Algo errado

— Acho que é um bom lugar para um começo em um lugar novo — mamãe fala enquanto carrega as caixas para dentro da casa simples e com aparência abandonada.

— É, talvez... — coloco a caixa no chão assim que entramos na sala — Impressionante que tenha comprado a casa com 6 cômodos por um valor tão baixo e ainda estar com alguns móveis — Puxo a capa que cobre o sofá, fazendo a poeira subir e eu espirrar consequentemente sem parar como uma maluca.

Eu nunca tive problemas com alergias, mas se eu entrar em qualquer lugar empoeirado eu vou espirrar, cheiro de fumaça também me faz espirrar, faz eu me sentir mal e cansada.

— O dono parecia querer ir embora da cidade o quanto antes. Ele disse que a casa lembrava sua falecida esposa e a cidade lhe lembrava coisas ruins.

— Coisas ruins? — pergunto curiosa.

— Ele não disse Beatriz, e também não é da minha conta. Já foi um enorme favor me vender essa casa por um preço bom, não, maravilhoso. Não me intrometo na vida das pessoas.

— Não é curiosidade, é precaução. Se por acaso tiver um pé grande escondido nessa floresta eu quero ser a primeira a estar longe daqui.

— Pé grande nem existe — ela cruza os braços e me encara com desdém.

— Você não conseguir ver não quer dizer que não exista — sorrio, continuando a tirar os panos de todos os móveis.

Tive que varrer e passar pano no chão. Parecia acabado, velho e cada passo que dávamos fazia um barulho naquela madeira velha. Parecia que a qualquer momento a madeira iria quebrar e eu literalmente detestava aquele barulho.

— Já são 8 horas, mãe, vamos mesmo passar a noite toda limpando ? — pergunto sentindo meus braços doerem enquanto seguro a vassoura.

— Já acabamos — ela limpa a testa com uma toalha de rosto — Só está faltando preparar algo para- Droga!

Ela resmunga começando a arrumar o cabelo e a roupa.

— O que foi?

— Não fiz as compras no mercado. Não vou deixar você passar a noite com a barriga vazia — Ela coloca a sandália no pé e anda em direção a porta.

— Mãe, já é 8 da noite, a rua está vazia e escura. E eu já comi, lembra??? — sigo ela por todo caminho e ela se vira pra mim respirando fundo.

— E o que você comeu, Bea?

— huuum... Suco?

— Suco não enche barriga — ela se virou, abrindo a porta e saindo.

— Mãe!

— Apenas tranque a porta e me espere! Você não é mais criança e já sabe que não deve abrir a porta pra qualquer pessoa que bater.

Sim, mãe. Eu já sei...

Fecho a porta e respiro fundo, passando meus olhos pela casa. Subo as escadas e vou até o quarto, onde já deixei algumas coisas guardadas em uma cômoda.

Pego a foto do papai que está em cima da mesa de canto, alisando seu rosto, sentindo meu peito apertar.

— Sinto tanto sua falta...

Ele podia não ter o melhor dos empregos, mas era o melhor dos pais para mim. Me dando sempre o que eu pedia e me ensinando tudo que eu precisava do jeito dele. Foi um grande homem e um grande pai, mas foi uma pena que ele tenha morrido em um acidente de carro após um bêbado passar o sinal vermelho.

O desgraçado ainda saiu vivo, pagou a fiança e foi embora. Isso é tão injusto...

As minhas lágrimas pingam contra a foto dele, e eu a abraço com força, sentindo o meu luto retornar com tudo e ainda pior.

Foi por ter perdido ele que precisei morar com mamãe. Eu tinha 15 anos na época e agora tenho 18. Os anos passaram, mas a dor não parou, ela continua aqui dentro, me lembrando todos os dias que ele não está mais comigo.

Todos acham que um dia o luto acaba, estão enganados. O luto e a dor não acabam, apenas aprendemos a conviver com a dor todos os dias e a aturamos diariamente da forma que podemos e da forma que dar.

Deixo a foto dele no lugar e ando até o banheiro para tomar um banho. Tiro toda a roupa suja de poeira e me lavo calmamente na água do chuveiro que está morna, relaxando cada músculo dolorido da viagem.

Com toda certeza minha bunda vai ficar doendo amanhã de tanto tempo que fiquei sentada no carro.

Um arrepio sobe por minha nuca. Me viro lentamente em direção a porta do banheiro aberta, mas não há nada lá. Meu coração dispara.

Pego a toalha para me enrolar e ando para fora em passos hesitantes. Tem algo muito errado aqui. A foto de papai está caída na mesa de canto quando eu lembro claramente de ter deixado ela em pé.

Ajeito ela e então o som ensurdecedor de vidro rachando ecoa pelo quarto. Me viro em um susto para a janela onde agora tem 3 marcas retas. Posso ver olhos amarelos brilhando através da janela. Me aproximo correndo para trancar a janela do animal, mas ele não se afasta, não parece nem estar com medo.

De um lado está meu reflexo e no outro está a imagem da coisa. Eu paraliso olhando quando minha cabeça raciocina e chega em uma possibilidade que me faz engolir em seco.

E se for o reflexo de algo que está atrás de mim?

Arregalo os olhos, sentindo meu coração acelerar ainda mais, meu corpo criando forças para se mover e correr ou fazer alguma coisa.

— Só posso estar ficando maluca... — sussurro fechando os olhos.

Aquela brisa em minha orelha, e não é aquela brisa fria. Eu adoraria que fosse na verdade. É aquela brisa quente, a respiração de alguém, em meu pescoço, me olhando pelo reflexo da janela,

Meu Deus, meus Deus, meu deus!

— Filha?

— AAAAAH!

— BEA, O QUE FOI?!

Eu arregalo os olhos, vendo que ele não está mais lá além de mamãe na porta me olhando enquanto segura o molho de chave como se fosse jogar em alguém.

— Tinha, tinha...

— O quê?

— Achei que tinha visto algo na janela — engulo em seco.

O suor escorre pela minha testa e olha que eu acabei de tomar banho... Meu Deus, acho que minha pressão caiu. Sento na cama.

— Tem uma floresta atrás da nossa casa, é normal que veja os animais dessa região, Bea — ela me olha como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

— Olha o que aquele animal fez na janela! — aponto e ela se aproxima pra analisar — Eu juro que nunca vou perdoar a senhora se um dia abrir essa janela e alguma coisa entrar no meu quarto.

— Tudo bem — ela levanta as mãos em rendição — Vou preparar a janta e se não descer te arrasto pelos cabelos — ela sai do quarto, fechando a porta.

Meu coração ainda tá acelerado e eu olho uma segunda vez pra janela, verificando se realmente não tem nada. E para a minha felicidade realmente não tem mais nenhuma coisa lá, mas o que me deixa aflita é que eu havia visto aquilo, e com certeza não é coisa da minha cabeça.

— Que porra é aquela?!

...CASA...

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Comments

Marfisa Torres Ferreira

Marfisa Torres Ferreira

gente do céu,! até eu me assustei kkkkk

2024-04-06

11

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