17— Sem saída

 Ronni acordou a ouvir vozes. Ele virou e revirou na cama até ficar de bruços e usar o travesseiro na cabeça tentando em vão abafar os ruídos. Os ocupantes dos outros chalés já andavam por tudo, tirando a sua paz.

 Ficou deitado resmungando por um tempo, até que se questionou: quando ele se tornou um cara tão chato? Um solitário.

 Os dois anos que praticamente viveu sozinho, o deixou assim, sem paciência. A própria constatação disso fez ele entender que precisava voltar a viver com os humanos novamente ou logo nem ele próprio se suportaria.

Olhou para o relógio na cabeceira da cama viu que já passavam das 10 horas da manhã. Sim, ele estava sendo chato. Qualquer ser humano normal, nesse horário, já estaria acordado e em plena atividade.

 Foi até o banheiro lavou o seu rosto, molhando os seus cabelos para refrescar. Não se importou em secá-los, apenas balançou a cabeça, como o seu lobo faria. Abriu a porta e deixou que a luz entrasse, seguiu até a varanda e ficou olhando o vai e vem de algumas pessoas pelo gramado.

 Não viu Sofia andando entre as pessoas, mas lá estava aquela moça, concentrada em arrumar as mesas da varanda.

 Ele fechou os seus olhos e aspirou profundamente. Podia sentir, lá estava aquele cheiro que o encantava, o cheiro da inocência. Concentrando-se um pouco mais ele conseguia até ouvir os batimentos cardíacos dela, ela estava em paz.

Sem pensar direito, saiu a caminhar em direção a ela, como se estivesse hipnotizado. Ela era perfeita, sem maquiagem, a pele perfeita. Alguns cachos do cabelo negro estavam fora do coque no alto da cabeça.

Perfeita...

Roni só percebeu que caminhara até ela quando já estava em pé na varanda, em frente aos olhos brilhantes, apenas a mesa os separando. Foi quando ele se deu conta da roupa amassada, do cabelo bagunçado e dos pés descalços.

 Ele podia sentir o seu cheiro, agora mais forte... estava embriagado naquele perfume, não tinha controle sobre si. Apenas queria ficar ali olhando para ela e sentindo aquele cheiro que penetrava em todo o seu ser e o fazia querer tocá-la.

— Bom dia senhor O'Maile... desculpe, boa tarde. — ela falou com voz suave e o rosto corado.— Serviremos o almoço em breve.

Ficou admirando aquela beleza toda em sua frente, não tinha palavras nem sabia definir o que estava acontecendo com ele. Apenas virou as costas e saiu precisava ficar longe dela, estava tendo uma ereção apenas com o som daquela voz que fazia com que ele imaginasse ela sussurrando em seu ouvido e gemendo sob o seu corpo. Sentiu a pele arrepiar enquanto tomava distância.

Isso era loucura! Mas ele queria-a, como nunca quis algo. Com um rosnado voltou para o chalé azul e tomou novamente um banho gelado.

......................

 Aretha colocava os últimos pratos na mesa. O pessoal logo viria para o almoço, era sábado e os ocupantes dos outros chalés já estavam na pousada.

  Estava tranquila e esperava que tudo fosse perfeito naquele dia, seria como um teste para ela saber o que faltava e o que estava certo no atendimento ao público. Fazia planos mentalmente e cálculos.

 Aretha percebeu que não estava sozinha, só não imaginava que bem a sua frente estaria o senhor O'Maile.

 Ele a olhava de forma estranha, parecia querer desvendar a sua alma. Sentiu a sua respiração pesada, como se lhe faltasse ar, falou para se livrar do desconforto.

 — Bom dia, senhor O'Maile... desculpe, boa tarde.— esforçou-se para que a sua voz não soasse fraca — Serviremos o almoço em breve.

 Falou com um sorriso nos seus lábios, mas para o seu espanto, o homem virou-lhe as costas e voltou para o seu chalé sem dizer nada, ignorando-a por completo.

" Que falta de educação, não precisava sorrir, bastava responder algo, ser educado era o mínimo que uma pessoa deveria ser."

 Aretha pensou, exasperada com aquela situação, mas logo distraiu os seus pensamentos com a chegada de vô Owen trazendo os copos. Vó Ema tinha tudo preparado na cozinha, então Owen tocou um pequeno sino preso na entrada da varanda. Com o barulho, todos vieram .

 O almoço foi servido e o clima durante a refeição era descontraído. Crianças corriam por entre as mesas, os adultos comiam e bebiam alegres.

Aretha esperava que O'Maile viesse para o almoço, mas o homem não deu sinal de vida, estava fechado no chalé. Vez ou outra ela lançava um olhar, mas a porta continuava fechada...

......................

Ronni passou quase a tarde toda mal-humorado, deitado na sua cama, só quando o pátio ficou silencioso ele foi para a sua varanda e deitou-se na rede. Os outros provavelmente estariam se arrumando para o jantar e ele queria aproveitar o silêncio.

De olhos fechados, deixou que a sua mente vagasse, tentando esquecer que teria que esperar que tudo ficasse em silêncio para caçar, o seu lobo tinha sede de sangue. Talvez fosse a falta de alimentação correta. Já sentia as pálpebras pesadas por conta do cansaço e do tédio.

Ronni não sabia dizer quanto tempo ficou na rede ou se dormiu de fato.

— Você ronca.

Ao ouvir essas palavras seguidas de um dedo indicador que o "cutucava" na bochecha, abriu os olhos assustado. Como não percebeu a aproximação desse problema? O seu lobo fez de propósito! Como poderiam ser parceiros se não ouvesse confiança?

Ronni queria distância dessa "menina problema".

— Ei! Abra os olhos! Eu tenho um pedaço de bolo para você.

Ao abrir os olhos, se deparou com um enorme pedaço de bolo praticamentena sua boca.

— Você precisa "senta" ou vai se sujar todo.

Sofia estava séria, e seu tom de voz deixava claro que não aceitaria desobediência. O pior era que Ronni sentia o seu lobo festejando em seu interior.

" Traiçoeiro".

Ele sentou-se na rede, ainda com cara de sono e olhou sério para a criança.

— Onde está os seus pais? Eles não lhe ensinaram que não se deve perturbar um adulto?

— Eu não tenho papai e nem mamãe…

A voz da pequena era quase inaudível e fez Ronni se arrepender de ter fala do daquela forma.

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