Penetras

Aquele momento comovente foi arruinado da pior forma possível.

A atitude e conduta do homem de cabelos vermelhos indicavam uma índole horrenda. Um sorriso um tanto repulsivo estampado em seu rosto não barbeado. Ele parecia ter uns quarenta anos e exalava um cheiro desagradável de álcool.

Embora as ações e a aparência dele causassem uma sensação de repulsa que parecia refletir seu caráter, se fosse para ignorar a falta de cuidados, o homem era até que bonito.

As características de beleza — suas formas desejadas, estava sendo contaminadas por outras coisas. Algo na postura do magro homem exalava um ar de repulsa.

Subaru: …Quem é você?

???: Ahh?

O primeiro a quebrar o silêncio foi ninguém menos que Subaru, que colocou a mão no cabo de seu chicote que estava na cintura.

Quando ficava irritado, Subaru acabava se deixando levar.      

Não havia nada que podia tê-lo irritado mais que a interrupção da reconciliação entre aqueles dois desajeitados.

Apenas Subaru sabia o porquê de estar com tanta raiva.

Não era uma simples reconciliação entre um amigo dele e alguém que respeitava.

Era entre familiares. Uma família buscando entrar em contato novamente. Ousar interromper algo assim…

Subaru: Me responde. Quem diabos é você?

???: …Você tá mesmo olhando torto pra mim, garoto. Como um cavaleiro, você sabe com quem tá tentando comprar briga, certo?

Subaru: Não me faça rir, cara. Quem tá comprando briga aqui é você. Só perguntei o que você tava fazendo aqui.

Com sua paciência prestes a se esgotar, Subaru levantou-se.

Beatrice, que estava sentada ao seu lado, percebeu suas emoções tomando conta dele e mudou de posição para poder pegar em sua mão a qualquer momento. Sua confiável companheira havia percebido a raiva ardente que residia no coração de Subaru.

Enquanto olhava para Subaru com uma expressão desagradável, o homem coçava a cabeça rudemente.

???: Você é tão irritante, garoto, parece que hoje é o dia de moleques folgados me tratarem como quiserem, primeiro o esquisito almofadinha que me deparei no caminho pra cá, e agora esse aí, eh?! Ei, Santo da Espada. Pode ser o Euclius também, até o Argyle. Deem um trato nesse garoto mal-educado.

Subaru: —hk!

Ao apontar para Subaru com a mesma mão com a qual coçava a cabeça, o homem insolente deu uma ordem casualmente para 3 pessoas ali presentes, Reinhard incluído.

Ao ver esta humilhação aos seus camaradas, Subaru queria dar uma chicotada naquele sorrisinho estampado no rosto do homem.

Julius: Por favor, meça suas palavras.

Mas ele foi interrompido por Julius antes que pudesse agir.

Julius, que havia se levantado alguma hora, gentilmente colocou uma mão no ombro de Subaru por trás. Ele acenou levemente para Subaru com a cabeça e então virou-se para o homem.

Julius: Felix está presente e Reinhard também. Nós 3 estamos afastados de nossos deveres no momento por estarmos servindo nossas mestras. Logo, nem mesmo o segundo em comando tem a autoridade para nos comandar.

Felix: Sim. Felix agora é um servo obediente da venerável dona Crusch. Logo, não sou obrigado a seguir essa ordem.

Ainda sentado, Felix estava segurando o braço de Crusch e respondeu logo depois de Julius. Embora Crusch estivesse um pouco surpresa por seu braço estar sendo agarrado, seus olhos que se viraram para o homem de cabelos vermelhos ainda estavam repletos de determinação.

A expressão estampada no rosto de todos era semelhante, ninguém estavam escondendo a hostilidade que sentiam contra o homem. Era natural, eles estavam em uma situação agradável que havia sido totalmente estilhaçada pelo homem.

No entanto…

???: Ooh, ooh, que medo. Não tava na cara que eu só tava brincando? Não é como se eu não soubesse o peso das minhas palavras como vice-comandante.

Subaru: Como… vice-comandante?

O alcoólatra pareceu achar algo engraçado, dando tapas em sua perna enquanto ria das reações de Julius e Felix. Uma das palavras ditas por ele havia chamado a atenção de Subaru.

Ao ouvir sua pergunta, o homem mais uma vez desviou seu olhar para Subaru.

???: Isso mesmo que ouviu. Esse é meu amado título. Vice-Comandante dos Cavaleiros do Reino de Lugunica, Heinkel, esse sou eu.

Subaru: Não me venha com esse jeito todo certinho.

Heinkel: Hahaha, esse garoto tem uma língua afiada. Dói, dói, dói tanto… cala essa boca, pirralho.

Subaru: —hk!

A escuridão que cintilava nos olhos estreitos do homem fez Subaru sentir calafrios na espinha. Era diferente da presença esmagadora de algo como a Baleia Branca ou de uma Bruxa. Era algo ainda mais indescritível.

Esse algo era familiar para Subaru, e ainda assim era impossível se lembrar do que se tratava exatamente. Não havia para onde fugir desta sensação, e os ouvidos de Subaru começaram a zumbir.

Julius: Se acalme, Subaru. Não se deixe ser engolido pela aura do vice-comandante.

Julius, que estava ao seu lado, disse isso a um Subaru meio zonzo.

Ao ouvir isso, aquele homem — Heinkel, olhou para Julius com um sorriso sombrio.

Heinkel: Ha! Uma resposta respeitável. Uma resposta exemplar e educada. Mostrando tamanho respeito como um cavaleiro, como esperado do Cavaleiro Irretocável.

Julius: Permita-me aceitar este elogio, Vice-Comandante Heinkel… Se não for muito incômodo, qual o motivo por trás de sua visita? Se não me falha a memória, seu dever como o vice-comandante é defender a capital.

Heinkel: Chega de sarcasmo. Que diferença faz na vigília da capital se tiver um homem a menos? O senhor Marcus pode lidar perfeitamente com tudo sozinho, bem melhor do que eu… ah, se bem que, mesmo se ocorrer um desastre, a gente tá em falta de uma família real pra se prejudicar.

Wilhelm: Heinkel!

Levando em conta sua posição, o que Heinkel disse foi extremamente desrespeitoso. Ao ouvir aquilo, Wilhelm, furioso, gritou seu nome.

O Demônio da Espada, tremendo de raiva, encarou Heinkel com um olhar penetrante, ele respondeu dando de ombros.

Wilhelm: Heinkel…

Heinkel: Falar meu nome uma vez já tá bom. Ainda não tô velho o suficiente pra ficar surdo. Bem, considere isso como papo de um bebum e não ligue pro que eu disse. Deixando isso de lado.

Heinkel respondeu a voz descontente de Wilhelm colocando um dedo no ouvido e fechando seus olhos azuis. Então ele os abriu novamente e encarou Wilhelm.

Heinkel: Essa sensação não é muito agradável. Claro que eu quero te parabenizar por derrotar a Baleia Branca, mas você também esteve me evitando. É um feito que levou 14 longos anos para se conquistar, afinal. Acho que também tenho o direito de participar das alegres comemorações. Não concorda, pai?

Wilhelm: Heinkel, eu…

Heinkel: Reinhard, e você?

Heinkel, seu rosto cheio de maldade esfaqueou com palavras o peito de Wilhelm.

Embora o rosto do velho mostrasse a mesma dor de ser cortado por uma lâmina de verdade, Heinkel não pareceu se importar. Ao invés disso ele foi atrás de um novo alvo.

Reinhard, que estava silenciosamente observando a situação, lentamente virou-se para Heinkel quando foi chamado.

Heinkel: Você não deveria estar parabenizando o pai por finalmente ter aliviado o peso do fardo que carregava nos ombros? Já que ele vingou uma esposa, uma mãe, uma avó. Pelo menos ofereça a ele umas palavras gentis. De qualquer forma…

Heinkel: Com isso, o pai finalmente vingou a antiga Santa da Espada, a que você matou, não é mesmo?

— Subaru voltou atrás com o que havia pensado.

Dizer que o rosto de Heinkel estava cheio de maldade era um erro.

Ele era a maldade em si.

Suas palavras, sua aparência, sua atitude, sua voz, sua conduta, seu olhar… todos eram manifestações de sua intenção, que podia ser descrita apenas pela palavra “Maldade”.

De fato, cada pingo da conduta de Heinkel exalava nada além de maldade pura.

Subaru: Antiga Santa da Espada… matar…?

Subaru soltou essas palavras impressionantes em voz baixa.

Em sua mente várias outras pistas estavam embaralhadas, mas Subaru não tinha a capacidade de raciocínio para ordená-las corretamente.

Em oportunidades como essa, a maldade nunca falha em mostrar suas garras.

Heinkel: É, a antiga Santa da Espada que foi morta. Não faço ideia do quão ignorante você é, mas você provavelmente tá familiarizado com o título “Santo da Espada”, né? O atual Santo da Espada é o mais poderoso herói de hoje em dia… mas isso foi algo que ele conseguiu matando seu predecessor, sua própria vó. Embora esta ocorrência tenha sido imediatemente escondida do público.

Wilhelm: Silêncio, Heinkel! Você… o quão longe você planeja ir?

Heinkel: Se tá querendo dizer alguma coisa com “palavrinhas bonitas”, então por favor pare, pai. O motivo é que você simplesmente não tem o direito de discordar. Afinal de contas, quando a antiga Santa da Espada morreu, o primeiro a condenar Reinhard foi ninguém menos que você.

Wilhelm: —hk

As palavras que saíam da boca de Heinkel continham um veneno de repugnância tóxico e denso. E o conteúdo de suas frases eram nada mais que maldições vulgares. Reinhard matou seu predecessor? Impossível.

Wilhelm condenou Reinhard? Impossível. Afinal de contas, para Reinhard, seu predecessor era…

E para Wilhelm, Reinhard era…

Então, obviamente, isso não podia ser verdade.

Nenhum dos dois negou aquelas palavras.

Por quê? Se eles pelo menos as negassem, se pelo menos dissessem um mísero “não”, Subaru teria acreditado na hora.

Um camarada de guerra e um respeitado mentor. Um homem maldoso envolto pelo cheiro de álcool. Era óbvio em qual deles Subaru acreditaria.

Sendo assim, ele queria que um deles negasse o que havia sido dito.

Heinkel: Tá difícil de se comunicarem agora? Claro que sim. Tá desse jeito já faz 14 anos. Nem você nem o pai mudaram em nada. Se não mudarem, é impossível uma reconciliação. Theresia van Astrea perdoaria uma relação egoísta assim?

Em meio ao silêncio, apenas se ouviam as profanas palavras de Heinkel.

A antiga Santa da Espada. Ela foi a esposa de Wilhelm, assim como a vó de Reinhard. E, para Heinkel…

Heinkel: Minha falecida mãe tá nos amaldiçoando. Três gerações e nenhum de nós foi perdoado.

Pai de Reinhard. Filho de Wilhelm.

Levando em conta as palavras de Heinkel e seu jeito de ser, Subaru deduziu corretamente sua origem.

Subaru: Heinkel van Astrea.

Ao testar o nome, ele percebeu que ecoava com um ar apropriado.

O homem em sua frente definitivamente tinha alguma conexão à Família Astrea. Mesmo com seu caráter sendo completamente diferente dos respeitáveis Astreas que Subaru conhecia.

Heinkel: Não coloque um “van” no meu nome, garoto. Não recebi essa honra. É só Heinkel Astrea.

Subaru: …?

Ao sentir a dúvida na voz de Subaru, Heinkel estalou sua língua e desviou o olhar.

Pela primeira vez desde que apareceu aqui, havia amargura em seu rosto de perfil. Seus olhos, que antes continham apenas alegria sadística enquanto insultava sua família, agora pareciam conter dor.

—Assim que ele começou a refletir sobre o que aconteceu, Subaru foi interrompido.

Emilia: Então… veio aqui atrás de quê?

Subaru: Emilia?

Todos estavam tremendo frente a atitude imperdoável de Heinkel. No entanto, a primeira pessoa a levantar-se e questioná-lo foi Emilia.

Emilia, com seus cabelos prateados flutuando atrás dela, levantou-se. Subaru, que estava ao seu lado, podia sentir a raiva que emanava dela.

Para Emilia, era impossível não sentir raiva por terem estragado aquela atmosfera agradável ou desta atitude rude.

Ela só ficava realmente com raiva quando se tratava dos sentimentos dos outros. E ela até estava ciente do quanto Reinhard e Wilhelm foram feridos.

Emilia: Nós estávamos tão felizes jantando. Estragou um momento tão pacífico como aquele intencionalmente, por que fez isso?

Heinkel: …Oh, que inesperado. Você não é a dona Emilia? Ouvi uns boatos seus. Uma pobre garota meio-bruxa que não tem chances de vencer, mas se esforça mesmo assim.

Emilia: Embora eu queira conversar com você algum dia e perguntar o que acha de mim, tudo que eu quero agora é que me responda. Por que veio aqui?

Ele estava tentando irritá-la com insultos? Subaru percebeu suas intenções e Heinkel, surpreso, ficou desapontado. Os membros das outras chapas também pareciam estar surpresos com o jeito calmo de Emilia.

Era uma diferença surpreendente se comparada à inocente Emilia de ontem. Mas dizer que ela estava se fingindo de inocente seria uma mentira. Esta era Emilia sendo honesta consigo mesma.

Emilia: O motivo por trás de estarmos reunidos aqui é porque fomos convidados pela Anastasia. É bem raro todos nós nos reunirmos no mesmo lugar, então não acho que você aleatoriamente invadiu tamanha oportunidade, mesmo sendo alguém importante para os cavaleiros. Por favor, me diga exatamente o que quer.

Heinkel: Tsk. Não é que nem os boatos diziam…

Emilia: Me responda.

Heinkel, que estava de novo coçando sua cabeça, foi abalado por Emilia o pressionando.

Embora Emilia estivesse com raiva, ela sob nenhuma circunstância estava preparando para atacar. A pressão que emanava dela não tinha nada a ver com magia. Era simplesmente a força de seus sentimentos.

Felt: Você entrou aqui com tanta confiança só pra amarelar quando uma garota te encara. Senhor, isso é bem vergonhoso.

Anastasia: Isso mesmo. Justamente quando eu estava ansiosa para compartilhar com todo mundo uma história divertida. Essa Cantora parece ser alguém bem extravagante, não parece interessante?

Crusch: É mesmo? Então eu apreciaria muito se este homem misterioso fosse embora, já que eu gostaria de falar destes boatos sobre a Cantora junto com todo mundo.

Heinkel: —hk

Depois de Emilia levantar a voz contra o homem, Felt, Anastasia e Crusch fizeram o mesmo.

Assim como Emilia, as três se juntaram a ela em opor Heinkel. Frente a pressão das quatro, o rosto de Heinkel não tinha opção a não ser contrair-se levemente.

Elas estavam em patamares completamente diferentes. Levando em conta seus títulos, sua posição era um tanto insignificante.

Julius: Sinto muito, vice-comandante. Se não há nada mais para fazer aqui, eu acho que, pelo bem de todos os envolvidos, você deveria ir embora.

A reação de Heinkel e a atitude das candidatas reais.

Julius determinou que este seria o momento certo para expulsar Heinkel. Subaru teria preferido esmagá-lo ali mesmo, mas mudou de ideia ao ver Reinhard e Wilhelm.

Ele não havia compreendido totalmente a situação, então não podia tirar conclusões precipitadas.

Heinkel: Grr…

Julius: Vice-comandande. Por favor tome uma decisão. Assim que o fizer, por favor…

Heinkel: Grr...! — Enquanto vocês estavam aqui de conversinha, fui atacado por um moleque de capuz no distrito 2! Vocês se consideram cavaleiros imperiais, permitindo que um sujeito daqueles vague por aí, perseguindo e atacando pessoas?!

O olhar de todos se tornou confuso e curioso. Parecia que Heinkel queria confrontar os cavaleiros de alguma forma para aliviar o estresse e a raiva que sentia. Subaru arqueou a sobrancelha e decidiu perguntar:

Subaru: Um moleque de capuz?

Heinkel: Exatamente! Enquanto eu vinha para cá, vi aquele que teve a audácia de me ameaçar!

Voltando um pouco no tempo, há alguns minutos, Heinkel explicava que estava comprando uma bebida no caminho para o Pavilhão Pluma d’Água. No entanto, algo o surpreendeu.

Inicialmente, era um vulto preto que cairia do alto de um prédio. Levou algum tempo para que Heinkel notasse a figura encapuzada de um garoto encurvado no chão de cascalho.

Heinkel: O que você pensa que está fazendo, moleque? Correndo por aí e vestido desse jeito, vai acabar causando problemas. E comigo aqui, a responsabilidade vai cair toda nos meus ombros!

A figura se levantou, sem dizer uma palavra. O capuz ocultava boa parte de seu rosto. Heinkel, não gostando de ser ignorado, caminhou até a pessoa misteriosa e disse:

Heinkel: Seu pirralho, está me ignorando? Você sabe quem diabos eu sou—

???: Você irrita. Cale a boca.

A figura se virou para Heinkel. Por um breve momento, o ruivo percebeu um rosto jovem de um garoto sério. Seus olhos eram carmesim e emitiam um brilho ameaçador. Uma mecha de cabelos brancos caía entre os olhos daquele rapaz. Heinkel sentiu-se completamente paralisado ao olhar nos olhos daquele estranho.

Heinkel estava com tanto medo que recuava alguns passos sem nem perceber. Sentia que aquele não era um garoto normal. Por fim, ao piscar os olhos uma vez, Heinkel notou que aquela figura desapareceu completamente. As pessoas nos arredores também pareciam assustadas e confusas. Não demorou para que viessem algumas pessoas relatar o ocorrido: uma pessoa de manto estava correndo por aí, perseguindo um homem por cima dos telhados...

Retornando ao presente, Heinkel concluiu:

Heinkel: Se não estivessem parados aqui, batendo papinho, e sim a serviço, tenho certeza de que esse moleque já teria sido pego. Qual a desculpa de vocês para isso?

Subaru: Você não tá mentindo, né, seu— ?!

Subaru imediatamente levantou a voz. Seu rosto demonstrava extrema urgência, e todos também pareciam entender de quem se tratava. Otto, Reinhard, Julius, Emilia e Wilhelm também esboçavam grande preocupação e urgência quanto à revelação. Porém, antes que Heinkel pudesse prosseguir...

???: —Não há necessidade disso, plebeu.

Era uma voz que cintilava com autoconfiança.

A pessoa a qual pertencia esta voz confiante, que conseguia abalar a vontade daqueles que a ouvem, parecia capaz de impor a sua superioridade sobre os outros onde quer que vá.

Capaz de deixar o senso comum de lado e estabelecer um novo conjunto de regras, regras estas que não permitiam quaisquer protestos ou objeções.

Todos os ocupantes da sala de chá olharam para a porta de correr próxima a Heinkel.

Todos estavam completamente cientes de que alguém estava prestes a aparecer ali. Heinkel já havia fugido de suas mentes há bastante tempo.

Um calor fervente como o Sol emanava do corredor.

???: Então todos já chegaram? Vocês prepararam um palco para a estreia de meu ser. Merecem elogios por tal atitude.

Um busto audaciosamente semi-exposto envolto por um vestido vermelho sangue, sua boca provocativamente oculta por um leque. Seus braços cruzados sob seu grande busto, o empurrando-o para cima em um gesto charmoso que ostentava sua pele branca.

Seus olhos vermelhos vivos lembravam faíscas de uma chama, um encantamento capaz de fascinar todos os homens do mundo.

Vê-la até mesmo uma única vez iria queimar sua violenta beleza nas memórias de alguém para sempre. Beleza em excesso se torna violenta. Sua existência provava isso.

Uma jovem mulher chamada Priscilla Barielle.

A quinta candidata da Seleção Real que não havia sido convidada.

Priscilla: Então é assim? Rostos entediantes em um ambiente sem vida. Vocês gostam deste ar estagnado? Ou será que toda vez em que nos encontramos tal atmosfera se forma? Se for este o caso, é deplorável.

Priscilla franziu as sobrancelhas enquanto olhava em volta do recinto e falava com um tom de voz provocativo, tudo enquanto se abanava com seu leque.

Devido à sua súbita aparição, ninguém foi capaz de revidar seus insultos.

Priscilla: Mas que recepção horrível. Me dei ao trabalho de abençoar este lugar com a graça de minha presença. Colocar suas testas contra o chão e tratar o meu ser com admiração e louvor é o esperado.

Subaru: …É assim que as pessoas tratam uma divindade. Não ia rolar a não ser que você virasse o rei.

Priscilla: Hmm?

Subaru não tinha escolha a não ser fazer um comentário sobre a arrogância de Priscilla. Ao ouvi-lo, Priscilla virou-se para ele, capturando Subaru em seu olhar vívido.

Subaru: O quê?

Priscilla: …Quem é você? De fato, ouvi que esta seria uma reunião de tolos que não sabem seus devidos lugares e irão competir pelo trono. Claro que trariam tolos que os apoiam. Mas por que um rude plebeu como você está aqui presente?

Subaru: Tá falando sério?

Subaru disse isso frente a hostilidade que recebeu.

As palavras de Priscilla não eram piadas nem zombarias. Assim dizendo, eram genuínas. Priscilla genuinamente esqueceu-se por completo da existência de Subaru.

Embora um ano já tenha se passado desde a última vez que se viram, a idiotice que Subaru fez na capital não deveria ser algo assim tão facilmente esquecido.

Embora seja correto dizer que isso era uma atitude bem “Priscillística”, não era uma particularmente agradável.

???: Princesa, tá exagerando um pouco, não acha? Não sei quanto valor você enxerga nele, mas pra mim ele é quase como um irmão. Ele é um oponente bem interessante, né?

Uma fraca voz cortou através da densa atmosfera.

Era uma voz meio hesitante e vinha acompanhada por um som de metal. Um homem de um só braço dizia palavras tranquilizantes enquanto vinha do corredor juntar-se a Priscilla.

Seu rosto estava coberto totalmente por um elmo, e seu físico sólido e indelicado dava a impressão de que ele era um homem forte. Ele era tanto um servo de Priscilla quanto um homem que, assim como Subaru, havia sido invocado de outro mundo.

E, claro, ele havia acompanhado sua mestra até aqui. Ele então se colocou entre Priscilla e Subaru.

Al: Ei, você se lembra, né? É meio difícil se esquecer de um cara que apareceu no meio do castelo, fez umas coisas idiotas e se envergonhou na frente de um monte de gente. É esse carinha aqui. Princesa até ficou com o estômago dolorido de tanto rir.

Priscilla: Não tenho quaisquer lembranças disto. A propósito, Al, o meu ser nunca que ficaria com dor por rir muito. Não desmereça tal honorável presença como um plebeu ordinário. Mesmo que seja você, não tolerarei na próxima vez. Irei cortar sua cabeça fora.

Al: Viu, irmão? Foi mal, não consegui fazer nada. Talvez se você trabalhar duro pra ser alguém melhor.

Subaru: Me dá um pouco mais de crédito pelo que eu fiz nesse último ano!

Al rapidamente desistiu de tentar fazer sua mestra lembrar e ao invés disso começou a se desculpar com Subaru, até curvando sua cabeça. Subaru suspirou, sentindo que Al não havia mudado nada neste último ano.

Se bem que, para alguém que parecia de meia-idade como o Al, passar por uma mudança perceptível seria praticamente impossível.

Heinkel: Você tá um pouco atrasada, dona Priscilla. Quanto tempo mais você ia me fazer ficar aqui sozinho? Ouvi dizerem que você devia ter chegado mais cedo…

Priscilla: Silêncio, plebeu. Você irá dançar se assim for ordenado. A não ser que eu dê uma ordem para parar, espera-se que dance até morrer. Aqueles que entendem errado seus deveres ou tentam corrigir um erro que acreditam que o meu ser cometeu são condenados à morte.

Heinkel: Urp…

Por outro lado, Heinkel, ao perceber que a atmosfera do recinto havia mudado, imediatamente virou-se para Priscilla, que estava parada atrás dele. No entanto, qualquer tipo de atitude para argumentar contra Priscilla se provava totalmente fútil.

Embora Heinkel tivesse ficado envergonhado por causa de Priscilla, que não cedia, Subaru ergueu seu olhar assim que ouviu a conversa deles.

Subaru: Priscilla. Você que trouxe esse cara?

Priscilla: Ouça, plebeu. Quem foi que permitiu que você ousasse falar o meu nome sem o seu devido honorífico? Nem mesmo o ser compassivo e generoso que sou, quando frente a alguém tão sem salvação como você, tem uma paciência inesgotável.

Al: Princesa.

Al brevemente a chamou assim que viu a brutalidade em seus olhos que encaravam Subaru. Então Priscilla fechou um de seus olhos e soltou um pequeno suspiro.

Priscilla: Não sei o porquê, mas meu servo parece ter gostado de você. Al, que salvou sua vida… não, não há por que agradecê-lo. Louve a misericórdia de meu ser. Se assim o fizer, lhe perdoarei.

Subaru: … Obrigado pela sua generosidade e consideração. Então, a resposta pra minha pergunta é…

Priscilla: Se está a pensar que o meu ser trouxe este plebeu aqui, então está correto. Ele está aqui porque o chamei

Subaru: Pra quê?!

Subaru levantou a voz contra a confiante Priscilla e questionou seus motivos.

Era penetra depois de penetra. Que tipo de conspiração estava sendo formulada ali, era o que Subaru precisava descobrir.

No entanto, em resposta à pergunta de Subaru, Priscilla simplesmente inclinou a cabeça e…

Priscilla: Talvez porque eu achei que seria interessante.

Subaru: …Seria interessante?

Priscilla: Isto mesmo. Disputas familiares distorcidas, ou as alegrias e mágoas que provêm de relacionamentos. Estes espetáculos horrendos são tão emocionantes. Na verdade, você viu? O Santo da Espada e o Demônio da Espada agiram de forma um tanto humana. Algo raro de se ver. É uma pena que perdi o bônus, seria interessante encontrar o criminoso que escapou de morte certa pelas mãos do Santo da Espada, cujo está perambulando por estas bandas... não é verdade?

Subaru: PRISCILLAA!

Esse ponto de vista cruel e distorcido enfureceu Subaru.

Como Priscilla disse, as disputas da família de Reinhard eram raramente vistas. E aquele oceano de amargura definitivamente era algo que deveria continuar assim.

Se Heinkel não tivesse aparecido, aquela história sombria nunca teria ido à tona. Mesmo assim, avô e neto estava tentando restaurar sua relação. Subaru se sentia até feliz pelo perrengue que Akashi momentaneamente fez Heinkel passar, e desejava que ele tivesse levado uma surra danada.

Tendo ele destruído isso—

Al: Pare, irmão. Não há motivo pra rolar uma briga aqui. O caráter ruim da Princesa não é uma coisa que tá aí faz só um ou dois dias. Pensa nisso como má sorte… como más estrelas, e tenta deixar isso pra lá.

Subaru: Se você sabe que sua mestra é assim então devia tentar botar ela no caminho certo. Só ficar satisfeito com o jeito que tá é irresponsável.

Al estendeu sua única mão em direção a Subaru, lentamente balançando sua cabeça.

Já que ele estava segurando o pulso de Subaru, caso algo repentino acontecesse, ele não seria capaz de reagir e sacar sua espada.

Em outras palavras, ele estava dizendo que não tinha quaisquer intenções de lutar.

Ao perceber isso, Subaru soltou um longo suspiro. Então olhou em volta e descobriu que foi o único que agiu de forma impulsiva.

As candidatas, até mesmo Julius e Felix não queriam dar início a nada.

Claro. Esta era uma reunião entre as candidatas ao trono. Ninguém queria cogitar a possibilidade de alguém sair machucado dali.

Subaru: Mas, mesmo nesse caso, não importa o quanto seus corações sofram…

Emilia: Subaru…

Os olhos oscilantes de Emilia chamaram Subaru, que estava submerso em sua fúria. Ao sentir sua manga sendo puxada, Subaru também sabia que Beatrice o estava apoiando.

Sentindo o apoio das duas, Subaru se sentiu incapaz de curvar sua cabeça.

Priscilla: Parece que a fúria do vira-lata se foi. O meu ser veio aqui hoje justamente para ver o rosto de vocês latindo feito cães. Agora que minha meta se cumpriu, não há mais nada para eu fazer aqui.

Anastasia: Mas que bela atitude essa. Mas tem um problema… mesmo eu não tendo te convidado, como você descobriu sobre esta reunião?

Priscilla parecia pronta para ir embora e seguir com sua agenda. No entanto, Anastasia aproveitou-se de uma oportunidade para interrompê-la

Embora o tom de voz de Anastasia seja gentil, ela estava vigilante.

Anastasia: Afinal de contas, se uma criança não consegue ficar de boca calada então não se pode permitir que ela saia por aí como bem entende.

Priscila: Não fale comigo com tal afetação, fará os ouvidos de meu ser apodrecerem. Consigo muito bem acompanhar o que uma raposa astuta diz.

Anastasia: Ora, ora. Então você não irá zombar de mim, me chamando de “plebeu”?

Priscilla: Se não viu o que deveria ter visto, então seu nível de ignorância a põe na mesma categoria que todos estes outros tolos. Será que você é tola o suficiente para querer que meu ser a ignore?

As duas estavam focadas em um duelo de palavras — no entanto, Priscilla pode ou não estar provocando intencionalmente a retórica de Anastasia.

Anastasia gentilmente acariciou o cachecol em seu pescoço.

Anastasia: Vazamento de informação é preocupante, você sabe.

Priscilla: Qualquer coisa que alcança os ouvidos de outra pessoa foi vazada por uma boca descuidada. E quanto mais se aprende, mais furos podem ser encontrados. Você não é a única que observa e ouve os outros com atenção. É este tipo de coisa.

Anastasia: Ah, é que, entenda, nunca achei que você fosse alguém que usaria por meios de espionagem para lidar com pessoas da nossa laia.

Priscilla: Um inseto alado fica a zumbir perto do ouvido de meu ser. Mas o que posso fazer sem saber onde está? Preciso capturar o inseto com meus olhos e ouvidos, o que é precisamente o que fiz. Claro, isto vale para nós duas.

O que Priscilla estava insinuando é que, assim como se lida com insetos voando por aí, não há por que ignorar o mínimo pedaço de informação.

Subaru tinha a mesma opinião que Anastasia. Era inconcebível que Priscilla havia realmente adotado as técnicas apropriadas e as colocou em prática contra as chapas inimigas.

E foi o resultado deste descuido que causou as condições horríveis de hoje.

Felt: Aquele cara é o pai do Reinhard, né?

Ignorando a conversa até o momento, uma voz deselegante mudou de assunto.

Seu olhar passando por todo o recinto, Felt, ainda comendo e com sua boca suja de molho, foi de encontro com o olhar de Priscilla.

Felt: Afinal de contas, eu passei por umas coisas na capital, então eu entendi pela conversa o que tá rolando. Não estou realmente interessada nos relacionamentos familiares desse cara. Mas, se aquele cara e o Reinhard têm alguma ligação, aí já é outra história.

Priscilla: …Hoo. Se não é a garotinha da favela.

Felt: Mesmo que eu não ligue muito pra ele, não quer dizer que não tenho nada a ver com ele. As terras dos Astreas são na verdade vitais para nós. O problema é que esse cara não deu as terras de fato ao Reinhard. O poder da família ainda tá nas mãos daquele homem.

Ao lado de Felt, as bochechas de Reinhard enrijeceram levemente. Subaru compreendeu a preocupação de Felt.

Por ser uma órfã, Felt não tinha nada em seu nome e estava no momento usando as terras de Reinhard como base, onde, pouco a pouco, ela ia conseguindo apoio.

No entanto, estas terras não eram dela. Pertenciam aos Astreas e foram emprestadas a ela por Reinhard.

O problema é que estas terras também não eram de Reinhard. Ele também as havia pego emprestado.

Heinkel: Heh. Parece que você finalmente percebeu a seriedade da situação, idiota.

Heinkel, com uma expressão orgulhosa, intrometeu-se na conversa das duas, rindo dizendo “Bem como eu esperava”. Parecia que ele estava esperando o foco do assunto retornar para Reinhard e Felt.

Heinkel: É isso aí. O chefe da Família Astrea ainda sou eu. Não passei a posição para o Reinhard e nem planejo passar. Afinal de contas, não devo deixar o complexo mundo da política incomodar o nosso ocupado Santo da Espada.

Felt: Como o chefe da família, você deveria se envergonhar. Quando nós fomos para o território Astrea, apenas um bocado de funcionários públicos e servos estavam feito loucos tentando manter o lugar de pé. Agora que estamos consertando o que você fez, você ousa querer voltar a reiná-lo?

Heinkel: Mesmo se for só no nome, mesmo se for irresponsável, o chefe da família ainda sou eu. Além do mais, as minhas terras não começaram a melhorar? As pessoas devem estar implorando pelo apoio de seu lorde agora. Meu povo me ama tanto, estou comovido à beira das lágrimas.

Heinkel zombava impiedosamente de Felt, que tentava engolir sua raiva.

Em resposta a estas vis e intoxicantes palavras, a visão de Subaru começou a se enbranquecer de raiva. O cômodo estava repleto de raiva por causa desta visão repulsiva.

Estava claro agora. Este homem era totalmente anormal.

Heinkel: O seu senso de perigo tá certo, mestra do Reinhard. As terras dos Astreas são minhas. No entanto, nunca vou te apoiar. Dá pra ver claramente quem estou apoiando!

Heinkel agia como se estivesse em um palco à espera de aplausos. Ele gesticulou para Priscilla, uma declaração óbvia de que apoiaria uma candidata diferente das que seu filho e pai estão apoiando.

Heinkel: Ouvi falar de suas conquistas neste último ano, em meu lugar, o lorde. Além de fizer que é um grande feito, também direi que — é hora de vocês aproveitarem a sua deixa. Se me entendeu, vai rápido e me devolve…

Priscilla: Ei, plebeu.

Heinkel: —Ahh? O que foi, dona Priscilla? Estou fazendo algo muito importante no momento.

Priscilla: Cale a boca.

A violência que se seguiu era só vendo para crer.

Logo após ela terminar de falar, Priscilla brandiu seu leque em direção a ele, que arregalou seus olhos. O leque acertou em cheio o topo da cabeça de Heinkel, que foi então jogado com força contra o chão.

Os olhos de Heinkel ficaram brancos por ele ter perdido a consciência após o impacto. Mas Priscilla não parou por aí.

Ela então chutou para cima seu corpo que estava estirado no chão e prontamente preparou sua mão para ir de encontro com o corpo dele.

Al: Princesa, controle sua raiva. Ou ele vai acabar morrendo.

Priscilla foi interrompida por Al antes que pudesse dar o golpe final com seu braço, ele havia previsto seu descontrole. Priscilla então virou-se para seu servo.

Uma espada escarlate havia aparecido na mão que estava sendo segurada. Ela possuía uma curva com um estilo ocidental e uma lâmina estreita, mas que continha chamas onduladas. Mesmo à primeira vista era uma espada fora do comum, tendo até mesmo se materializado e desmaterializado em um piscar de olhos na mão de Priscilla.

Ao ver isso isso, Al lentamente soltou o pulso de Priscilla.

Al: Nossa, poupe minha vida. Você até sacou sua Espada Yang, isso com certeza não faz bem pro meu coraç—gah!

Priscilla: Isto foi bastante rude, Al. Quem foi que te deu a permissão de ousar tocar a pele perfeita de meu ser? Você conquistou meu favor por um mero capricho, profanar o corpo de meu ser é um sonho dentro de um sonho.

Priscilla deu um tapa no estômago de Al usando sua mão que acabou de ser liberta. Ela expeliu ar pelo seu nariz audivelmente e então olhou para o lamentável Heinkel que se contorcia no chão.

Seus olhos tinham uma aparência brutal enquanto o olhava no chão.

Priscilla: No entanto, há um pingo de verdade ao que disse. Matá-lo seria ir longe demais.

Al: Se acha assim… então espero que seja mais gentil comigo no futuro, gah.

Priscilla: Calado. Não sou um demônio. Como recompensa, permitirei que lamba os pés de meu ser mais tarde.

Al: Não diga desse jeito! Faz parecer que eu tenho uma tara por isso! Vai causar uns mal-entendidos!

Al, que havia caído de joelhos após o golpe, tentou desesperadamente se defender, mas Priscilla o ignorou. Ela olhou para Heinkel com seus olhos cor de sangue, tendo se acalmado por hora, e estalou seus dedos.

Priscilla: Schult. Tire o plebeu daqui. Embora desinteressante, ele aparentemente ainda tem seu valor. Levando em conta o que foi preciso para aquilo, desistir dele seria lamentável.

Schult: Sim, dona Priscilla.

Respondendo o chamado, outra silhueta emergiu do corredor.

Pelo visto uma criança, há vários anos de alcançar a vida adulta, estava aguardando lá.

Ele tinha cachos de cabelo rosados e macios, uma silhueta magra e feminina, um rosto bem definido e uma voz aguda que indicava como não havia alcançado a puberdade ainda. Ver uma criança tão imatura vestida como mordomo não parecia ético.

Um garoto que, se fosse para se basear apenas nas aparências, parecia ser da mesma idade de Beatrice.

Schult: Perdão, senhor Heinkel.

Após se desculpar a Heinkel, que estava inconsciente, Schult agarrou seus pés e começou a puxá-lo para fora com dificuldade. Claro, não era muito sensato esperar que uma criança pudesse carregar Heinkel para fora. Mas Schult não reclamou da ordem de Priscilla, ao mesmo tempo que tratava Heinkel com uma atitude respeitosa.

Al: Schult sempre tenta ser forte e corajoso, não importa que tipo de ordem ele receba. Princesa tem que lembrar de elogiar ele mais tarde.

Priscilla: Naturalmente. Ele está empregado a mim e serve ao meu ser de corpo e alma. E não sou sem coração ao ponto de não o recompensar. Permitirei que ele lamba os pés de meu ser mais tarde também.

Al: Schult não ia perceber que você tá brincando e ia fazer exatamente isso chorando. Por favor dá pra ele uma recompensa mais normal.

Priscilla: …Bem. Então talvez darei a ele a honra de ficar nos braços de meu ser enquanto durmo.

Al: Bem, não vejo problema. Mas agora eu queria tá no lugar dele.

Este era o diálogo letárgico entre Priscilla e Al enquanto viam Schult e Heinkel sair.

Finalmente todos os forasteiros haviam sido removidos. Agora apenas os membros das chapas da Seleção Real permaneceram.

Felt: Então, o que vai acontecer com aquele cara? Você realmente quer expulsar a gente do território dos Astreas para enfraquecer a gente?

Priscilla: Não trate as palavras daquele plebeu com tamanha gravidade. Você não foi responsável pela revitalização daquelas terras? Se o lorde regressar ao lugar planejando expulsá-los, quem irá apoiá-lo? Mesmo que as pessoas sejam tolas e ignorantes, elas não são idiotas ingratos e sem coração. Se você fizer uma grande onda, uma igualmente grande voltará a você. Ele não será capaz de um fazer uma única onda.

Felt: …Então por que você trouxe aquele cara?

Priscilla: Já disse o porquê, não disse? Achei a situação interessante. Mais cedo ou mais tarde, tudo que quero estará nas mãos de meu ser. Este é um fato concretizado. Neste caso, apenas o caminho que trilho irá variar. E tal caminho é decidido por mim. No final, trouxe ele aqui como um brinquedo para passar o tempo.

Não importa o que aconteça o resultado é imutável.

A confiança absoluta de Priscilla transcendia o senso comum e forçava a sua vontade sobre o mundo de forma irracional. O único jeito de lidar com ela seria desistindo e se curvando ou batendo de frente com uma atitude parecida. E então…

Aqui, quatro candidatas foram de encontro com seu olhar sem hesitação expressando oposição. Aceitando estes olhares, Priscilla soltou uma risada alegre e com vontade.

Priscilla: Excelente. O resultado já foi decidido, mas minha jornada naturalmente terá sua cota de emoção. O meu ser decidiu que todos são mais que simples plebeus. E, assim que vocês se tornarem dignos de serem meus oponentes… o meu ser irá definitivamente recebê-las com o que tenho de melhor.

Vocês ainda não são dignos de serem meus inimigos, era o julgamento que Priscilla acabara de fazer.

Não, ela havia dito isso há muito tempo. Ela ainda tratava Emilia como um inseto. Ela não pensava nem um pouco nelas como inimigas.

Então…

Felt: Vou me certificar de fazer você chorar e se arrepender dessa arrogância.

A declaração de Felt era exatamente a intenção de todos os ocupantes do cômodo.

—A este ponto, não seria possível recuperar o clima original do encontro.

Após ouvir as duras palavras de Felt, Priscilla, satisfeita, deixou o hotel, enquanto arrastava Al. Provavelmente, ela estava feliz, uma vez que já tinha cumprido seus objetivos no hotel.

Considerando o dano que ela causou, ela era realmente egoísta.

Aos poucos, todos voltaram a comer suas refeições, incapazes de conversar alegremente como antes.

O impacto que ela deixou foi incrivelmente doloroso para todos os presentes. Em particular, os sentimentos tanto de Reinhard quanto de Wilhelm, que certamente foi algo que ninguém de fora imaginaria.

Mesmo assim, nenhum deles deixou a ansiedade transparecer em suas emoções.

É claro, a eminente reconciliação entre avó e neto foi inevitavelmente adiada, o que foi suficiente para formar um forte nó no coração de Subaru, aquilo definitivamente o incomodava, e aquela informação... Heinkel e Priscilla basicamente revelaram algo que estava sendo uma pulga atrás da orelha para Subaru e companhia até um dia atrás...

Otto: Nós tivemos muita sorte que Garfiel não estava presente.

Subaru: Tem razão, mas... saber que o Akashi está por aqui... realmente não sei como agir agora.

Reinhard: Se for preciso, posso procurar por ele. Se as pessoas o viram, podem nos informar de onde encontrá-lo.

Subaru: Nesse caso, eu vou junto. Aquele garotinho precisa levar uns puxões de orelha por tudo que andou aprontando.

Enquanto Subaru e Reinhard falavam, Emilia levantou uma de suas mãos e começou a falar,

Emilia: Sinto muito, mas... sobre esse assunto, não acham estranho que Akashi não nos procurou nem na mansão, e muito menos apareceu por aqui?

Subaru: Emilia-tan?

Emilia: É que... ele sequer entrou em contato conosco durante esse período, e como não retornou para a mansão quando foi enviado e agora está em Pristella... será que, de algum modo, ele sabe que estamos aqui e está nos evitando?

Otto: E onde a dona Emilia quer chegar com isso?

Emilia encolheu os ombros, abaixando a cabeça com uma expressão triste em seu rosto, ela respondeu com um tom que transpareceu seus sentimentos...

Emilia: Talvez não devêssemos ir atrás dele. Por que Akashi não quer nos ver? Não sei se há algum motivo, ou se ele simplesmente desistiu da gente, mas sinto que ele não quer ser encontrado...

Subaru: Sendo assim, é aí que vamos atrás dele mesmo. Ele gostando ou não, vamos arrancar todas as respostas daquele cara.

Otto: Se eu acabar me deparando com ele no meu caminho, posso tentar falar com ele ou mandá-lo para cá.

Crusch: Caso Wilhelm, Felix ou eu nos encontremos com alguém que bata com as descrições dadas anteriormente, podem contar conosco para fazer o mesmo.

Crusch e Felix fitavam Wilhelm, que estava com uma expressão neutra pelo que ocorreu envolvendo Heinkel e as informações de que Akashi estava por Priestella. Ambos imaginavam que ele estivesse chocado com o fato de Akashi estar vivo, mas o velho homem sabia da verdade há tempos, e por isso nada disso foi um choque.

Após a refeição, essas foram as últimas palavras antes de Otto partir para a Câmara de Comercio da Companhia Muse.

Como ele havia dito, seria problemático se Garfiel ou outra pessoa com tendências raivosas estivesse presente na refeição. Não era difícil de imaginar Garfiel partindo para cima de Heinkel, causando uma tragédia violenta.

Todos presentes no café da manhã, em sua maioria pelo menos, eram pessoas calmas e racionais. Possivelmente Priscilla tenha levado isso em conta, seria ainda mais satisfatório.

Subaru Ainda sim... eu quero entender, como isso foi possível?! Foi uma coincidência mesmo entre as coincidências…

A sua sorte, de que Priscilla se gabava tanto, era além do impossível. Ela tinha conseguido alcançar os piores resultados possíveis durante a refeição. Embora fosse difícil de admitir, a preocupação de Emilia e Beatrice foi indiscutivelmente maior que qualquer tipo de indignação que Subaru sentiu.

Até mesmo Felt agiu de forma racional, Subaru foi o único que se deixou levar pelas emoções. Ele queria se desculpar por sua falta de consideração, tanto com seus amigos quanto com seus inimigos.

Emilia e Beatrice voltaram a seus quartos para dar uma descansada, antes de acompanhar Subaru em sua caminhada.

Subaru tentou aproveitar esse tempo para se livrar de sua frustração, seus passos estavam mais agitados que o normal. Como se fosse um reflexo da sua frustração. Pensando cada vez mais, Subaru aplicava cada vez mais e mais pressão em seus passos, tentando aliviar seus sentimentos, até que…

Julius: Não pise tão forte no chão, Subaru. Você vai causar problemas para os funcionários do hotel.

Subaru, que estava olhando fixamente para seus pés, envolto em pensamentos, voltou-se para o som.

Sem perceber, ele havia entrado no corredor que dava de encontro ao pátio, e lá estava Julius parado enquanto era banhado pelo vento.

Sua mão tocava seu cabelo roxo, aparentemente em um gesto habitual, enquanto ele aproveitava a brisa fria, fazendo uma pose bem dramática. Como sempre, o rosto bonito de Julius inspirava inveja em Subaru, que apenas mordeu a língua antes de sentar-se ao lado dele no corredor.

Julius: A dona Emilia e dona Beatrice não estão com você, correto?

Subaru: Exatamente. Nenhuma delas são criancinhas, elas querem um pouco de privacidade, eu tenho a delicadeza de respeitar esse direito. Já marquei uma hora e um local para um encontro mais tarde, quem sabe não acabo achando o nosso fujão no caminho?

Julius: Embora eu não esteja familiarizado com algumas das palavras que você usou, parece que você aprendeu a entender melhor o pensamento dos outros.

Subaru: Ugh, você…

Ignorando as formalidades, Julius foi o primeiro a falar de maneira a instigar uma discussão. No entanto, após ver a expressão de Julius, a raiva de Subaru desapareceu. Julius balançou levemente a cabeça.

Julius: Peço desculpas. Se você realmente fosse incapaz de ter consideração pelos outros, você não teria levantado a voz para o vice comandante na frente de todos… Devo-lhe oferecer minha gratidão.

Subaru: Isso soa como um “obrigado”, mas por favor, não me agradeça. Aquele cara parece simplesmente ser aquele tipo de pessoa que ninguém gosta, mas mesmo assim… todos mantiveram a calma. Só eu que me descontrolei, devo ter agido de forma horrível…

Julius: De forma alguma. Foi graças à sua maneira precipitada de agir que os outros puderam manter a calma, me incluindo. Parece que suas ações impulsivas realmente foram úteis.

Subaru: Você…você não veio aqui pra me bajular, certo?

Subaru franziu a testa, estranhando a forma genuína como Julius falava. Julius sempre provoca Subaru de forma sutil enquanto eles conversam, Subaru também fazia a mesma coisa, então Julius não era necessariamente culpado. De qualquer forma, era quase impossível ambos conversarem de forma genuína.

Subaru: Eu sei, eu sei, eu deveria ter mantido a calma, agido como um cavaleiro faria. Mesmo com o título de cavaleiro, eu ainda não consigo manter a cabeça fria, mesmo sendo algo básico ensinado desde o fundamental.

Julius: Você está certo, de fato, da perspectiva de um cavaleiro, seu comportamento não foi de forma alguma correto. Entretanto…

Julius ficou em silencio, enquanto olhava para Subaru, que estava claramente desconfortável. Sua próxima ação fez os olhos de Subaru se arregalarem de surpresa.

Subaru: O quê… o que você está fazendo?

Julius: Exatamente o que você vê.

Subaru: Mas… o que aparenta é que você está se curvando…

Julius se abaixou, inclinando a cabeça para Subaru. Aquela não era uma cortesia, nem um ritual cerimonial, não se tratava de nenhum tipo de formalidade. Definitivamente não era algo que Julius faria.

Julius: Obrigado. Muito obrigado por mostrar a indignação que eu não pude.

Subaru: Eu não tenho a menor ideia do que você tá falando…

Julius: Valorizar a honra de um cavaleiro, significa agir sempre de forma virtuosa, independente da ocasião. Mesmo se seu amigo esteja sendo desprezado, mesmo se seu amigo esteja sendo ameaçado com palavras desumanas, você não pode agir de acordo com seus sentimentos. Mas… você é diferente, você não age dessa forma.

Mantendo sua postura, Julius continuava agradecendo Subaru repetidamente. Ele apenas se sentia perplexo, aquela era uma reação inesperada da parte de Julius.

Julius: Preso nesse impasse… escolher entre meu título de cavaleiro e as minhas emoções, rapidamente decidi suprimir a minha raiva. Mas, vendo suas palavras tão determinadas, senti vergonha de mim mesmo. Então, eu decidi vim lhe agradecer.

Subaru: Em vez de desabafar e liberar sua raiva, huh…

Subaru murmurou algumas palavras de compreensão, enquanto Julius finalmente ergueu os olhos.

Com uma única frase, Julius revelou seus verdadeiros sentimentos, que se refletiam em seu olhar. Vendo-o, Subaru não pôde deixar de resmungar.

Subaru: Que coisas estupidas você acabou de dizer. Sério, pare com essas bobagens.

Julius: Pare com essas bobagens…

Subaru: É claro. Por que outra pessoa ficaria com raiva em meu lugar? Eu só tava irritado porque aquele cara me tirou do sério, não é como se eu tivesse irritado com aquele velho barbudo em nome de outra pessoa. Eu também nem seria capaz de fazer algo tão inteligente como expressar a raiva de outra pessoa.

Estes foram os pensamentos sinceros que Subaru disse a Julius.

Subaru não considerava a sua raiva como algum tipo de indignação nobre. Afinal, apenas Reinhard e Wilhelm podiam entender seus próprios sentimentos. Subaru era apenas um estranho que havia se irritado pois a atmosfera calma e pacifica tinha sido comprometida. Sua raiva era puramente para seu próprio bem.

Subaru: Se você estava com raiva, então por que não disse nada? Eu não conseguiria lidar de forma calma com aquele velho barbudo por conta própria, mas se você tivesse me ajudado, então talvez…

Julius: Não adianta, ele é o vice comandante, ter ele como inimigo seria bem problemático.

Subaru: Isso não tem nada a ver com as posições que vocês ocupam. “Não adianta”, não seja tão mente fechada, seja mais flexível. Você só fica pensando toda hora em se comportar como um cavaleiro, agir como um cavaleiro, ou qualquer coisa do tipo. Até mesmo seu coração tá preso em uma armadura de cavaleiro? Pelo o que ele contou do Akashi, e imaginando como ele seria mesmo como um cavaleiro, eu tenho certeza de que aquele Heinkel não iria conseguir encolerar o cara que teve coragem de atacar o Roswaal várias vezes, mesmo sendo seu mestre que estava fazendo coisas erradas e injustas.

Diante de um Julius silencioso, Subaru colocou os cotovelos sobre os joelhos enquanto apoiava seu rosto sobre as mãos. Ele suspirou, foi uma discussão boba e estupida! Subaru não só rejeitou a gratidão de Julius, mas também ficou irritado com ele. Lembrou-se de Heinkel e do incidente, apenas o deixou com mais raiva.

Julius: "Até meu coração está preso em uma armadura de cavaleiro…" ah, isso é muito duro de se ouvir…

Subaru: Embora eu ache que minhas palavras foram bem artísticas, só ignora, eu só tava zoando.

Julius: Não, levarei isso em conta. Estou feliz por ter aprendido uma lição de você. Isso é algo que nem teria passado pela minha cabeça há um ano.

Subaru: Aquela situação constrangedora já ficou para trás, mas ainda assim, eu ainda tenho pesadelos…

Às vezes, ele ainda sonhava sobre o que aconteceu no campo de treinamento dos cavaleiros, mais especificamente sobre seu duelo com Julius e as consequências. Embora o sofrimento físico que ele sofreu na época fosse doloroso de se lembrar, o sofrimento mental e emocional foi ainda maior e ainda mais doloroso de se lembrar, a culpa que ele sentiu por ver como Julius derrubou Akashi, que tentou salvar Subaru, o faziam se sentir péssimo. As memorias de sua própria incompetência estavam gravadas em sua cabeça e, de tempos em tempos, elas se repetiam em sua mente como um filme. Embora seus pesadelos não fossem somente por causa desse duelo, ainda assim, era algo capaz de rivalizar com as memorias de várias de suas mortes.

Julius: Se for possível, eu preferiria que você parasse com isso. Só de pensar em encontrá-lo nos seus sonhos todas as noites… é bem desagradável.

Subaru: Isso é engraçado vindo do culpado… Você já parou pra pensar que eu gostaria que meus sonhos fossem apenas comigo e com Emilia-tan?

Julius: Então você tem que recorrer aos sonhos para ter a chance de conquista-la, ao invés de utilizar sua própria capacidade. Isso é bem a sua cara.

Subaru: Maldito! Não me trate como lixo depois de me elogiar. Além disso, olha só quem tá falando!

Julius: A dona Anastasia é uma mulher adorável. Não há honra maior do que poder a servir de perto. Naturalmente, eu fico muito feliz com a minha posição.

Ouvindo a resposta calma de Julius, Subaru apenas resmungou. O clima desconfortável desapareceu junto com a reverencia de Julius, ele havia retomado a seu comportamento habitual. Subaru franziu a testa, ainda um pouco desconfortável, ele então tossiu, tentando mudar o rumo da conversa.

Subaru: Sobre aquele velho barbudo… ele disse que ele era o vice comandante ou o que quer que seja, isso é verdade?

Julius: É compreensível que você duvide, mas de fato, é verdade. Aquele homem é o vice comandante dos cavaleiros do Reino de Lugunica, Heinkel Astrea.

Subaru: Por acaso eles são cegos? Surdos? Ou só são doentes da cabeça mesmo?

Julius: Você realmente questiona tudo. É claro, nenhum dos cavaleiros ou escudeiros do alto escalão podem questionar as qualificações do vice comandante. Na verdade, este título serve mais como uma condecoração, e ninguém o viu cumprir com sua posição.

Julius respondeu enquanto balançava a cabeça, a imaginação de Subaru começou a imaginar como seria a imagem de um oficial de alta patente.

Receber recompensas incríveis enquanto se esquiva de qualquer responsabilidade realmente importante, — era assim como Subaru imaginava a maior parte dos oficias de alta patente, e sem dúvidas este era o caso de Heinkel. As pessoas a sua volta certamente sabiam da sua incompetência e de seu comportamento.

Subaru: Será que ele tá tirando vantagem do seu status de “pai do Santo da Espada”?

Julius: … isso não é… isso não é tudo. Assumir a posição de vice comandante não é algo que passaria despercebido pelo seu filho, Reinhard. Embora o senso de justiça e a imparcialidade de Reinhard sejam mundialmente aceitas, o cenário muda quando se trata da sua própria família, nem todo mundo confiaria nele.

Subaru: Eu não acho que Reinhard esteja disposto a quebrar seu código moral pelo seu pai.

Julius: Mesmo assim, ele ainda é o pai de Reinhard. Não importa o que os outros pensem, para Reinhard, ele é sem dúvidas um membro de sua família, alguém que compartilha do seu sangue. Ninguém sabe exatamente o que ele pensa.

Julius falou calmamente, com o intuito de tranquilizar Subaru. Rangendo seus dentes, Subaru rosnou irritado.

Como Julius havia dito, não importa o quão medíocre ele seja, ele ainda era o pai de Reinhard, o que significava que apenas o próprio Reinhard poderia decidir se renunciaria ou não do seu relacionamento com ele.

Como um cavaleiro que valoriza a justiça, ele não deveria deixar-se enganar pelos sentimentos que possui pelo pai. Mesmo assim, romper um relacionamento desses não seria fácil. Quando se apenas observa a situação do lado de fora, não é difícil se posicionar de forma rígida sobre o que Reinhard deveria ou não fazer, mas fazer isso seria incrivelmente arrogante.

Subaru: “Isso não é tudo”, você disse, então quais seriam as outras razões? O que mais poderia…

Julius: Ele também é o chefe da Casa Astrea e filho do senhor Wilhelm. Ele é parente não só do melhor cavaleiro de Lugunica, mas também do Santo da Espada anterior. Não lhe conceder uma posição de alta patente seria quase como traição, isso certamente deve ser levado em consideração.

Esta foi a resposta breve e sem emoção de Julius. Ouvindo-a, Subaru precisou apenas de alguns segundos para entender as implicações por trás dela.

Subaru: Esse país! Seja Reinhard ou Wilhelm! Isso é inacreditável! Acreditar que se Heinkel guardasse rancor do país então automaticamente toda a família Astrea também… Tratando-os com cuidado, como se fosse uma bomba relógio, se for assim… Isso não seria um insulto a Reinhard e Wilhelm?!

Ambos eram pessoas honradas, mas ainda assim o país acreditava que eles seriam capazes de traição…

A raiva que Subaru sentiu naquele momento se equiparava com a raiva que ele sentiu no momento em que encarou Heinkel. Julius balançou a cabeça e deu um tapinha no ombro de Subaru.

Julius: Sua raiva é justificável. Entretanto, o reino deve estar preparado para qualquer possiblidade.

Subaru: Não se trata de possibilidade! Esse é o tipo de coisa que claramente, obviamente, nunca vai acontecer!

Julius: … O senhor Wilhelm é o ex-comandante dos cavaleiros de Lugunica.

Subaru: Huh?!

Subaru, inconscientemente parou de mover-se ao ouvir estas palavras.

Julius: Há quatorze anos, um membro da família real foi sequestrado na capital, naquela época, Wilhelm que liderava os guardas, foi encarregado da busca.

Subaru: O que tem demais nisso? Até eu conheço eventos famosos como esse.

Felt era aquela pessoa da família real que havia sido sequestrada ainda quando criança, esse boato espalhou-se por toda parte. Subaru, que já tinha descartado aquele boato, não entendeu o significado das palavras de Julius.

Subaru: Eu sei que a tal criança da família real nunca foi encontrada. Mas e daí? O Wilhelm assumiu a responsabilidade e renunciou ao cargo de cavaleiro, então é por isso que ele teoricamente odiaria o reino? Mas então…

Julius: Naquela época, a ex-Santa da Espada foi mandado em uma expedição para subjugar a baleia branca—justamente na época em que Wilhelm foi enviado para procurar o sequestrador.

Pensando sobre as palavras de Julius, Subaru mergulhou em meio aos seus pensamentos. Algo que Wilhelm certa vez havia dito parecia ser capaz de preencher esta lacuna. Wilhelm disse que não estava ao lado de sua esposa quando ela morreu.

Subaru: Por causa da investigação ele não pôde estar ao lado de sua esposa quando ela morreu… então por isso Wilhelm acabaria odiando o reino, ou algo assim…

Julius: Eu não sei qual era a verdadeira intenção do senhor Wilhelm, entretanto, após a falha em encontrar o membro perdido da família real e após o fracasso na subjugação da baleia branca, o senhor Wilhelm retirou-se da posição de comandante dos guardas. Se não fosse pelo mestre Marcus para assumir a liderança e reorganizar os cavaleiros, a situação teria ficado complicada.

Subaru: Eu não dou a mínima! Eu tô tentando falar sobre o Wilhem! Você… Você realmente acredita nisso?! Que Wilhelm guardaria rancor de todos por causa de sua esposa?! Isso… isso é…!

Rebelar-se contra todos apenas por causa do seu próprio ressentimento. Era realmente o que eles pensavam de Wilhelm Van Astrea? Por que… alguém que estava tão profundamente apaixonado e disposto a desistir de tudo pelo amor… como alguém seria capaz de pensar que Wilhelm faria isso? Eles realmente nunca o olharam nos olhos… e viram como ele é uma pessoa admirável? Será que eles não conheciam a verdadeira natureza do Demônio da Espada?

Subaru: Ele nunca faria algo assim! Por que diabos ninguém entende?!

Subaru tirou a mão de Julius de seu ombro e o empurrou pelo peito, ele então se levantou enquanto olhava para Julius. Os olhos amarelos de Julius quase pareciam admirar a raiva de Subaru. Ele então entendeu, Subaru entendeu que não fazia sentido direcionar sua raiva a Julius, suas palavras não refletiam seu ponto de vista, a forma como Julius agia deixava isto evidente. Afinal, há um ano, depois da derrota da baleia branca, Julius confortou Wilhelm, que havia passado os últimos quatorze anos tentando vingar sua esposa. Não havia dúvidas que ele não suspeitava que Wilhelm iria se rebelar contra o reino.

Subaru: Desculpa… Eu fui idiota.

Julius: Não, não se desculpe. Você tem o direito de ficar tão irritado. Eu que estou errado, se alguém deveria se desculpar, esse alguém sou eu.

Olhando para baixo, ambos fecharam seus olhos, ambos sentiam um peso insuportável. A impotência de não poder fazer nada acerca da situação de Wilhelm os incomodava bastante.

Subaru: Então… Reinhard tá na mesma situação?

Julius: Pela mesma lógica, Reinhard supostamente teria ressentimento do reino por terem enviado Theresia na missão de subjugação da baleia branca, matando assim sua avó, mas esse não é o caso.

Subaru: Então…

Julius: No entanto, o reino não duvida que Reinhard não queira se rebelar. As suspeitas vão para o senhor Heinkel.

Ao ouvir o nome do pai de Reinhard, os olhos de Subaru se arregalaram. Qualquer conversa que envolvesse aquele nome seria simplesmente desagradável, Subaru definitivamente nem queria ouvir sobre Heinkel. No entanto, ele não tinha escolha, ele não podia simplesmente tapar seus ouvidos e ignorar.

Subaru: Como é o relacionamento de Reinhard com seu pai? Além da relação de sangue, claro.

Julius: Houve uma época em que Reinhard obedecia Heinkel de forma total e absoluta. Pode parecer natural, uma vez que se trata de uma relação entre pai e filho, mas… estava ultrapassando os limites do que deveria ser.

Julius desviou os olhos de Subaru, como se falasse com um peso.

O relacionamento deles “ultrapassou os limites” de um relacionamento normal de pai e filho. Aquelas palavras eram vagas, vagas o suficiente para Subaru não entender o real significado. Julius voltou seu olhar para Subaru, ele não parecia querer entrar em detalhes sobre esse assunto.

Julius: À medida que Reinhard crescia e se tornava mais independente, essa atitude possivelmente desapareceu. Mas, não se sabe se Reinhard ainda obedeceria ou não as palavras de Heinkel, essa dúvida não pode ser respondida.

Subaru: Então… para evitar que Heinkel desse a ordem para que Reinhard se rebelasse contra o reino, Heinkel foi favorecido, certo?

Julius: Talvez seja ainda pior. Embora isso seja apenas um boato, vou lhe contar, afinal, você é amigo de Reinhard e sentiu raiva por ele.

Julius olhou em volta, certificando-se que ninguém estava bisbilhotando, ele então se aproximou de Subaru, e disse:

Julius: O vice comandante era um suspeito na investigação do sequestro do membro da família real há quatorze anos.

Subaru: ——!?

Julius: Não tem nenhuma prova concreta. Entretanto, ele foi supostamente questionando sobre o seu suposto envolvimento.

Subaru: Se isso for verdade, então o sequestro foi…

Julius: A verdade por trás disso não é mais relevante. O problema agora é uma pessoa tão suspeita ocupando uma das maiores posições no reino.

A benção gloriosa que acompanha o título de Santo da Espada… no entanto, à medida que a situação se tornava cada vez mais clara, Subaru começou a se questionar se realmente se tratava de uma benção, parecia mais uma maldição.

Subaru: Mas, se ele está mesmo relacionado com o sequestro, então foi por causa dele que Wilhelm e Theresia não puderam se encontrar uma última vez.

Julius: Isso não é tudo… Eu também ouvi que o senhor Heinkel foi quem sugeriu que a dona Theresia, que já havia abandonado o caminho da espada, tomasse seu lugar na subjugação contra a baleia branca.

Subaru: Ele realmente mandou a própria mãe pra lutar com a baleia branca?!

Julius: Há um registro bem preciso disso, o vice comandante se recusou a participar da batalha contra a baleia branca, recomendando que a própria mãe participasse da batalha.

Completamente sem palavras, Subaru não foi capaz de formular uma resposta.

Ao contrário do boato sem fundamento que Julius havia citado, o que Julius tinha acabado de falar era sustentado por evidencias concretas. Registros e testemunhas… aquilo era de fato real. Heinkel mandou a própria mãe em seu lugar na batalha contra a baleia branca.

Sua mãe morreu em batalha e seu pai trilhou o caminho da vingança, incapaz até de passar os últimos momentos com sua esposa. Ao invés de receber uma punição, Heinkel usou o talento de seu filho como um escudo, para proteger sua vida estável e confortável. Como é possível? Como poderia existir um ser humano capaz de fazer isso?

Subaru: Tem que ter algum tipo de erro em algum lugar, certo…?

Ele não queria acreditar.

Não se tratava de querer acreditar na humanidade de Heinkel, Subaru já havia o reconhecido como o pior tipo de pessoa possível, qualquer pessoa que falasse com Heinkel perceberia de imediato. No entanto, ele estava relutante em admitir que tamanha maldade, imoralidade e depravação poderiam existir. Ele queria acreditar que a ética, honra, ou até a natureza humana, seriam capazes de limitar o quão mal uma pessoa poderia ser. Porém, coisas que seriam um pecado até mesmo na imaginação, poderiam acontecer na realidade.

Julius: Desculpe… Isso não é algo que eu deveria falar a alguém que não estava completamente preparado.

Julius suspirou, sua voz estava envolta em tristeza, Subaru estava simplesmente sem palavras.

Subaru poderia ter empatia total com os sentimentos que o tom de Julius expressou, algo que era muito raro, considerando a forma calma como Julius falava.

Subaru: Não… não é sua culpa, eu que quis saber da história. Embora eu preferiria que eu simplesmente pudesse culpa-lo.

Julius: Eu não estou em posição de aceitar suas palavras. Obviamente, tudo que eu relatei é apenas rumores sobre os assuntos de outra família, mas mesmo assim, eu falei como se tivesse testemunhado pessoalmente. De qualquer forma, falei sem pensar na gravidade desses rumores. Como um cavaleiro, eu deveria sentir vergonha.

Subaru: Mas você testemunhou, certo? Já que você é amigo de Reinhard.

Subaru replicou as palavras autodepreciativas de Julius.

Julius ergueu a cabeça novamente para Subaru, que acenou de volta para ele.

Subaru: Embora eu não saiba os detalhes de sua amizade com Reinhard, eu percebo que você tá preocupado com ele. Eu não culpo sua raiva e nem a julgo como agressiva. Acho errado não se envolver só porque não é da sua conta.

Julius: Então, o que você faria?

Subaru: É errado interferir quando se ouve alguém chorando perto de você? Se eu visse que meu amigo está sem esperanças, eu certamente iria ajuda-lo. Se você se importa com Reinhard, então é completamente natural que você faça isso. Especialmente considerando que seus sentimentos não são como os meus.

Se Julius interferisse apenas por curiosidade, Subaru o trataria com desprezo. No entanto, seus reais sentimentos passavam longe de serem apenas por interesse, suas palavras e atitudes mostravam que ele realmente se preocupava com Reinhard.

Subaru: Eu já não te falei? Não precisa se apegar tanto ao seu título de cavaleiro ou sei lá o que for. E mesmo que você continue agindo assim, às vezes é bom tirar essa sua armadura e se tornar “Juli”, não seria tão ruim. Quem disse que agir com naturalidade não levara a uma situação melhor?

“Juli” foi o pseudônimo que Julius adotou durante a batalha contra o Culto da Bruxa.

Devido a sua posição, Julius não poderia se juntar a um grupo de mercenários, ele então escondeu elegantemente sua identidade por meio de outro nome. Foi um nome que eventualmente todos pararam de usar, até mesmo o próprio Julius. “Juli” foi o Julius que menos agiu como cavaleiro.

Julius: “Juli” hein… esse nome realmente veio do nada!

Subaru: É de muito tempo atrás, e só foi usado uma vez. Me impressiona eu lembrar.

Julius: “Não se apegue tanto ao seu titulo de cavaleiro ou sei lá o que for” Isso é bem complicado… tenho certeza que você sabe como eles me chamam.

Subaru: É exatamente porque eles te chamam dessa forma que você se tornou tão apegado tanto fisicamente quanto mentalmente a esse título de cavaleiro. Você deveria tirar essa tal armadura quando for tomar banho, e depois fazer uns alongamentos comigo antes de colocá-la de novo.

Subaru dobrou as costas para frente, até conseguir colocar as palmas das mãos no chão, como se exibisse sua flexibilidade. Embora seu corpo estivesse bastante rígido antes de aprender parkour, ele aprendeu a se movimentar de forma mais suave e flexível. E então, voltando-se para Subaru que ainda estava se gabando de sua flexibilidade,

Julius: Se você está tentando se exibir, eu não posso fazer nada além de suspirar.

Subaru: Oh?!

Enquanto ele falava, Julius abriu bem suas pernas e estendeu a mão para o chão. Subaru não podia deixar de admirar o controle que ele tinha de suas pernas finas e a flexibilidade com que ele realizava o movimento. 

Isso significava que Julius podia superar Subaru facilmente em qualquer área?

Subaru: Gah… mas se fosse pra tocar algum instrumento, eu definitivamente venceria…!

Julius: Apesar de eu não ver muito mérito em triunfar em hobbies, eu também comecei a tocar instrumentos musicais. Embora é bem complicado.

Subaru: Grr! O hobby de um cara como você só pode ser algo muito superficial! Eu nunca vou formar uma banda com você. Meu lugar como vocalista seria roubado!

Julius reorganizou suas pernas e levantou-se, ele balançou sua franja na frente de Subaru, como se estivesse esbanjando sua vitória.

Julius: Entendo, então é assim que “Juli” olha para o seu eu e sente a brisa.

Subaru: Quê?

Julius: O céu que eu vi antes também parece um pouco diferente que o normal. Então é por isso.

Subaru: Você tá ficando cada vez mais irracional, tá difícil te entender, seu maldito.

Subaru encolheu os ombros, aborrecido, e caiu sobre o chão do corredor. Julius estreitou os olhos, como se ainda estivesse deslumbrando da luz do sol.

No final, o ar estranho e desconfortável da conversa se dissipou.

É claro, o que eles haviam discutido ainda ressoava em suas cabeças, eles ainda sentiam o incomodo no próprio peito. Mas, mesmo assim, eles ainda poderiam ao menos superar aquela frustração juntos.

— Vendo aquela cena, aqueles dois pareciam dois amigos normais.

...Continua......

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