Cap 04 : Acidente

Ao ter alguém que depende de nós, e cujas decisões podem afetá-la mais do que a nós mesmos, surgem dúvidas diante de escolhas que temos certeza de que queremos tomar. Mas como posso continuar ao lado de um homem que mentiu e me enganou por um ano? Não é justo que eu carregue esse fardo sozinha, nem que eu seja a juíza que dará a sentença final. Ele deveria acabar com tudo; ele deveria tomar a decisão e pedir o divórcio, porque foi ele quem errou, foi ele quem decidiu quebrar a nossa aliança.

 — Raquel? — Ele me chama pela décima vez.

 — Raquel, por favor, precisamos conversar. Abra a porta, em nome desses quinze anos que vivemos juntos, pela nossa filha, vamos conversar? — ele implora do outro lado da porta.

 Abro a porta e olho para ele com tanta raiva que a minha vontade é de estrangulá-lo até a morte.

 — Em nome desses quinze anos que vivemos juntos, pela nossa filha, tenha a decência de pedir o divórcio, já que você ama uma vida de solteiro, seu merda! Você destruiu a gente, idiota! — falo, esmurrando-o.

 — Para com isso, você também tem culpa nisso. Se eu te traí, é porque você deu espaço para isso — ele diz. E isso é a gota d'água para mim.

 — E o que eu devia ter feito? Hein, o que eu podia ter feito para você não me trair? Quer mesmo jogar a culpa do seu erro em mim? Você não vai jogar essa merda para cima de mim, não vai mesmo, e não vai ser assim que vai conseguir me fazer voltar com você. Eu não mereço o que você fez, não mereço todos esses meses lidando com sua cara fechada, com o sexo de vez em quando só para marcar território. Não mereço chorar como chorei todas as noites em que você chegava tarde e nem sequer olhava para mim. Agora saia do meu quarto e me deixe em paz! — digo, empurrando-o para fora.

 — Eu não vou te dar o divórcio, eu não aceito a nossa separação! — ele esbraveja.

 — Vai para o inferno! — digo, mostrando o dedo para ele, e tranco a porta.

 Deitei-me na cama após tomar um calmante. Eu precisava descansar e me desligar de toda essa bagunça. Fico ali tentando me lembrar do que aconteceu na noite anterior, mas tudo não passa de borrões. Pelo menos, lembro-me do rosto dele; talvez tenhamos dado uns amassos e, por estarmos bêbados, não fizemos nada mais. Ouço o barulho do carro de Otávio. Ele deve ter ido contar para a amante como estão as coisas em casa, miserável!

 Acordo com o barulho do toque do meu celular. Com dificuldade, alcanço-o no criado-mudo ao lado da cama. Ainda com os olhos turvos, atendo a chamada.

 — Alô! — digo ao atender.

 — Bom dia! Eu falo com a Raquel? — A voz masculina do outro lado é estranha para mim.

 — Sim, sou eu. Com quem falo ? — pergunto.

 — Senhora Raquel, aqui é o policial Philips. Estou entrando em contato para informar que o senhor Otávio se envolveu em um acidente de carro. Ele foi levado para o hospital Orlando Health, onde está recebendo cuidados médicos. Entendo que essa notícia seja um choque, e quero que saiba que estamos fazendo o possível para ajudar. A senhora está bem? — ele pergunta.

 Estou bem? Estou ótima.

 — Dentro do possível, senhor, agradeço seu contato. Só mais uma pergunta: ele estava com minha amiga, ela ainda estava com ele? — pergunto.

 — Sim, mas fique tranquila, ela está estável.

 — Tudo bem — digo.

 — Se precisar de qualquer tipo de suporte ou mais informações, estou à disposição — ele acrescenta.

 — Obrigada! Estou indo agora mesmo ver meu marido. Tenha um bom dia!

 Desligo o telefone, sento-me na cama e fico processando a notícia. Pensamentos incomuns para quem recebe uma notícia dessas me vêm à mente. Deveria me sentir mal? Mas não me sinto. Sou horrível por isso? Talvez, sim. Mas, honestamente, não sinto nada. Contudo, em nome dos nossos quinze anos juntos e por Emma, vou ao menos fingir.

 Tomo um banho com calma, coloco uma música. Deveria vestir preto? Melhor não. Opto por uma calça jeans, tênis e uma blusa de gola alta, com mangas compridas, na cor vermelha. Tomo meu café, saboreando cada pedacinho da minha panqueca. Saio de casa e vejo alguns vizinhos na rua.

 — Bom dia, senhor Nestor! — cumprimento-o com um sorriso.

 — Bom dia, senhora Raquel! — Ele acena para mim.

 Entro no carro e dirijo sem pressa para o hospital. Durante o trajeto, pensamentos tomam conta da minha mente. Se esse acidente tivesse acontecido dias atrás, eu estaria em prantos, dirigindo feito uma louca por essas avenidas, mas o cenário agora é completamente diferente. Estou pouco me importando com essa situação! A raiva que estou sentindo é maior que a minha empatia. Não me importaria se, ao chegar lá, o médico dissesse que Otávio não resistiu aos ferimentos.

 Ele é um desgraçado! Estava com a amante; os dois safados deviam ter morrido no local do acidente!

 Já no hospital, uma enfermeira me levou até o quarto onde Otávio estava. Ele estava lá, ligado a um monte de aparelhos; o estado dele era crítico. Agora, vendo-o assim, penso na minha pequena, que vai sofrer muito se o vir desse jeito. De repente, me sinto horrível por ter desejado todo mal a ele, porque, se algo ruim acontecer, minha filha vai sofrer. Se esse homem partir, ele vai partir o coração da minha Emma, porque a infelicidade dela é também a minha. Esses pensamentos me fazem chorar, me destroem.

 — A senhora pode entrar, se quiser — diz a enfermeira. Seco minhas lágrimas e balanço a cabeça em concordância.

 Respiro fundo antes de abrir a porta e entro com passos curtos. A sala fria, os sons das máquinas a que ele está ligado... tudo isso só intensifica o drama que estou sentindo por dentro. A enfermeira sai, deixando-me sozinha com ele.

 — Olha só para você... Eu queria que você morresse, não vou mentir. Mas, se você morrer, Otávio, nossa filha vai sofrer demais, e eu não vou suportar isso. Não aguento a ideia de ver a nossa princesa sofrendo. Então, por favor, não morra, não cause esse sofrimento à Emma — digo, na esperança de que ele me escute e lute pela vida.

 Ainda no quarto, ligo para Rebecca e dou a má notícia. Ela se desespera, mas peço que se acalme e traga Emma para casa. Prefiro eu mesma contar sobre o acidente.

 — Mana, sinto muito que esteja passando por isso. Queria estar aí agora para te dar um abraço. Otávio é forte, ele vai sobreviver — ela diz, entre lágrimas.

 — Sim, ele é forte. Te espero aqui. Venha com cuidado, amo você — me despeço.

 Não contei a ela sobre a traição de Otávio, e nem pretendo contar por agora. Parece que o destino ainda quer me manter como esposa de Otávio por mais um tempo.

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Comments

Giorgia

Giorgia

Eles não pedem o divórcio, pq são mesquinhos, covardes, interesseiros e é conveniente ter uma esposa e não assumirem relacionamentos.... Eu sei, sou casada com um a 40 anos, que para não dividir bens, ter status de família, e ser um homem amarrado, vive e viveu essa situação a vida toda... Tentei me separar, mas filhos, pais, amigos, total falta de apoio e covardia, sempre me impediram, até que após um colapso, a uns 15 anos, me ausentei desta realidade, ainda presente. pra mim, mas tanto faz, vivo a vida com um inimigo amigo, vivo pros meus filhos e hoje, netos, não sou esposa. sou governanta da casa, dos negócios, das relações sociais.... A mim, nenhum homem jamais tocará e nada me importa, desde que eu possa me sentir livre de sua intimidade para comigo... Não me sinto mais suja ou usada, sou livre.....

2025-02-26

7

Marly G Vieira

Marly G Vieira

já vi que essa protagonista Istambul não é uma leoa e fraca .vou lê mais um pouco e vê como fica se continuar assim ela se anulando vou parar de lê.

2025-03-01

2

Eliene Lopes

Eliene Lopes

Raquel é linda de mas já o marido é horrível....juta que é macumba kkkkk

2025-04-14

0

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