Capítulo 07: Fingindo a Esposa Feliz

Emma correu para abraçar o pai, e sua felicidade era evidente. Minha própria animação estava, no entanto, em um nível abaixo de zero.

— Não vai me dar um beijo, querida? — ele perguntou, sorrindo para mim.

Eu queria socar sua cara, mas como ele ainda não se lembrava de nada, teria que fingir ser a esposa apaixonada.

— Sim — respondi, me aproximando e dando um selinho em seus lábios.

A caminho de casa, vários pensamentos se passavam pela minha cabeça. Eu havia marcado um horário em uma clínica de aborto, sem que Rebeca soubesse. Ela continuava insistindo que eu não podia impedir esse bebê de vir ao mundo, e que, como castigo para Otávio, eu deveria aproveitar o fato de ele não se lembrar de nada e fazê-lo assumir uma criança que não é dele. Essa era uma solução, mas e quanto a mim? E quanto à minha dor? Eu sempre saberia que esse bebê não é de Otávio. Eu carregaria comigo a lembrança da dor que ele me causou.

Após chegarmos em casa, acomodei Otávio no quarto.

— Quer que eu feche as cortinas? — perguntei.

— Não precisa. Eu quero que você deite aqui comigo, querida — ele pediu.

Eu queria mesmo era pegar esse travesseiro e sufocá-lo.

— Eu preciso ir ao cabeleireiro agora, tenho um horário marcado. Foi muito difícil conseguir — inventei uma desculpa para não ter que ficar perto dele e aproveitar para ir até a clínica.

— Tudo bem. Vá lá, então, ficar linda para mim — ele disse. Imbecil. Espero que você não demore a se lembrar das coisas.

— Vou indo, então — falei, me virando para sair, mas ele me chamou:

— Esqueceu do meu beijo — apontou para a boca.

Caminhei até ele, pronta para lhe dar apenas um selinho, o máximo que conseguia suportar, mas ele me agarrou e me beijou, forçando abertura em minha boca para invadir com sua língua. Relutante, permiti. Enquanto ele me beijava, um nó se formou em minha garganta ao imaginar que era assim que ele beijava sua amante.

Interrompi o beijo.

— Preciso ir, não quero me atrasar — disse, me virando. Ele deu um tapa em minha bunda, como sempre fazia. Eu costumava gostar, mas agora tudo o que eu queria era acertar um tapa na cara dele.

Saí do quarto e fui até o quarto da Emma para avisá-la que ia sair.

— Fique atenta ao seu pai. A enfermeira deve chegar logo para cuidar dele, eu não demoro — falei, dando um beijo no topo da cabeça dela.

— Tudo bem, mamãe, pode deixar que eu cuido do papai.

— Tchau, amorzinho — despedi-me.

Já dentro do carro, permiti que as lágrimas caíssem. Eu não entendia onde havia errado. O que eu tinha feito de tão mal para estar passando por toda essa aflição?

Meu coração pesava enquanto esperava minha vez. Eu me sentia horrível, pedindo perdão a esse bebezinho por estar tomando essa decisão. Se fosse em outra situação, jamais faria isso com ele, eu o permitiria vir ao mundo. No fundo, eu sentia amor por esse bebê, eu o queria. Toquei minha barriga, sentindo uma tristeza profunda invadir minha alma.

— Senhora Raquel, o médico a espera — avisou a atendente.

O caminho até o consultório parecia mais longo do que realmente era. Minhas pernas pesavam como se estivessem amarradas a sacos de areia, e meu coração batia tão forte que quase podia ouvi-lo.

Quando entrei, um frio e um medo me tomaram por completo.

— Tem certeza de que é realmente isso que quer? Está fazendo por vontade própria ou sendo forçada? — perguntou o médico. Um turbilhão de emoções me invadiu, e desabei em lágrimas inconsoláveis.

— Tome aqui — disse ele, me entregando um copo d'água. — Fique tranquila. Se você se arrependeu, tem esse direito. Um aborto não é uma decisão fácil de tomar. Se você se sente indecisa, o melhor a fazer é desistir.

Eu apenas balancei a cabeça, concordando, sem conseguir dizer nada.

— Obrigada — sussurrei.

Saí daquela clínica me sentindo horrível. Como eu pude pensar em fazer algo assim?

— Me perdoe, bebê. Não vou mais impedir você de vir ao mundo. Podemos não saber quem é o seu pai, mas você terá uma mãe que te ama, uma irmã maravilhosa, e uma titia e prima babona — falei em voz alta, acariciando minha barriga. Eu sabia que ele não podia ouvir, mas dizer aquelas palavras em voz alta me trouxe um certo alívio.

Volto para casa com uma única certeza: o amor pelos meus filhos e o desejo de proporcionar o melhor para eles. Talvez, por enquanto, seja necessário permanecer ao lado de Otávio, mas sei que isso não será para sempre. Assim que ele recuperar a memória, pedirei o divórcio e seguirei minha vida como mãe solteira, determinada a construir um futuro melhor para mim e para eles.

Um mês depois...

A gravidez continuava sendo um segredo, e esconder esse fato estava se tornando cada vez mais difícil. Minha única esperança era que, antes de completar o terceiro mês, Otávio finalmente recuperasse a maldita memória. Já havíamos feito inúmeros exames, mas nenhum resultado parecia trazer a solução que tanto aguardava.

Estava na sala de espera, sentindo uma emoção que não experimentava há anos. Parecia até a primeira vez que eu estava gerando um bebê. Mil pensamentos invadiram minha mente, mas o único em que eu queria me agarrar era a esperança de que meu bebê estivesse bem.

— Senhora Raquel, o médico está à sua espera — disse a assistente do obstetra.

Entrei na sala, sendo recebido com um sorriso simpático.

— Bom dia, senhora Raquel, como tem passado? — ele disse.

Eu poderia aproveitar para desabafar: contar que minha vida virou de cabeça para baixo, que meu marido me traiu, e que ainda não consegui me livrar dele porque o desgraçado sofreu um acidente e, como ironia do destino, perdeu a memória. E, para completar o quadro, esse bebê aqui na minha barriga é de um homem que eu nem lembrei do rosto, pois estava tão bêbada que não consegui nem me vingar direito do Otávio.

Mas me contive.

— Estou bem — respondo, preferindo a simplicidade. Se eu dissesse tudo o que pensei, ele provavelmente acharia que eu estava louca ou sob algum efeito.

Deitei-me na maca, com o coração batendo forte, tomado pela emoção do momento. Lembranças da gravidez de Emma surgiram, e as lágrimas logo ameaçaram cair. O médico virou a tela para que eu pudesse ver o meu pequeno grão de feijão.

— Aqui está o saco gestacional e, aquele pontinho pequeno, é o seu embrião — explicou ele.

Olhei para a imagem e meu coração transbordou de amor. Quando o som do coração cardíaco encheu a sala, foi impossível conter as lágrimas.

— Que coraçãozinho forte você tem, hein, bebê — murmurei, me sentido aliviada  por saber que ele ou ela estava bem.

Sai do consultório com o coração em paz. Pela primeira vez, após tanto tempo de angústia, eu senti paz, esperança e uma felicidade genuína.

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Comments

Vilma Pereira

Vilma Pereira

Meus Deus, que cínuca ela se envolveu.
Eu acho que o marido dela está fingindo

2025-03-10

1

Onilda Furlan

Onilda Furlan

ninguém vai até o hotel pra ver quem era o cara do quarto?

2025-03-08

1

Bell Belmonte

Bell Belmonte

mas eu nunca deitaria, é ruim hein

2025-03-09

1

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