16– Cãozinho doméstico

 O par de olhos vermelhos que a observava, ficaram mais brilhantes e dentes se sobressaíram quando um pequeno rosnado foi liberado…

 O animal feroz, escondido atrás da vegetação densa, rosnou de forma nervosa, aproximando-se lentamente da criança.

 Avançou lentamente, sem fazer nenhum barulho, até ficar frente a frente com a criança, que ao perceber não estar mais sozinha, levantou lentamente os seus olhos chorosos.

 Um lindo sorriso brotou no rosto daquela criança, ela não estava mais sozinha. Certamente um cãozinho tão grande e de pêlos castanho-avermelhado, não deixaria que nenhum mal a pegasse.

 — Você é bonito e grandão. — a criança falou enquanto se levantava e enroscava os seus bracinhos no pescoço largo e peludo.

 Paralisado, Ronni ficou sem saber o que fazer, assim como o seu lobo.

 Essa criança era louca?

Só podia ser, essa era a única explicação para os atos daquela menina.

 Ele foi abraçado, apertado, acariciado, beijado...

 Foi quando ela resolveu que deveria ir para casa:

— Você tem que me levar pra casa. Vô Owen não vai gostar nada disso.

Se ele souber, vou ficar de castigo para o resto da minha vida.

 Ela demonstrava medo, mais medo do castigo do que de ficar na floresta uma hora daquelas. Após ficar pensativa, ela continuou:

 — Eu sou muito pequenininha, se eu ficar de castigo para o resto da minha vida, tudo será muito triste.

 Ronni apenas bufou. Parecia que as suas férias não seriam como havia planejado. Como ele sairia da floresta? Ele estava em forma de lobo e nem poderia voltar ao normal, já que a sua roupa estava em posse daquela criança!

 Mas sabia que não deveria deixar a pequena ali sozinha, deu alguns passos em direção ao caminho certo para ver se ela o seguia. Ela enroscou-se no seu pescoço e se pôs a caminhar lado a lado com ele, com passos lentos. O pior de tudo, era que Ronni pressentia que o seu lobo estava satisfeito com aquela situação. Isso para ele era novidade, um animal sanguinário e mortal estava a acompanhar obedientemente uma criança, como se não passasse de um cão doméstico.

 Tudo aquilo estava enfurecendo Ronni, o seu lobo é quem o comandava naquele momento e a pequena Sofia tinha o controle de todos.

 Roni podia perceber que a madrugada avançava e o dia logo chegaria. E os dois seguiam sim que a criança parasse de falar um só minuto. O seu lobo, aquele traidor andava ao lado da menina com a língua de fora e bastante interessado no assunto, só faltou abanar o rabo.

Os dois sempre foram parceiros em tudo, mas o homem é quem comandava o lobo. Perto de Sofia, o animal queria o comando. Naquele momento, o animal insistia em deixar a mente humana de lado. Ronni poderia reverter a situação facilmente, isso implicaria em assustar a pequena, então resolveu dar liberdade ao seu parceiro.

 A fera e a menina caminhavam lentamente por entre a vegetação, uma mão pequena deixava os dedos entrelaçarem-se nos pelos extensos do pescoço do animal enquanto a outra arrastava a peça de roupa, para o desespero de Ronni.

— Eu tenho um gatinho, você sabia? Mas ele é muito fujão, eu vim atrás dele e depois não sabia voltar para minha casa.— ela parou e puxou a cabeça do lobo para que ele a olhasse — Você está me levando para casa, certo? Tem certeza?

O animal lambeu o rosto da menina em resposta. Ronni não pode acreditar no que estava vendo, que lobo molenga.Em outras ocasiões, ele teria arrancado a cabeça...

 — Eu não tenho mais um papai e uma mamãe, só tenho Aretha, vô Owen, vó Ema e Figo... quer ser meu? — nesse momento o lobo grunhiu — Então o seu nome será Fofo. Você é tão fofinho.

Ronni O'Maile queria gritar tamanho era o seu desespero. Ele e o lobo era uma máquina de matar, mas ali pareciam cordeiros prontos para o abate.

Sofia abraçou o lobo e o encheu de beijos, Ronni sentia-se um bichinho de pelúcia de tanto que era apertado, amassado e beijado. Pensou em Linda e em Marcus, certamente seria motivo de chacota se eles pudessem ver essa cena.

Voltaram a caminhar e Sofia falava o tempo todo só parando para beijar o seu "cãozinho " e retornava à caminhada.

Quando chegaram perto do chalé azul, ela parou um segundo e falou num sussurro:

— Aqui mora o meu amigo. Sabia que ele tem peitos? Ele não tem camisa e nem sapatos. Acho que ele precisa de roupas, então vou dar essa calça pra ele.

A menina correu e deixou sobre a cadeira da varanda a peça de roupa, voltando para o lado do animal. Com mais alguns beijos, os dois seguiram pela grama bem aparada, até a varanda da casa.

O céu ainda estava escuro, sem o brilho do sol, mas a criança estava em segurança.

O animal sentou-se com a língua de fora esperando pelo abraço, que logo veio.

— Fica aqui, vou pegar água pra você é uma comida bem gostosa. — de repente ela olhou para ele com os olhos cheios de dúvidas — O que você come? Vou ver o que tem. Fica aqui, seja bonzinho.

Quando ela saiu saltitante para dentro da cozinha, Ronni tomou conta da situação. Ao perceber que o lobo ficou ali parado e obediente, com o rosnado ele obrigou que o lobo corresse para os fundos do chalé e ali, escondido dos olhares curiosos, na sua firma humana, pulou pela janela e foi direto para o chuveiro. Precisava de um banho para relaxar. A mutação sempre era causa de muita dor, mesmo para ele que estava acostumado.

A água morna aliviava as dores e deixava tudo mais calmo em seu interior.

Que noite foi aquela?

Ronni O'Maile se questionava. O seu lobo resolveu ser o alfa e dominar. Aquela garotinha era problema. Fez da fera um animal dócil em segundos, isso não poderia se repetir.

Saiu do banheiro e logo colocou um jens, ao olhar no espelho, lembrou-se das palavras da criança: " Você tem peitos ". Foi até a gaveta da cômoda e pegou uma camisa.

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