hospedeiro

— Estou bem, posso ir? — pergunto a enfermeira que apenas anota algo em um caderno de capa escura.

— Da última vez que você esteve aqui seu professor relatou sua incompetência com magia, mas hoje, hoje vejo que algo diferente aconteceu. Consigo ver um rastro de magia, um rastro que ainda está quente e está por todo seu corpo.

— Não poderia ser da garota com quem eu estava lutando, ou do professor?

— Impossível. Ambos têm magias diferentes e em colorações também diferentes.

Então isso vejo de mim...?

Olho para minhas mãos confusas e a enfermeira me segura pelos pulsos, avaliando os dois buracos escuros que saem nas palmas de minhas mãos com um caminho aparentemente percorrido pelo interior dos meus braços até alcançar o exterior.

— Isso é seu, e aparentemente seja lá o que você fez, sua magia despertou — ela avalia com cuidado, seus olhos ficando roxos enquanto olha de perto. Nunca vi nada disso antes... É incrível.

— Eu não sei o que é isso, você não sabe o que é isso, como vou controlar então? Como faço pra isso não machucar alguém que se aproxime de mim.

— Não pergunte isso pra mim, pergunte pro seu professor, ele que vai saber. Está dispensada, volte para sua aula e tente não voltar para essa sala hoje. Tenho gente demais para tratar.

Ela sai da sala sem nem olhar para minha cara.

— Ótimo, então lá vamos nós.

Levanto e saio da sala, indo até a sala de aula em que eu estava vendo os últimos momentos de Ayla derrubando um garoto e quebrando um dente dele no soco.

— Oi, Bel! — ela grita entusiasmada enquanto termina de finalizar o seu oponente com um último soco só pra ele desmaiar.

— Demorei muito? — pergunto e ela segura somente a ponta dos meus dedos, aparentemente com medo de se aproximar daquela nova irregularidade em minhas mãos.

— Bastante, já vamos entrar com a última luta.

— E quem será os próximos?

— O Lucian e um pestinha do terceiro ano. Eu tenho é pena. — Ela ri. — Vai ser algo assustador de se ver, não é legal?!

— Muuito... — digo desanimada enquanto vejo os dois se posicionarem na arena improvisada.

Não tem muito o que se ver, não tem muito o que falar, foi brutal. Só o primeiro golpe conseguiu arremessar o garoto para a parede. Só aquilo com certeza deve ter lhe causado algumas costelas quebradas. E ele não parou, dessa vez fomos cercador pela sua magia esmagadora e escura. Os gritos ecoaram pela sala enquanto o coitado era esmagado pela sombra.

Ayla segura minha mão, seus olhos fixos na cena à nossa frente. — Lucian não dá trégua, não é? — ela murmura, mais para si mesma do que para mim.

Sinto um arrepio percorrer minha espinha enquanto observo Lucian, completamente imperturbável, a intensidade da sua magia dominando a arena. É como se ele estivesse em uma dança macabra, cada movimento calculado para infligir o máximo de dor e desespero. A expressão no rosto do adversário é de puro terror, e eu me vejo incapaz de desviar o olhar, hipnotizada pelo poder sombrio de Lucian.

Finalmente, o professor intervém, declarando o fim da luta. O adversário é retirado, inconsciente e gravemente ferido. Lucian simplesmente vira as costas, saindo da arena como se nada tivesse acontecido, como se não tivesse acabado de destruir a vida de alguém.

— Ele é... assustador. — murmuro, tentando entender a frieza com que ele luta.

— É por isso que ele será o rei. — Ayla responde, seus olhos ainda fixos na saída de Lucian. — Ele não mostra misericórdia. Para ele, tudo é uma questão de poder e controle.

Enquanto a multidão se dispersa, Ayla me puxa para um canto mais tranquilo. — E quanto a você? — ela pergunta, seu tom mais sério agora. — Sua magia despertou, você precisa aprender a controlá-la. Não podemos permitir que Lucian veja você como uma ameaça ou uma fraqueza.

— Eu sei. — digo, olhando para as minhas mãos. — Mas por onde eu começo? Nem sei o que isso é, muito menos como controlar.

— Vamos precisar falar com o professor Demétrio, ele saberá te ajudar no começo, o problema é se ele vai querer te ajudar com isso, o que eu acho que não. Aquele homem é osso duro de roer! — ela diz rindo e enquanto isso eu fecho a cara enquanto vejo o "osso duro de roer" se aproximar e escutar tudo que ela está falando.

— Que ótimo saber disso, Ayla — a magia dele envolve ela. — menos 10 pontos pra você.

— Ah, qual foi? Eu ganhei a luta, não vem tirar meus pontos não.

— Será ainda mais que pontos se continuar reclamando ao invés de cumprir seu papel como a pior aluna de ouro que eu sei que você é.

— Eu amo quando me elogiam... — ela enrola o cabelo no dedo.

— Não estou elogiando. — ele diz sério e finalmente vejo Ayla rindo sem graça enquanto anda pra longe de mim.

— Nos vemos depois, Bel. Boa sorte!

— professor, sei que já deve saber, mas preciso de ajuda. Não sei como isso funciona.

— Você tem um hospedeiro. — ele diz como se conseguisse ver.

— Hospedeiro? Como um vírus?

— Pior que um. A sua magia é um hospedeiro. Você realmente não tinha magia uns dias atrás, mas parece que nossa primeira aula trouxe algo a tona.

— Não, não é possível. Você mesmo cancelou meu círculo mágico, eu não deveria... Eu falhei!

— Bom parece que seja lá o que invocou conseguiu agarrar bem em seu corpo e não ao contrário. Foi ele que te escolheu e não você.

— Um demônio do tipo hospedeiro em mim deve ser um forte o bastante para ultrapassar um cancelamento de magia, certo? O que ele é?

— Nao sei, ele é muito rápido, nem minha magia conseguiu acompanhar o momento que ele saiu do seu corpo. A garota ainda está desacordada, temo que talvez não consiga nunca abrir os olhos novamente. Há um veneno poderoso em suas veias e nenhum dos nossos antídotos fazem efeito. Ela vai morrer.

— N-nao, não é possível... E-eu nunca quis isso! Tem que haver algo!

— Não tem nada ! Aceite isso o quanto antes e evitará um peso grande sobre você.

Eu olho para as minhas mãos, enquanto as lágrimas escorrem por minhas bochechas. Eu não quero carregar o sangue de ninguém.

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