5 – Um lobo familiar

 Ronni estava recostado no poste do outro lado da rua. Um dos pés escorado na coluna de cimento e fumava tranquilamente enquanto observava a saída do restaurante. Os outros garçons já haviam saído a mais de trinta e cinco minutos, mas o seu homem em questão ainda estava lá.

 Passaram-se mais alguns minutos e logo o "seu homem" saiu, meio assustado, olhando para os lados e quando constatou a presença imponente de Ronni do outro lado da rua, interrompeu os seus passos por um instante, mas depois continuou.

 Ronni jogou o cigarro e com as mãos no bolso, seguiu o indivíduo. Ao perceber a presença indesejada de Ronni, ele parou próximo a uma pequena praça e esperou pela aproximação.

 A figura imponente de Ronni, desconcertava o homem a sua frente.

 — Não quero confusão, senhor.

 — Sabe muito bem o que somos, isso só já atrai muita confusão.— Ronni olhou fixamente para o outro, mas o seu lobo estava em paz.

 Arqueando a sobrancelha, Ronni percebeu poder se tratar de um lobo bom, mas ele não era de confiar totalmente em ninguém.

 — O que não quero é confusão. A minha esposa me mataria! — O homem abaixou a cabeça, deixando nítido o seu desconforto — Não escolhi ser assim…

 Ronni não acreditava que aquele homem pudesse matar alguém. Era um cão dócil.

 — Venha, vamos caminhar.

 — Para onde?— perguntou com voz trêmula.

 — Não se preocupe, quero apenas conversar. Vamos conhecer a sua família.

 O homem interrompeu os passos.

 — Acredite em mim. Por hora, sou seu amigo, até que você mesmo mude essa situação, aí não respondo por mim.— falou Ronni.

O tom ameaçador não passou despercebido pelo outro, que tentou amenizar a sua agonia.

 — Meu nome é Philip. Tenho esposa e dois lindos meninos. Certa noite, quando saía do restaurante, fui perseguido. — a sua voz ficou embargada pela emoção — Creio que seria a minha morte, mas alguém apareceu e espantou o homem-lobo. Isso tudo a três anos.

Ronni acendeu um cigarro enquanto caminhava e ouvia o relato do tal Philip.

 — Foi tudo muito complicado, troquei o meu horário de trabalho para nas noites de lua cheia estar longe de pessoas. A minha mulher foi forte e aceitou-me, agora quando quer briga e chama-me cão vagabundo, ela não mente…

 O homem ficou por um tempo em silêncio, mas depois tentou se explicar.

— Não sou um monstro, senhor. As vezes o meu lobo aparece para os meus filhos, eles brincam de bola no quintal.— deu um sorriso torto — A minha esposa fica de prontidão com a vassoura. Ela diz que se eu arrancar um fio de cabelo deles, ela quebra-me.

  Ronni sorriu ao imaginar a cena. Uma família... um homem com uma família assim, não seria um assassino.

 — Mas tem alguém matando. Estou aqui por isso.

 — Notei quando o vi. Sabia que não era alguém comum ou um simples lobo. A sua missão é eliminar lobo-mau. Posso sentir isso.

 — Você tem alguma pista de quem seja esse assassino?

 — Não. Faz algum tempo que não sinto o cheiro. Creio que os lobos não gostem da comida do restaurante.

 Ronni gostou do jeito leve que a conversa fluía, era como se ele ainda fosse humano. Durante os quase 30 minutos que caminharam até esidência de Philip, trocavam informações sobre as suas experiências lican. Enquanto Ronni optou pela vida solitária e errante, o outro continuou a ser um pai de família, um quase humano, controlado pela esposa.

 — Sabe, senhor, a minha esposa deixa bem claro que se me observar de olho em alguma cadela, ela me levará para ser castrado. Como será a vida de um lobo sem as suas bolas?

 Ronni não pode mais conter a sua gargalhada. Esse tal de Philip era comédia pura.

— Está achando engraçado? Queria ver se fosse você o castrado.

 — Calma homem, ela está apenas de brincadeira...

 — Vou te apresentar a ela, depois você me conta se é apenas brincadeira.

 Logo chegaram num local mais afastado do porto, com casas simples e pequenas. Crianças corriam pela rua de pedras, algumas senhoras conversavam recostadas sobre o muro. Ronni olhava tudo com interesse, era bom as vezes sentir aquela paz que tudo aquilo representava.

 Dirigiram-se para uma casa pintada de verde, com muitas árvores no quintal e de lá se ouvia gritos e risadas de crianças.

Nem bem Philip abriu o portão, e dois meninos aparentando ter menos de cinco anos correram para os braços dele, seguidos por um cachorro, todo peludo, que parou no meio do caminho, olhando para Ronni.

— Papai, a mamãe falou que se você demorasse mais um pouco,ela ia acabar com a sua alegria. — um dos meninos falou .

— O que ela queria dizer? — O outro menino quis saber.

Philip aprumou o corpo, olhando para a entrada da casa enquanto afagava a cabeça dos dois filhos.

— Acho que estou encrencado.

Ronni achou graça na cara do homem. Ele tinha medo real da esposa.

Quando se dirigiam para a entrada da casa, o cachorro da família soltou um ganido e correu com o rabo entre as pernas.

— Acho que Bob não foi co. a sua cara.— Philip falou com curiosidade. — O seu lobo deve ser perigoso mesmo, é a primeira vez que vejo ele fugir de uma ameaça.

— Bob ?

—Sim, Bob. Ou o senhor acha que minha doce esposa deixaria uma cadela andando em seus domínios?

Ronni estava curioso para conhecer essa mulher que mandava em um lobo.

— Acredito que o senhor irá salvar-me da ira da Paty. Ela será educada na sua presença.

Nesse exato momento, uma mulher aparece pelo vão da porta pelos dois meninos. Paty era uma ruiva de cabelos curtos, com algumas sardas espalhadas pelo rosto. O seu corpo era um pouco cheio, mas mesmo brava, os seus olhos brilharam ao ver o seu marido chegando são e salvo, o que ela tentou disfarçar.

— Isso são horas?

— Mas meu bem, estou apenas vinte minutinho atrasado!

— Vinte e cinco minutos, Philip! Sabe quanta coisa pode acontecer em vinte e cinco minutos?

— Temos visita, meu bem…

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