Capítulo 5

Naquele mundo onde as regras pareciam mais doidas que o gato de Alice no Pais das Maravilhas, Lana se viu no epicentro de uma transformação botânica e metamorfose cósmica. 

"Que diabo de jogo é esse?", ela ponderou, enquanto se via transformada de uma modesta planta para uma criaturinha azulada, redonda como uma bola de canhão, com olhos grandes e purpuras, como se estivesse constantemente surpresa com sua própria existência.

E ali, diante dessa surrealidade digna de um roteiro bizarro de filme, ela encarou o homem com um misto de perplexidade e indignação, enquanto ele, com seu sorriso travesso, parecia se deleitar com o espetáculo de sua metamorfose improvável. Era como se estivesse assistindo a um esquete tragicômico no teatro da vida, onde o protagonista era uma planta que decidiu viver a aventura de ser uma bola azul.

...

...

— Não tem graça, por que diabos eu virei isso? — indagou Lana, num misto de confusão e resignação.

O homem coçou a cabeça, tentando encontrar uma explicação convincente para a estranha metamorfose. 

— Não faço a mínima ideia! Mas olhe pelo lado bom, agora você pode se locomover por conta própria, sem depender de vasos ou regadores! 

Lana fitou mais uma vez sua imagem refletida na superfície serena do lago. Era inegável que sua nova forma tinha um charme peculiar, com seus olhos purpúreos brilhando sob a luz do sol dançante. No entanto, apesar da adorabilidade evidente, ela ainda não conseguia decifrar as regras desse estranho jogo, muito menos encontrar a tecla para desconectar.

E assim, entre existência e a confusão persistente sobre seu propósito naquele jogo absurdo, Lana permanecia como uma peça perdida num tabuleiro de enigmas e surpresas.

— Como vou conquistar alguém com essa forma? — Lana murmurava para si mesma, desanimada com as possibilidades românticas de sua nova aparência.

O homem, aproximando-se dela, sorriu de maneira cativante. — Você já me conquistou! — disse ele com convicção.

Lana revirou os olhos, um misto de frustração e curiosidade. — Mas você não conta. Nem sei como saiu daqui! — respondeu, apontando para o próprio corpo azulado e esférico.

— Você conseguirá sair daqui quando seu corpo estiver totalmente formado! Para isso precisa comer muito. — explicou o homem com um tom de esperança.

— Se o jeito é esse, me leve para um lugar com um monte daquelas frutas! — Lana solicitou, erguendo os braços em direção ao homem, indicando que queria ser carregada.

— O que você está fazendo? — perguntou ele, surpreso.

— Vamos, me carregue! Minhas pernas são muito curtas, se eu tropeçar, sairei rolando sem parar. —  explicou Lana, com uma pitada de humor, consciente das limitações impostas por sua forma peculiar.

O homem sorriu e concordou em carregar Lana nos braços. Juntos, adentraram a vasta floresta, onde uma miríade de frutas exóticas se destacava entre as folhagens. Embora de aparência peculiar, Lana logo descobriu que aquelas frutas tinham um sabor divino, uma explosão de doçura e frescor em cada mordida. E o mais curioso era que, mesmo na sua forma atual, Lana ainda não precisava comê-las da maneira convencional, como se a essência da fruta se fundisse com sua própria energia vital, assimilando-a de forma natural, como quando ainda era uma simples planta.

Enquanto o homem seguia entre as árvores, Lana observava maravilhada a diversidade da floresta, sentindo-se grata por estar experimentando esse novo mundo através de uma perspectiva tão singular. E assim, entre risadas e conversas descontraídas, continuaram sua jornada em busca das frutas que seriam a chave para a próxima fase de sua transformação.

— Já que estou me 'alimentando' tanto, por que não continua a história? — Lana propôs, enquanto tocava uma planta de aspecto sombrio.

— É verdade, eu prometi. Então onde paramos? — perguntou o homem, olhando para Lana com curiosidade enquanto continuavam a caminhar pela floresta.

—  Você parou na parte que estava preso em algum lugar!

— Ah, sim, lembro-me agora! — exclamou o homem, enquanto sua mente se iluminava com a recordação. — Estava eu, perdido em algum lugar misterioso, com uma sensação de confusão e mistério ao meu redor...

Lana sorriu, apreciando o tom dramático da narrativa. 

— E então, o que aconteceu? Você conseguiu escapar?

O homem, com um brilho de suspense nos olhos, começou a contar a próxima parte da história, enquanto continuavam sua jornada pela floresta, onde cada árvore parecia esconder um segredo e cada sombra guardava uma promessa.

— Ah, sim... — o homem suspirou, seu sorriso desapareceu, substituído por uma expressão de melancolia. — ... eu não pude fazer nada, eles me prenderam em uma...

Lana observou-o com preocupação, enquanto o suspense pairava no ar, aguardando o desfecho da história que parecia ter se tornado sombria de repente.

— ... só pude observá-la sendo levada de mim por...

A voz do homem foi interrompida abruptamente, como se fosse cortada por um chiado estranho, semelhante ao ruído que ocorre quando se muda de canal na televisão e o sinal é perdido. A perplexidade dominou o rosto de Lana enquanto ela testemunhava esse fenômeno inexplicável. Somente ela era capaz de ver, ouvir e sentir o que estava acontecendo - o homem continuava a falar e gesticular, mas nenhum som saía de seus lábios.

Um tremor começou a percorrer todo o ambiente, como se a realidade ao redor estivesse se desintegrando em pixels, desfazendo-se diante de seus olhos como se estivesse saindo do próprio jogo. Lana sentiu um calafrio percorrer sua espinha, percebendo que algo muito além do ordinário estava acontecendo naquele momento.

"Será que estão desligando a Internet ou acabou a energia? Ufa, finalmente vou poder desconectar!" — Lana refletiu consigo mesma, em meio a um misto de alívio e curiosidade diante da inusitada situação.

Entre os ruídos e as interferências, Lana conseguiu discernir algumas palavras proferidas pelo homem.

— Ei! ... chiiiii chiiiii... você está me ouvindo?... chiii, chiiii, o que diabos está acontecendo... chiii...? — o homem tentava falar, mas os chiados cresciam em intensidade, transformando suas palavras em um amontoado quase ininteligível de sons.

— Estou prestes a desconectar! Foi uma jornada e tanto, mas acho que é hora de dizer adeus! — Lana anunciou, observando a expressão de tristeza que se formava no rosto do homem virtual.

— Ah, não faça essa carinha! Agradeço por ter sido minha companhia nessa incrível aventura virtual! — expressou Lana, enquanto o homem se aproximava dela. Antes que ele pudesse alcançá-la, o mundo digital ao redor deles pareceu dar uma pausa momentânea, e Lana finalmente pôde ouvir nitidamente suas palavras.

— Estão interferindo com a vida dela novamente! Mas na próxima vez que nos encontrarmos, tudo estará seguro, e você será minha filha de verdade! — disse o homem, plantando um beijo suave na testa de Lana.

A menina não conseguiu conter a emoção. Não sabia ao certo quando começara a se afeiçoar àquele personagem virtual. Nunca imaginaria que choraria por um NPC de um jogo.

Uma única lágrima escapou pelo rosto de Lana e, de repente, tudo ao seu redor mergulhou na escuridão.

                                                                           ********

"Que dor de cabeça! Deve ser porque passei tempo demais plugada!" Lana cogitou, enquanto tentava remover o óculos de realidade virtual.

"Ué, não estou usando óculos? Desde quando os tirei?" a menina indagou, abrindo os olhos para se deparar com o cenário inesperado de uma cama de hospital.

— O que está acontecendo?... — Lana perguntou para si mesma, prestes a colocar os pés no chão ao lado da cama. Antes que pudesse fazer isso, Jane apareceu na porta do quarto.

— LANAAA! — Jane gritou, correndo em direção à amiga e envolvendo-a em um abraço emocionado, com os olhos marejados de lágrimas.

Lana retribuiu o abraço, sem entender o que estava acontecendo.

— Jane, o que está acontecendo? — ela perguntou, visivelmente confusa.

— ISSO É UM MILAGRE! Meu Deus, obrigada! Pensei que... foi tudo culpa minha, me perdoa! — Jane se desculpava, entre lágrimas e sorrisos de alívio.

— Como assim culpa sua? O que está acontecendo? 

— Preciso chamar os médicos! — exclamou Jane, já se dirigindo para a porta do quarto, mas antes que o fizesse Lana segurou o braço da amiga com firmeza, exigindo uma explicação séria.

— Me diga o que está acontecendo? Ainda há pouco eu estava jogando e agora acordo em um leito de hospital. 

— Os médicos... — Jane começou a chorar novamente, incapaz de responder à pergunta de Lana.

— Os médicos o que, Jane? — Lana insistiu, preocupada.

— Preciso chamá-los, isso é urgente. Depois te respondo! — Jane deu mais um abraço na amiga e saiu apressadamente do quarto.

"O que deu nela?" Lana se perguntou, sentindo-se confusa e inquieta com a reação estranha de sua amiga.

Após alguns instantes, Lana começou a ouvir a voz abafada de Jane discutindo com alguém do lado de fora da porta.

— Querida, isso é impossível. Eu sei que você está sofrendo, mas precisa encarar a real... — a voz do pai de Jane foi interrompida subitamente quando ele abriu a porta e se deparou com Lana ali sentada. — ...idade!

— Eu disse, pai! Vou chamar os médicos agora! — Jane exclamou, partindo apressadamente do quarto.

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