Pagar

— Mãe? — Chamo por ela assim que acordo, mas novamente não está em casa, e a comida está pronta na mesa.

Verifico mais uma vez o corte na minha bunda; qualquer movimento bobo fazia-o sangrar novamente. Coloquei um curativo grande e bem úmido com remédio para evitar qualquer infecção, mas a área ao redor está bem vermelha, sinal de que o que tanto quero evitar já está acontecendo.

Quero esquecer o que aconteceu na noite passada, esquecer todas aquelas coisas que fiz depois daquilo acontecer comigo. Fingir que não fiquei realmente excitada depois de sentir a dor, depois de ouvir a droga daquela voz em meu ouvido, depois de me escorrer pelos dedos dele como uma vagabunda.

Suspiro e me sento na cadeira bem devagar, um incômodo latejante se inicia, mas tento ignorar e continuar a comer, já que precisaria de forças para falar com a polícia em breve. Não sei quem foi o maníaco que entrou no meu quarto, mas sei que o que ele fez foi um crime, e não deixarei isso passar.

Termino de comer e então saio mais uma vez de casa, indo direto para a delegacia, a pé mesmo. Não é tão longe, mas também não é tão perto, e literalmente odeio caminhar até lá. Aquela gente me olha torto como se eu fosse algo de outro planeta.

Foi apenas ao me aproximar da delegacia que sinto meu corpo arrepiar e olho para todos os lados tentando ver o que era aquilo. Não vejo nada e continuo andando até sentir que pisei em algo. Meus olhos arregalam e meu coração quase sai pela boca.

Um pássaro morto, sua barriga aberta e um envelope manchado de sangue em seu meio. Me abaixo e pego.

"Se eu fosse você, eu não faria isso."

O papel amassado e manchado de sangue que sustento na mão parece pulsar com um aviso macabro, enquanto minhas mãos tremem involuntariamente. A mensagem curta, porém perturbadora, ecoa em minha mente, ecoando o medo que já se insinuava em cada canto escuro do meu ser.

Um arrepio percorre minha espinha enquanto me forço a engolir o nó que se forma em minha garganta. Quem quer que tenha deixado esse aviso macabro está tentando me assustar, me fazer desistir de buscar justiça pelo que aconteceu comigo.

Mas não vou permitir que o medo me domine. Com o envelope ainda em mãos, entro na delegacia com determinação, deixando que minha determinação sobrepuje o medo que ameaça me paralisar.

O olhar de desconfiança dos policiais ao redor me faz sentir como se estivesse em julgamento, como se minha presença ali fosse suspeita por si só. Mas ignoro os olhares e me aproximo do balcão de atendimento, decidida a relatar o que aconteceu.

— Preciso falar com alguém sobre um incidente que ocorreu na minha casa ontem à noite — digo com firmeza, minha voz tremendo ligeiramente.

O policial atrás do balcão me lança um olhar de desinteresse antes de finalmente se endireitar em sua cadeira.

— Nome e sobrenome? — Ele pergunta, pegando uma caneta e um bloco de anotações.

— Beatriz Fernandes. — Respondo, mantendo a compostura mesmo diante da hostilidade do policial.

— Motivo para estar aqui? — Ele pergunta, pegando uma caneta e um bloco de anotações.

— Uma denúncia sobre invasão de propriedade e assédio... — Ele sobe os olhos do papel e me encara com um sorriso cínico.

— Assédio contra você? — Sua voz é cortante, e sua expressão mostra claramente seu desprezo.

— Algum problema em ser eu? — Retruco, firmando meu olhar no dele, desafiando-o a me menosprezar.

— Só acho que nenhum homem seria louco o suficiente para gostar de uma coisa como você. Não deveria vir até a delegacia para contar uma mentira descarada dessa, deveria estar mais preocupada em limpar um chão. — Sua resposta é carregada de desprezo, e eu sinto a raiva borbulhar dentro de mim.

Respiro fundo, tentando controlar minhas emoções. Não posso deixar que esse policial me intimide ou me faça desistir. Estou determinada a buscar justiça pelo que aconteceu comigo, não importa o que ele pense ou diga.

— Com licença, mas eu exijo ser tratada com respeito. Tenho direitos e estou aqui para relatar um crime que aconteceu comigo. Se não está disposto a ajudar, peço que me encaminhe para alguém que possa.

— Volte para casa garota — um policial aparece — Estamos cheios de casos que realmente são importantes.

Desanimada, mas não derrotada, volto para casa, resignada diante da falta de apoio que encontrei na delegacia. Cada passo parece mais pesado do que o anterior, carregando o peso da frustração e da injustiça que pairam sobre mim.

Ao entrar em casa, sou recebida pelo silêncio vazio que ecoa pelas paredes, uma lembrança dolorosa da solidão que se tornou minha companheira constante desde o incidente. As sombras dançam ao redor, criando uma atmosfera sombria que condiz com o turbilhão de emoções que se agita dentro de mim.

Despejo-me das camadas de coragem e determinação que vesti ao sair de casa, deixando-me à mercê da tristeza e da impotência que ameaçam me consumir. Meu coração pesa como chumbo em meu peito, e lágrimas amargas escorrem pelo meu rosto enquanto me permito sucumbir ao desespero que me envolve.

Afundo-me na solidão de meu quarto, onde as paredes silenciosas testemunham minha angústia e minha dor. Não há consolo para minha alma aflita, nem palavras que possam aliviar o fardo que carrego. Sinto-me pequena e indefesa diante da injustiça que enfrento, uma vítima esquecida em um mundo que se recusa a ouvir meu grito de socorro somente por ser negra.

Entrego-me ao sono agitado que me envolve como um manto sombrio, mergulhando em um abismo de pesadelos onde não há escape. Na escuridão da noite, perco-me em um labirinto de medo e desespero, enquanto o eco de minha solidão ressoa nas paredes vazias de meu quarto, uma triste melodia que acompanha minha jornada solitária em busca de justiça desde o dia que eu nasci.

Sendo engolida pela escuridão do sono sinto o meu corpo sendo agarrado e aquecido, uma voz suave chegando aos meus ouvidos e acalmando o meu coração.

" Se alguém te machucar eles vão pagar, se te fizerem chorar vão morrer, e se te humilharem eles desejarão a morte mais rápida das suas vidas, mas eu os afogarei em seu próprio sangue, em desespero, em um pedido de socorro que ninguém nunca escutará."

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Comments

Ana Regina Fernandes Raposo

Ana Regina Fernandes Raposo

ACHO QUE E O IRMÃO SENSATO, ASSIM ESPERO.

2024-12-05

1

Julia Santos

Julia Santos

eu nao entendi foi nada
que doideira hein sem sentido
sem explicaçao de muita coisas

2024-10-06

0

Mellika Duarte

Mellika Duarte

deve ser Ares

2024-07-09

1

Ver todos

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