Minha Bea

— Ei, Bea — escuto alguém chamar do lado de fora e eu abro a janela, vendo que Gabi já está me esperando com uma mochila gigante nas costas — Eae, garota! Desce aí, precisamos ir rápido ou vamos encontrar idiotas na rua infernizando todo mundo.

— Tô indo! — pego a minha bolsa com o travesseiro e a colcha pra me embrulhar na hora de dormir.

O casaco eu já estou usando pois quanto mais parece anoitecer, mais frio faz, e eu definitivamente odeio coisas frias demais, sempre acabo ficando doente com frequência. Coloquei na bolsa um remédio antiinflamatório para o machucado na minha bunda, ele ainda não cicatrizou, mas não está sangrando mais, o que é bom apesar da área ainda estar bem inchada e vermelha.

Fecho as portas com chaves após ter certeza de preparar a janta para mamãe quando chegar do trabalho e claro, colar na geladeira que eu saí e estou bem e em segurança. Tentei falar com ela no celular, mas não me respondeu.

Espero que ela esteja bem. Fiquei preocupado pela falta de resposta, mas para esquecer as sensações ruins da ansiedade preferi sair.

— Você está fofa com esse casaco. Ele te deixa mais abraçavel do que já parece normalmente — ela diz sorrindo enquanto caminha na frente.

— Estou parecendo mais gorda? — a insegurança bate e ela vira a cabeça na minha direção com uma expressão esquisita.

— Bea, você tem insegurança com seu corpo? — abaixo a cabeça com a pergunta, é realmente um assunto que me incomoda. Eu realmente gostaria de ter uma barriga chapada e não cheia de gordura e uma cintura fina ao invés de larga, peitos um pouco mais pequenos, porque esses me dão muita dor nas costas, e coxas não tão grossas. Não me parece bom, não parece encaixar em mim.

Gabi suspira profundamente, voltando a olhar para frente enquanto caminha pela trilha pelo meio das árvores.

— As pessoas sempre vão desejar alguma coisa mesmo tendo do melhor. Se é magra demais é um problema, se é gorda demais é problema, se tem melanina demais é um problema. Você não precisa seguir os padrões, Bea. Você é linda do seu jeito.

— Eu gostaria de ser um padrão... — murmuro aumentando a velocidade dos meus passos atrás dela — Desde o dia que cheguei na cidade as pessoas olham para mim como se eu fosse um bicho...

— Não ligue para eles, são todos idiotas. Eu não sou perfeita também, tenho muitas manchas no corpo por causa de um incêndio — Sinto curiosidade, mas não pergunto por respeito — Fiquei presa no teto em chamas que desabou, meu corpo inteiro queimou, apenas meu rosto ficou livre de cicatrizes, então desde então uso roupas que cobrem todo o resto. Tenho que olhar no espelho todas as noites e ver que cada parte da minha pele é horrível e que nenhum homem tocaria em mim, e não importa quantos produtos eu compre elas não somem, estão eternizadas na minha pele e alma. Um dia assombroso que atormenta todos os meus sonhos.

— Sinto Mui- — meu pé desliza e eu quase caí por uma ladeira de terra ao lado da trilha. Gabi agarra meu braço com força e me puxa para cima enquanto eu grito e espero o pior.

— Não precisa sentir — ela olha para meu pé — Machucou?

— Não sei... — tento andar, mas uma dor latejante em meu tornozelo me faz gemer de dor e me apoiar em uma árvore — Acho melhor voltar para casa.

— Não dá mais... — ela nega enquanto me ajuda a andar, me apoiando em seu ombro — Está tarde, a rua deve estar lotada agora.

Estou preocupada com mamãe.

— Vou te levar até o local de encontro, não está tão longe daqui, mas é em uma região mais afastada para que não fossemos vistos com facilidade por ninguém. Quando chegarmos lá dou uma olhada no seu pé.

Ela me carrega por um tempo. sinto todo meu pé pesado, está latejando e dolorido. Depois de mais alguns minutos estamos finalmente no lugar do encontro. Tem muita gente aqui e todos brincam e se divertem.

Inclusive, foram todos muito bons comigo, não olharam para mim com estranheza, nojo ou algo do tipo desagradável. Eles me serviram carne e bebidas e foram bem receptivos.

— Montei a barraca dela como pediu — um cara se aproxima de Gabi — Chamou a garota de última hora então tive que montar às pressas — ele bufa — faça o que me prometeu.

— Mike, não seja chato — ela abraça ele pelo pescoço — você já foi melhor que isso.

— Gabi... — ele tenta beijar ela, mas ela se afasta dele na hora enquanto sorri atrevida para ela.

— Te vejo depois, Mike — ele suspira derrotado e se afasta de nós. Gabi senta ao meu lado com uma carinha de gente apaixonada, eu não pude contar o riso.

— Ele parece gostar de você — falo enquanto coloco mais um pedaço do espetinho na boca, gemendo de prazer quando o sabor da carne explode na minha boca.

— Mike só gosta de se divertir com as garotas, ele não ficaria comigo — ela murmura de forma tímida.

— Eu conheço aquele olhar, e ele tá gostando sim de você.

— Não seja boba. Sua barraca é aquela, quando estiver cansada pode ir dormir lá.

— tudo bem, obrigada.

— Como está seu pé?

— bem melhor agora, estava bem mais dolorido antes. Felizmente encontrei uma boa médica para me ajudar — brinco e ela bate o ombro no meu rindo.

— Eu que te trouxe até aqui. Acho que seria meio injusto se eu não cuidasse do seu pé quando eu não avisei que poderia cair.

— Obrigada de novo... Sabe, por me segurar e não me deixar cair.

— Não precisa agradecer.

Conversamos por mais um tempo, até o sono bater e cada um ir para sua barraca. Coloco o travesseiro e a colcha no chão e deito confortavelmente, quase como se fosse uma cama de verdade.

Eu apenas relaxei e deixei fluir. Acho que eu estava precisando passar o tempo assim, conversando e me divertindo com pessoas legais.

Quando estou já pegando no sono escuto o barulho da barraca abrindo, e eu vejo no escuro aqueles olhos amarelos do lado de fora, olhando para mim enquanto faz um gesto para que eu fique em silêncio.

E ele entra, fechando a barraca e me prendendo em sua presença maluca novamente enquanto o desespero bate e meu coração acelera. A noite não poderia acabar pior.

— Boa noite, minha Bea.

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