#10 - Traição dos Sentidos

...> Manuela <...

Fico tentando reunir coragem para sair do quarto, ainda envergonhada pelo acontecimento de mais cedo. Respiro fundo, forçando-me a enfrentar a situação. Você não pode se esconder aqui para sempre.

Caminho até o banheiro e vejo que Max já limpou a bagunça que deixei. Isso só me faz sentir ainda mais culpada. Já passou da hora do almoço, então sigo para a cozinha, decidida a preparar algo. Tento me distrair com a comida, focando nos cortes precisos e no cheiro dos temperos. Tudo para não pensar nele.

Estou quase terminando quando ouço sua voz atrás de mim.

Max – O cheiro está bom.

Meu coração dá um salto, mas consigo manter a compostura. Viro-me levemente para encará-lo, fingindo naturalidade.

Manuela – Fiz porção para dois. Imaginei que talvez estivesse com fome.

Ele sorri de canto, e algo dentro de mim se revira.

Max – Sim, estou morrendo de fome.

Manuela – Estou quase terminando. Você pode me ajudar pondo a mesa?

Max – É claro. – Ele pega algumas coisas no armário, movendo-se com a naturalidade.

– Fez compras? – pergunta ao notar algumas sacolas.

Manuela – Sim, mas somente o bastante para uma semana. Foram coisas do meu gosto. Caso não goste de...

Max – Não, tudo bem. – Ele me observa atentamente. – Só reparei que você é bastante saudável, comparada à Harper. Isso é bom.

Dou um pequeno sorriso.

Manuela – Pois é, minha mãe me fez prometer que me alimentaria bem.

Max – Posso imaginar. É bem o estilo dela. – Ele diz, pegando os pratos e talheres.

Respiro fundo e, antes que ele deixe a cozinha, chamo por seu nome.

Manuela – Max!

Ele para imediatamente, me encarando.

– Eu queria conversar com você sobre...

Antes que eu consiga concluir, ele abre um sorriso divertido.

Max – Está tudo bem, não conto para ninguém o que você viu. – Ele pisca para mim, e meu rosto pega fogo instantaneamente.

Manuela – Não... eu... Não ia falar disso. – gaguejo, me odiando por isso.

Ele ri baixo, claramente se divertindo com o meu embaraço.

Max – Então o que você ia dizer?

Respiro fundo, tentando recuperar a compostura.

Manuela – Conversei com Harper e...

Antes que eu possa continuar, ele me corta.

Max – Olha, não é porque voltei que você tem que ir. Ainda mais porque não pretendo ficar por muito tempo.

Se ele soubesse o quanto suas palavras me afetam... Mas mantenho a expressão neutra.

Manuela – Agradeço muito a sua generosidade e a dela. Mas, a partir do momento em que eu estiver incomodando, você pode falar. Tudo que pedirei é um tempo para encontrar um lugar dentro do meu orçamento atual. – faço uma pausa, escolhendo bem minhas palavras. – Farei o possível para que possamos nos dar bem e... sinta-se à vontade para trazer...

Minha voz falha. Não sei por que esse assunto me incomoda tanto.

– Bom, caso queira trazer alguém. A casa é sua, e a única intrusa aqui sou eu.

Max me encara por um instante antes de murmurar um simples "Ok." O tom evasivo me incomoda, mas não insisto.

Terminamos de organizar tudo e, finalmente, nos sentamos para almoçar.

O silêncio entre nós é carregado. Nenhum dos dois parece saber o que dizer, mas o que mais me atormenta é a imagem do corpo dele que insiste em invadir minha mente.

Foco, Manuela.

Desvio o olhar para o prato, tentando ignorar a lembrança. Você tem namorado. Raphael. Esse é o nome dele. Então, lembre-se disso.

Mantenha distância.

Manuela – Certo, é isso que farei. – murmuro para mim mesma, mas percebo tarde demais que falei em voz alta.

Max me encara, confuso.

Max – Como?

Corro para disfarçar.

Manuela – Nada, só pensei alto demais. – Forço um sorriso. – Estava pensando sobre o trabalho amanhã, nada demais.

Ele assente.

Max – Ah, sim. Harper comentou algo sobre isso.

Manuela – Sim, vou iniciar na Prince Publishing. É uma das melhores editoras do país.

Max – Fico feliz por você. Tenho certeza de que vai mandar muito bem.

Sorrio genuinamente.

Manuela – Obrigada.

O silêncio retorna, até que Max finalmente quebra o clima.

Max – Eu gostaria de me desculpar com você. Sei que éramos amigos, mas acabei me afastando sem dar qualquer tipo de explicação.

Meu peito aperta.

Manuela – Está tudo bem. Imagino que correr atrás dos seus sonhos tenha tomado muito do seu tempo.

Max – É... – Ele responde, evasivo.

Manuela – Fico feliz que tenha conseguido. De verdade, estou muito feliz por você.

Ele me encara por longos segundos antes de dizer:

Max – Obrigado. Significa muito, vindo de você. – Ele hesita. – Espero que possamos voltar a ser amigos.

Acabo me engasgando com a comida.

Max reage instantaneamente, levantando-se para me ajudar.

Manuela – Eu... estou... bem. – Tento falar.

Ele me entrega um copo d’água, e depois de alguns minutos, volto ao normal.

– Obrigada.

Max – Então, o que me diz?

Mesmo relutante, acabo concordando.

O almoço segue tranquilamente, e Max assume o papel de puxar conversa. Aos poucos, me solto, e sem perceber, voltamos ao que éramos antes.

Ele me conta sobre suas viagens, seu trabalho e sobre seu pseudônimo.

Manuela – Por que Romeu Stewart?

Ele sorri, quase nostálgico.

Max – Por causa de ‘Romeu e Julieta’. Era um dos livros que eu mais te via ler. Então, peguei o nome do personagem e juntei com o sobrenome de um artista que admiro.

Meu coração se acelera. Não sei o que dizer.

– Você foi minha principal inspiração. Graças a você, voltei a pintar. Então, achei que era mais do que justo usar algo que me lembrasse disso... que me lembrasse de uma das pessoas mais importantes da minha vida.

As palavras dele me atingem como um golpe. Meus olhos se enchem de lágrimas, e antes que possa me conter, me levanto e o abraço.

Manuela – Você também foi muito importante para mim.

Minha voz sai embargada, e me afasto um pouco, sorrindo entre as lágrimas que deslizam pelo meu rosto sem que eu consiga conter. Max, no entanto, não se move. Apenas me observa, seus olhos fixos nos meus, intensos, como se tentassem decifrar algo que eu mesma ainda não compreendo completamente.

Então, ele leva as mãos ao meu rosto, seus dedos quentes e firmes traçando um caminho suave contra minha pele úmida. Seu toque faz meu coração disparar, e, por um instante, me perco naquele olhar. O que ele está pensando? O que se passa por trás desses olhos que sempre foram um mistério para mim? Daria tudo para saber.

E então, a verdade me atinge com a força de um choque elétrico.

Eu ainda o amo.

Me odeio profundamente por perceber isso agora. Me odeio por deixar que essa emoção tome conta de mim, mesmo sabendo que não deveria sentir isso. Mas não posso negar.

Droga.

Meu amor por Max sempre foi diferente do que sinto por Raphael. É algo impossível de explicar com palavras. Um amor que sempre esteve aqui, adormecido, à espera de qualquer faísca para reacender. E agora, está queimando dentro de mim.

E o que faço a seguir, me faz me odiar ainda mais.

Max me beija.

Seus lábios tocam os meus de forma intensa e hesitante ao mesmo tempo, como se ele próprio estivesse lutando contra isso. Mas não há resistência em mim. Nenhuma.

Porque, assim que sinto seu gosto, seu calor, a forma como seus dedos apertam de leve meu rosto, meu corpo se entrega completamente. Meus braços encontram o caminho até seu pescoço, meus dedos se entrelaçam em seu cabelo. Eu o beijo de volta.

Por mais que miNha mente grite que isso é errado.

Por mais que eu saiba que Raphael não merece isso.

Eu não consigo parar.

E Max tampouco.

O beijo aprofunda-se lentamente, e, quando percebo, já estamos totalmente entregues. O tempo parece desacelerar ao nosso redor, e o único som que existe é o da nossa respiração entrecortada. Há um desespero silencioso no modo como nossas bocas se encaixam, como se ambos soubéssemos que isso não deveria estar acontecendo, mas, ao mesmo tempo, não conseguíssemos evitar.

O beijo se prolonga, profundo, intenso.

Quando finalmente Max se afasta, ele está ofegante. Seus olhos estão cheios de conflito.

Max – Me perdoa, eu... – Ele leva a mão à cabeça, visivelmente frustrado.

O peso do que acabou de acontecer parece esmagá-lo, tanto quanto a mim. Sua respiração está acelerada, e seus olhos percorrem meu rosto como se buscassem uma explicação para algo que nem eu mesma consigo entender.

– Eu não devia ter feito isso, você... – Ele hesita antes de completar. – Você tem namorado.

As palavras caem sobre mim como um balde de água fria. Raphael. Ele surge em minha mente no mesmo instante, e a culpa me atinge com força. Ele não merece isso.

Mas eu sabia. Desde o momento em que correspondi ao beijo, eu sabia. Ainda assim, não consegui parar.

Meu peito aperta, minha garganta seca. Tento dizer algo, mas me faltam palavras para descrever o turbilhão de emoções que me atravessa.

Manuela – Você está certo, eu... – Respiro fundo, tentando organizar meus pensamentos, mas tudo parece um caos dentro de mim.

O gosto do beijo ainda está em meus lábios, a lembrança do toque de Max ainda pulsa em minha pele. Me odeio por isso.

– Isso foi errado. Muito errado. – É tudo que consigo dizer, e minha voz sai mais fraca do que eu gostaria.

Max me encara por um longo momento, sua expressão carregada de algo que não consigo decifrar completamente. Arrependimento? Tristeza? Frustração? Talvez um pouco de tudo.

Max – Te prometo que isso não vai se repetir nunca mais. Você não precisa se preocupar com isso.

Há firmeza em suas palavras, mas seus olhos contam outra história. Ele está tentando me convencer – talvez mais a si mesmo do que a mim.

Eu deveria sentir alívio. Eu deveria querer que isso não acontecesse novamente. Mas, por algum motivo, a ideia de que nunca mais sentirei seus lábios nos meus me atinge com uma dor inesperada.

Engulo em seco e forço um sorriso tenso.

Manuela – Está tudo bem.

Mentira. Nada está bem.

O silêncio que se segue é insuportável. O constrangimento me envolve como um peso sufocante, e tudo o que quero é sair dali o mais rápido possível.

Olho para os pratos sobre a mesa, buscando qualquer desculpa para desviar do momento.

– Eu vou lavar...

Max – Não, pode deixar comigo.

Ele diz de imediato, e seu tom não deixa espaço para discussão. Concordo sem insistir, porque a verdade é que eu só quero fugir dali.

Dou um passo para trás, minha mente trabalhando desesperadamente em busca de uma justificativa para sair sem parecer tão óbvia.

Manuela – Eu... – Minha voz falha por um instante. – Preciso terminar de arrumar algumas coisas.

Ele assente, sem me questionar. E antes que a culpa me engula por completo, eu simplesmente viro as costas e caminho até meu quarto.

Longe dele.

Longe do que acabei de sentir.

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