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...** "Às vezes, o maior desafio não é encontrar respostas, mas suportar o peso das perguntas sem resposta." **A.E ✔️...
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...• Narrado por Liandra Colucci •...
...- Sábado -...
Acordei mais tarde do que o habitual hoje. A casa estava envolta em um silêncio que mais sufocava do que acalmava. Na verdade, parecia que tudo ao meu redor estava grande demais, vazio demais. Um vazio que há tempos tomou conta de mim, e que agora parecia pesar mais, como se estivesse se expandindo a cada dia que passo sem respostas.
Faz uma semana que não ouço nada sobre Mia. Nenhuma mensagem, nenhum sinal de vida. Tento não pensar nisso, mas está cada vez mais difícil. A cada manhã, esse silêncio tem se tornado mais doloroso.
Por que continuo esperando por algo que talvez nunca venha?
Fiquei deitada na cama por alguns minutos, olhando para o teto, a luz do sol filtrando-se pelas cortinas mal fechadas, projetando sombras ondulantes nas paredes. Tudo o que eu queria era desligar minha cabeça, parar de sentir essa ansiedade silenciosa e esse aperto no peito que não vai embora.
Mais um dia. Mais um dia cheio de perguntas para quais apenas uma pessoa tem as respostas.
Finalmente me levanto, arrastando os pés devagar até a cozinha. O cheiro de café fresco enche o ar, mas nem isso me anima. Minha mente está em outro lugar, em outro tempo. O café quente desce pela garganta, mas o gosto amargo parece combinar com o que sinto dentro de mim.
"Mais de uma semana... e nada," murmuro para mim mesma, mexendo o café, os pensamentos flutuando por lugares que eu preferia evitar.
Bárbara apareceu na porta da cozinha. Ela me observa em silêncio, seus olhos pareciam estar tentando decifrar o que eu estava sentindo. Não tenho forças para explicar. Não agora. No entanto, ela sempre soube ler meus silêncios, e isso só torna tudo ainda mais difícil.
— Bom dia, minha menina. Dormiu bem? — Perguntou, com aquele olhar de quem já sabe a resposta.
— Dormir? — Soltei um sorriso sem humor. — Não sei o que é isso ultimamente.
Ela se aproximou, mas não disse nada por um tempo. É como se estivesse esperando que eu desabafasse, mas não posso fazer isso. Não agora. Não com ela.
— Sei que tem algo te incomodando... Você não está bem a dias, não de verdade. — Disse, com a paciência que só alguém que me conhece desde criança pode ter.
Desviei o olhar. Não queria admitir, nem para mim mesma. Não é a ausência de respostas de Mia que está me deixando assim. Não pode ser. Sou mais forte do que isso. Né?
— Não estou incomodada. Só... cansada. — Tomei um gole do café. O amargo preencheu minha boca, combinando perfeitamente com o gosto que essa semana me deixou.
Mas, no fundo, eu sei a verdade. É a ausência de uma resposta que me consome. É o silêncio de Mia que me machuca mais do que eu gostaria de admitir. Tentei seguir em frente, continuar, mas está cada vez mais difícil fingir que não me importo. E pior, a cada dia que passa, me pergunto se ela está se afastando de propósito.
Respirei fundo, forçando um sorriso que não chegou aos olhos. Tentando me convencer de que tudo vai ficar bem, de que ela só precisa de tempo. Mas a verdade é que o tempo está me matando lentamente.
Bárbara suspira, mas não insiste. Ela sabe que forçar as coisas comigo nunca funciona. O silêncio entre nós é interrompido por algo que ela parecia estar guardando para o momento certo.
— Amanda e Carla ligaram. Disseram que vêm amanhã para lhe dar um abraço. — Sorri, tentando suavizar o ambiente.
— Não as vejo há algum tempo. Talvez seja bom. — Concordei, forçando um sorriso. — Vamos almoçar juntos. Avise ao Joe.
— Avisarei. — Ela assentiu, satisfeita. Mas logo sua expressão muda, como se estivesse preparando algo mais delicado para me dizer. — Seu pai também ligou.
A menção dele fez o café na minha boca azedar. Tudo ao meu redor pareceu se fechar por um momento. Meu pai. Essa palavra deveria significar mais do que simplesmente sangue compartilhado. Mas para mim, não passa de um título vazio, uma lembrança de algo que nunca existiu de verdade.
Ele não está presente na minha vida há anos. Não desde que minha mãe morreu. Naquela época, eu ainda tentava. Tentava acreditar que ele estava perdido, que não sabia lidar com a dor. Mas depois que ele se casou novamente, tudo mudou. Ele seguiu em frente. Formou uma nova família. E eu... fui esquecida, como um fantasma vagando por uma casa assombrada.
— Hmm. — murmurei, sem me importar em esconder o desdém.
Bárbara me encarou por um segundo, aquele olhar de reprovação que só ela conseguia me dar sem me fazer sentir mal.
— Não seja assim, ele é seu pai.
— Desculpe, isso era pra significar alguma coisa? — minha voz saiu mais afiada do que o planejado, mas não me importo. Ele não merece meu respeito.
— Menina... — Bárbara me repreendeu com uma firmeza suave, mas eu senti o peso de sua decepção.
— Tá, desculpa. — respirei fundo, tentando controlar a raiva que subia por dentro. — Como ele está? — perguntei, mas apenas para manter as aparências.
— Bem. Disse que aparecerá em breve pra fazer uma visita junto com Alma e Roberta. Não é ótimo?
...Não, não era ótimo. ...
Alma e Roberta. As grandes aquisições da "nova família". A esposa troféu e a enteada perfeita. Um retrato de felicidade que ele decidiu construir, enquanto eu fui deixada de lado. Não consigo sentir nada além de indiferença. Elas são como peças fora de lugar, uma moldura sem o quadro.
— Se você diz... — dei de ombros.
Ela conhece a história. Ela viu de perto o que aconteceu comigo depois que ele partiu. Depois que ele desistiu de nós. Mas ela também tem uma compaixão que eu não consigo ter. Para mim, ele é apenas uma lembrança amarga, uma parte do passado que prefiro manter enterrada.
— Mais alguém ligou? — Mudei de assunto, tentando afastar os fantasmas do passado.
— Caroline. Ela disse que correu tudo bem nas reuniões e que lhe trará um relatório completo depois.
Caroline. Uma distração bem-vinda. Pelo menos com ela, sei o que esperar. Trabalho. Resultados. E, acima de tudo, lealdade. Algo que, ao contrário do meu pai, ela nunca me negou.
Mas ainda não é o que eu esperava ouvir. Não o que meu coração desejava. Forço um sorriso.
— Certo, obrigada.
— O que me lembra de perguntar... — Bárbara me olhou com aqueles olhos que sabem demais.
— Sim?
— Você vai precisar de mim hoje? — Perguntou com um tom gentil, mas cuidadoso, como se já soubesse a resposta.
Levantei o olhar para ela, surpresa pela pergunta. Bárbara raramente tirava folgas sem a minha insistência.
— Porque? — questionei, curiosa.
Ela hesitou por um momento, antes de continuar.
— Eu estava pensando em tirar algumas horas de folga, se você não se importar... — a forma como ela falou, pedindo permissão, fez com que eu franzisse a testa.
— Por favor, pare com isso. Eu não gosto quando fala assim. Sabe que pode sair quando quiser. Você é minha família, não uma empregada. — Fico irritada quando ela me trata com formalidades que não pertencem a nós. E ela sorri daquele jeito carinhoso que sempre me desmonta.
— Eu sei, minha menina. Mas você também é minha família, e é meu dever cuidar de você. Mesmo que agora esteja bem melhor, ainda fico preocupada.
— Eu estou bem. — respondi, tentando convencê-la, e talvez até a mim mesma. — Vai, tire seu tempo. Você merece. Eu vou ficar por aqui mesmo, no máximo vou ao escritório ou assistir TV. Nada de mais.
Bárbara me encarou por mais alguns segundos, como se estivesse avaliando se eu realmente estava bem. Finalmente, ela parece aceitar e concordou com um leve aceno de cabeça.
— Ok, então. Só serão algumas horas, prometo. — Disse ela, com aquele tom que me faz sentir que, mesmo longe, ela sempre estará cuidando de mim.
— Sem pressa, sério. Aproveite seu dia. — Tentei parecer mais convincente. — Eu realmente estarei bem.
— Qualquer coisa, chame a Cíntia. Ela estará na cozinha. — Ela se aproxima, depositando um beijo suave na minha testa. — Amo você, minha menina.
— Também te amo, Bá.
Ela saiu, e o silêncio voltou a tomar conta da casa. Um silêncio que carrega memórias indesejadas e um vazio que, hoje, parecia mais insuportável do que nunca.
E no fundo, enquanto olhava para o café na minha mão, sei que não é só meu pai que me assombrava naquela manhã. É Mia. A falta de notícias dela que está me matando, lenta e silenciosamente.
...• Narrado por Mia Corbell •...
Hoje faz quase uma semana desde aquele dia. Desde o acidente, o quase e as desculpas... Ainda consigo sentir o impacto de tudo o que aconteceu. Cada detalhe, cada palavra não dita, tudo parece preso em algum lugar entre a minha mente e o meu coração. Ainda consigo sentir tudo aquilo pairando no ar, como uma nuvem que nunca se dissipa. A cada segundo que a lembrança daquele momento me encontra, sinto a mesma angústia voltar, como se estivesse presa em um ciclo que não sei como quebrar.
Como foram o passar dos dias? Bom eles passaram arrastados, e o fato dela estar de repouso ajudou a me dar tempo para pensar. Tempo para organizar o que sinto, para entender o que aquele momento e aquela colisão de emoções desencadeou em mim. De certa forma eu não sabia como lidar com tudo — o medo, a culpa, as desculpas... o fato de quase ter dito o que está guardado dentro de mim há tanto tempo.
“Liandra.”
Só de pensar no nome dela, uma avalanche de emoções me atinge. Raiva, confusão, desejo. Tudo misturado, e eu não sei mais o que fazer com isso. Por mais que eu tenha tentado organizar esses sentimentos, é como tentar segurar água entre os dedos. Ela escapa. Sempre escapa.
Ontem, depois de tanto lutar contra esses pensamentos, decidi ligar para Bárbara. Eu precisava conversar com alguém, e sabia que ela entenderia. Sabia que poderia confiar nela. Pedi para que almoçássemos juntas hoje, sem que Liandra soubesse. Ela sempre foi meu ponto de apoio, mas desta vez... desta vez é diferente. Desta vez, sou eu quem precisa descobrir o que sinto antes de lidar com o que aconteceu entre nós.
Eu precisava falar com alguém que entendesse, alguém que conhecesse Liandra tão bem quanto eu. Talvez até melhor em alguns aspectos. Por que, apesar de toda a nossa história, existem partes de Liandra que eu não consigo decifrar. Ela é como um enigma que parece sempre mudar quando eu chego perto de uma solução.
📱— Pode ser só nós duas? — Perguntei ao telefone, a voz soando mais incerta do que queria admitir.
Bárbara, com a serenidade de quem sabe exatamente o que se passa sem precisar de muitas palavras, aceitou sem hesitar.
📱— Claro, querida. — a suavidade em sua voz me deu um pequeno alívio. Sabia que falar com ela era o que eu precisava.
O resto do dia depois da ligação, passou em um ritmo lento, quase insuportável. Minhas mãos estavam inquietas, e minha mente corria em círculos. Agora, enquanto o relógio avança devagar demais para o meu gosto, sinto a ansiedade crescendo. O que vou dizer? Como vou colocar em palavras todo o turbilhão de sentimentos que tenho carregado? Minha cabeça está um caos, e o silêncio que deveria ser uma trégua só amplifica a confusão dentro de mim.
Suspirei, tentando me concentrar no que Bárbara pode me ajudar a entender. Ela sempre soube mais do que deixava transparecer. E talvez, só talvez, ela possa me guiar para fora desse labirinto que criei dentro de mim.
A verdade é que, ao ter Liandra tão perto naquele dia, fez tudo dentro de mim gritar. Era como se cada pedaço do meu ser estivesse implorando para que eu tivesse dito a ela o que realmente sentia. Mas, como sempre, o medo venceu. Medo de ao parar pra ouvi-la descobrisse algo que meu coração não poderia suportar. Medo de destruir o que temos, de perder a única pessoa que verdadeiramente importava para mim. Medo de que, se eu dissesse, ela se afastasse para sempre.
Não posso continuar assim, presa entre o que quero dizer e o que tenho medo de perder. Mas como faço isso? Como coloco em palavras algo que carrego comigo desde sempre, mas que nunca tive coragem de confessar?
Olho pela janela, as árvores balançando ao ritmo de uma brisa suave. Há algo reconfortante em saber que, ao menos por hoje, vou poder falar com alguém que me conhece de verdade. Bárbara sempre esteve lá, desde que éramos crianças. Ela viu tudo — as fases, as brigas, as reconciliações, e o silêncio que se estendeu entre nós por tantos anos. Se alguém pode me ajudar a entender o que estou sentindo, é ela.
Hoje, talvez pela primeira vez, darei um passo em direção à verdade. Não com Liandra, ainda não. Mas com alguém que poderá me guiar pelo caminho, me dar clareza para o que preciso fazer a seguir.
Respiro fundo. Ainda há um nó em meu peito, mas ao menos sei que, daqui a algumas horas, terei uma conversa que pode me ajudar a desfazer, aos poucos, esse emaranhado de emoções.
Hoje, vou tentar descobrir algumas respostas. Sobre Liandra. E, talvez mais importante, sobre mim mesma.
Continua…
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Atualizado até capítulo 48
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