18– Mais um dia

Sentiu-se culpado pela forma que tratou a criança. Pegou a fatia de bolo das mãos da menina e comeu numa forma de desculpa.

 — Não precisa ficar triste. Eu tô feliz aqui.— ela falou com um sorriso que desarmava qualquer um.

 Quando ele se deu conta, ela estava em pé à sua frente olhando para o seu rosto:

 — Tem chocolate no cabelo da sua cara...

 Com um olhar compenetrado, limpou a barba de Ronni com os dedinhos. Ao terminar, ela continuou ali, acariciando a barba com a palma da mão.

 — Você sabia que eu encontrei um amigo ontem? O nome dele é Fofo, mas ele não me esperou e foi embora. Eu queria tanto ele para mim…

 — Fofo? Ele sabe que esse é o seu nome?— Ronni estava se divertindo com o nome do seu lobo.

 — Ele sabe sim, eu contei pra ele.

 Ronni O'Maile gargalhou, fazia quase dois anos que não se sentia tão bem, com o coração leve. Provavelmente o seu lobo não sabia o quão humilhante era esse nome.

 Sofia era uma menina inocente, pura de coração, não sabia o perigo que corria, ele era uma besta assassina, mesmo assim ela estava sempre ao lado dele, testando os seus limites.

 Por fim, ao perceber, estavam os dois sentados na pequena varanda conversando, ou melhor, ela falando e Ronni ouvindo tudo com um sorriso bobo no rosto, aquela criança o encantava. Logo ele que nunca havia se interessado pelo convívio com crianças.

  Sofia fazia o seu lado humano há tanto tempo esquecido, ressurgir. Algumas estrelas despontam no céu quando os dois ouviram o chamado:

  — Sofi, venha!

 — É minha irmã. Ela não quer que eu ande por aí.

 — Ela está certa, é para a sua proteção. — Ronni falou a olhar para a varanda da casa principal.

 — Você achou ela bonita?

 — Não...

 — Você precisa de óculos igual vó Ema. — ela ficou na ponta dos pés para falar na sua orelha — Sabia que ela não tem namorado? Mas passa perfume todo o dia.

 A criança beijou a sua bochecha e saiu a correr em direção a casa, mas antes falou:

 — Depois eu vou trazer comida pra você.

  Ronni ficou a olhar a pequena correr até a sua irmã e segurar na mão dela para entrar, mas antes virou-se e acenou para ele.

 Era incrível como a presença dela o acalmava. Aquela menina tinha uma conexão com o seu lobo e automaticamente com ele também, pois mesmo tentando, não conseguia afasta-la e essa relação não estava escrita nos livros de seu amigo Marcus Petrus, um autêntico lobisomem escritor.

 Levantou-se e foi para dentro, não queria interagir com os vizinhos de chalé, quanto menos pessoas o vissem, mais fácil para ele se disfarçar quando precisasse eliminar algum lobo. Ele esperava ansioso para que tudo ficasse em silêncio para caçar, o seu lado animal já estava a gritar por isso e o seu estômago também, pensou enquanto pegava uma cerveja e um pacote de biscoitos.

 Precisava com urgência de um bife sangrento...

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 Aretha ficou atarefada o dia todo, quase não viu Sofia, mas o dia já ia embora quando percebeu que a sua irmã não estava na sala vendo televisão. Procurou pela casa e quando não a encontrou, foi para a varanda e de onde estava podia vê-la conversando animadamente com o senhor O'Maile. Não era certo ela ficar sozinha com um estranho.

 — Sofi, venha! — gritou com as mãos em concha para que o som da sua voz chegasse até ela.

 A sua irmã falou algo no ouvido do homem e correu sorridente para casa. Aretha precisava ficar de olho nesse homem, ele era estranho demais.

 Pegou na mão de Sofia e a levou para tomar um banho, logo o jantar seria servido e nessa noite teriam mais famílias para atender. Os irmãos Max e Egon só retornariam no domingo pela manhã, quando mais visitantes chegariam.

 — Sofi, você precisa ficar perto da sua família, entende? — Aretha falava enquanto dava o banho na irmã. — Não pode andar com estranhos…

 — Ele é meu amigo...

 — Não, não é.

 — Mas mana ele é bonzinho!

— Escuta, não quero você indo até ele sozinha, certo?

 Aretha nos seus pensamentos condenava a sua irmã, onde aquele ser arrogante e mal-humorado era "bonzinho"? O senhor O'Maile causava-lhe algo estranho, medo. Ao mesmo tempo, tinha algo que a atraía, talvez fosse aquela áurea de poder, o olhar penetrante... e aquela barriga, aqueles braços...

 Uma coisa tinha que admitir: ele era um deus!

Livrando-se desses pensamentos que não a levaria a lugar nenhum, colocou o pijama na sua irmã, levando-a para a sala.

 — Não quero que saia daqui. Preciso trabalhar e você não pode ficar andando entre tantos estranhos, e perigoso, acredita em mim.— beijou a bochecha da pequena — Assista desenhos, vou tomar um banho rápido e logo trago algo para comer.

 Depois do banho, Aretha colocou uma calça jeans, bota e uma camiseta. Amarrou o cabelo em um rabo, no alto da cabeça, passou apenas um batom rosa e foi para a cozinha.

 A noite de sábado seria servido um jantar diferente, vô Owen faria carnes na brasa, vó Ema faria apenas um arroz e saladas feitas com verduras e legumes colhidos na propriedade.

Aretha pensou em fazer dos sábados algo único e esse seria um teste, estava ansiosa com tudo, queria muito que os seus avós ficassem orgulhosos dela.

......................

 Ronni tentava se distrair com o vídeo cassete, enquanto esperava que todos fossem dormir e assim pudesse liberar o seu lobo.

 Sentiu um cheiro forte de sangue, como em transe, saiu para a pequena varanda do seu chalé, protegido pela penumbra, observou as pessoas no pátio, o senhor Owen colocava cortes de carnes na brasa. Isso era muito para um lobo faminto. Voltou para o quarto e colocou uma camisa sem se preocupar com a sua aparência.

 Não gostava do convívio, mas essa noite foi pego pelo estômago. Caminhou até o dono da pousada, querendo ficar perto daquele cheiro que o conquistava.

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