— Julia! — ela exclamou, correndo até mim com os olhos marejados. — O que você fez?

O desespero tomou conta de mim. Eu não queria que ela me visse assim, não queria que ela soubesse da profundidade da minha dor.

— Eu... eu não sabia mais o que fazer, Lavínia. Desculpe! — as palavras escaparam enquanto lágrimas quentes escorriam pelo meu rosto.

  Ela segurou minha mão, o toque firme e caloroso, e eu percebi que, embora a vida parecesse insuportável, eu ainda tinha alguém que se importava. E talvez, apenas talvez, houvesse uma pequena chance de que tudo pudesse melhorar.

— Oi, meu bem, chora. Pode chorar. Coloca tudo isso que você está sentindo para fora. Eu não vou sair do seu lado. — A voz de Lavínia era suave e envolvente, e eu me encolhi em seu colo. Para minha surpresa, ela tinha razão: eu não parecia ter 15 anos, mas sim 12. Era como se eu fosse pequena demais para suportar tudo o que estava acontecendo.

— A enfermeira disse que eu deveria agradecer por alguém ter me trazido para cá e que eu não deveria chorar alto. Desculpe por isso. Eu sou um peso para todos ao meu redor — eu disse, o desespero e a culpa esmagando meu peito. A expressão de Lavínia mudou, e vi a indignação em seu olhar.

— Aquela enfermeira que entrou aqui? — ela perguntou, e eu apenas assenti.

— Eu vou resolver. Você é minha protegida, e ninguém te tocará nunca mais. Julia, por que você fez isso? O que te afligiu a ponto de tentar contra a sua vida? — O tom dela era sério, e eu não sabia se conseguiria responder.

— Não vai brigar comigo? — Perguntei, a insegurança transparecendo na minha voz.

— Não, eu só quero entender.

— No dia que o soldado foi levado, a cozinheira disse que eu tinha trazido má sorte ao local. Que meninas como eu deveriam ir para prostíbulos.

 Quanto mais cara de horror ela fazia, mais eu me sentia um lixo.

— Como assim, meninas como você? — perguntou.

— Ruivas. Ela disse que toda ruiva tem sangue de prostituta — contei explicando que eu não era louca, só estava com a cabeça mexida.

— Quando a notícia da gravidez se espalhou, ela disse que seria outra vida sem futuro algum. Eu só queria sarar a dor que cresce mais dentro de mim. Meu filho está bem? — A angústia me consumia enquanto perguntava sobre meu filho, custo a acreditar que pus sua vida em risco.

— Infelizmente, não. Ele não resistiu, minha linda — Lavínia disse, e o mundo ao meu redor desmoronou. — Mas olha, você não vai voltar para o orfanato agora. Você vai para a minha casa por um tempo.

  Iremos cuidar de tudo para que você se recupere. Julia, você é linda. Não há nada, nada errado com seu cabelo. Você foi a vítima dessa história. A cozinheira e quem mais falar algo será severamente penalizado.

Ela me abraçou forte, e eu não pude evitar as lágrimas. Sentia que finalmente havia alguém que se importava de verdade.

— Enrico — chamou ela, eu sabia que esse é o líder de tudo, Enrico Rossi, tão assustador quanto Julian Hunter, mas torço para que seja tão bom quanto ele.

— Oi, amor. Julia, como se sente? — Ele perguntou com gentileza, e eu apenas acenei, mantendo a cabeça baixa.

— Você viu a enfermeira que entrou aqui antes? — Lavínia perguntou.

— Sim — Enrico respondeu.

— Pode pedir para trazer ela? — pediu, e fiquei sem saber se estava certa em fazê-lo, não deveria ter falado.

— Eu sou podre, matei meu filho. Eu deveria ter morrido. É melhor do que lidar com essa dor — eu murmurei, e mais uma vez me deixei envolver pelo abraço caloroso de Lavínia.

Logo, Enrico abriu a porta acompanhado da enfermeira.

— Como você se atreve a dizer para uma paciente no nosso hospital que ela deve não gritar para não incomodar, que ela deveria ser grata? Quem é você para dizer o que ela deve ou não fazer, ou sentir? Sua empatia é terrível, e graças a isso você acaba de perder seu emprego. Nunca mais pegará serviço em qualquer hospital renomado. E agradeça pela sua vida, por enquanto, né? — As palavras de Lavínia soavam como um punho de ferro, e eu sentia que, finalmente, alguém estava lutando por mim.

A enfermeira balançou a cabeça em negativa.

— Me desculpe, mas não pode me demitir. Você não é minha chefe, é só uma das herdeiras mimadas.

Quando ela disse isso, Enrico se colocou na frente dela como uma muralha.

— Não dirija a palavra à minha esposa. Seu assunto agora é comigo. Esse é o meu hospital, e minha esposa tem total direito. Você deveria tratar seus pacientes com amor, independentemente de quem sejam. Vá agora mesmo embora, e se desrespeitar alguém novamente, você pagará com a vida — sua voz era firme, e eu me sentia protegida.

Ela foi levada por um segurança, e a tensão começou a se dissipar.

— Vou ver com o médico sobre a alta dela — Enrico disse, mas pedi que ele esperasse.

— Tem mais. O motivo da tentativa de suicídio é a cozinheira, aquela louca supersticiosa, que acha que por ser ruiva ela traz má sorte, isso é ridículo.

Nesse momento, Paola entrou e questionou. Cristine e Pietro eram ruivos e sempre estiveram no orfanato.

— A cozinheira disse para a Julia que ela deveria estar em um prostíbulo, que ruivas são putas e têm sangue sujo, que ela é quem trouxe a má sorte para o lugar.

Ouvir isso fez Paola ficar furiosa, mas ela controlou a expressão.

— Vim avisar que ela está liberada. Levou pontos nos pulsos, mas, sob prescrições médicas, pode ir. Precisa de acompanhamento com psicóloga para evitar novas tentativas — Paola afirmou, e eu assenti completamente arrependida de não buscar ajuda.

— Ótimo, vamos nos preparar. Vou pedir que peguem alguma roupa ali na loja para que você se vista e vamos para casa. Você não será julgada em momento algum e leve o tempo que precisar — Enrico disse, e meu coração aquecia com suas palavras.

Mais populares

Comments

Jeanne Bispo

Jeanne Bispo

Também Amo esse casal e todos os Rossi 💕

2024-12-26

0

Roseli Alves Feitosa

Roseli Alves Feitosa

amo esse casal

2024-11-27

0

Wanessa Brasil Lopes

Wanessa Brasil Lopes

Amo esse casal 😍

2024-11-06

0

Ver todos
Capítulos
Capítulos

Atualizado até capítulo 60

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!