Tia Mer correu para trancar a porta, eu corri para a janela bisbilhotar o motivo da gritaria.
Um bando de homens cercavam Chrowe, deixando a postos suas espadas, arcos e bastões. Engoli em seco, sentindo a bile subir. Pareciam viajantes, devia ser um motivo de alegria para nós, mas estavam assustando as pessoas de propósito.
— Será homens de Purke? — questionou titia, alarmada.
— Acho que são saqueadores. — disse mamãe com os ombros encolhidos — Precisamos ir embora.
— Estão cercando a vila. Não tem saída.
— Sempre há alguma brecha. Se forem mesmo saqueadores, estamos em um estado pior do que pensávamos. — mamãe falava apressada — Geralmente vêm a mando de alguém que acha o lugar abandonado ou... inútil. — os gritos aumentaram. Berros de homens foram ouvidos bem próximos da nossa porta. Senti o coração doer de tanto que batia — Rice, tente fugir pela janela do quarto com Mare. Se a situação ficar muito ruim, corram. Apenas corram.
Assenti, pegando a mão da minha irmã a arrastando atrás de mim.
— Vocês não vêm?
— Sim.
Tia Mer correu até onde eu estava cortando os legumes e pegou a faca. Antes que pudesse se virar de volta, a porta foi arrombada. Mordi a língua para não gritar, e dei um soco em Mare para ficar quieta.
Eu não podia virar as costas para a minha família e sair correndo, fugindo como se não valessem nada. Meu pai fez isto, eu não faria. Fiz menção de me aproximar, mas quando os supostos saqueadores entraram me detive.
Eram grandes, bem armados, usavam calças sujas, botas velhas de couro marrom e uma capa posta de mal jeito sobre seus ombros.
Mamãe ficou paralisada no meio da sala, tia Mer assustadíssima perto dela. A única coisa que separava minha irmã e eu daqueles horríveis homens, era a parede do quarto. Minha vontade era de ajudar, fazer qualquer coisa, mas mamãe respirou fundo exalando confiança.
Parecia ter o controle de toda a situação.
Um deles deu um passo à frente.
— Onde está o homem dessa casa? — perguntou com uma voz rouca e completamente áspera, como granito sendo arrastado. Meus pelos se arrepiaram reconhecendo o perigo eminente.
— Quem são vocês? — questionou mamãe.
— Não interessa.
— É claro que me interessa, esta casa é minha. Estão invadindo minha tranquilidade.
Eles gargalharam alto.
— Se tivesse algum homens neste buraco já teria aparecido. — respondeu o estava a direita com um sotaque que foi difícil entender.
O ‘voz rouca’ sorriu maliciosamente.
— Ela não engravidou com o dedo.
— Vocês foram mandados por Purke? — retrucou mamãe.
O cenho franzido no rosto deles deixara claro que não foram enviados de Purke, sem dúvidas foi alguém muito pior.
— Sem perca de tempo. Peguem o que há de valor nesta choupana, queimem tudo e quanto às mulheres... —falava tudo como se a nossa presença não fosse um perigo, senti que não era mesmo. Olhei aflita para mamãe que já chorava sem emitir qualquer palavra. Tia Mer estava agachada na cozinha, segurando firme o cabo da faca, com cuidado, enquanto pegava outra — Vamos levá-las.
— Não. — rosnou mamãe — Prefiro mil vezes ser morta do que ser levada como escrava por vocês.
Seu tom firme me surpreendeu e aqueles maltrapilhos se indignaram.
Tia Mer surgiu da cozinha, com determinação, atirando facas como se fosse sua profissão. Até onde eu tinha conhecimento, nenhuma de nós tinha qualquer treinamento com armas, mas ela atirou a faca com precisão em direção ao ‘voz rouca’.
A lamina acertou seu coração em cheio.
Os outros não hesitaram em sacar suas espadas e atacar tia Mer a cortando em pedaços.
E atacar mamãe também.
E o bebê que ela esperava de Purke.
Marelen quis ir para a sala, mas tínhamos que sair dali imediatamente. A puxei com força pelos cabelos, não querendo saber se doía ou não. Que importava? Tudo em mim passou a doer, afinal de contas. Meus olhos lacrimejaram tanto que mal podia ver um palmo à minha frente.
— Pula esta merda de janela, Mare. — implorei, tão trêmula que demorei a perceber que ela tentava e que eu apenas a estava atrapalhando por ainda a segurar.
A soltei e logo estávamos fora de casa.
Na vila, parei ao ver que as casas pobres e humildes estavam sendo saqueadas e queimadas. Os gritos ao redor só me causavam náuseas. Haviam saqueadores por toda parte, arrastando mulheres pelos cabelos, pisando nas crianças, matando os homens os atravessando à espada.
— Rice! Corre!
A voz de Mare me despertou daquele transe de destruição.
Agora, ela quem me puxava aos trôpegos para a floresta. Eu sabia que estávamos sendo perseguidas, mas não atrevi olhar para trás, eu não iria conseguir me mexer outra vez se olhasse.
Seguimos apressadas, desviando de quem quer que fosse em nossa direção.
Por um momento, tão breve, pensei que conseguiríamos. Até que a esperança foi interrompida pelo som abafado de Mare caindo. Ela se soltou da minha mão, parei por um instante.
— ESTOU BEM! CORRE! — berrou.
Pelo canto do olho, vi que ela foi em uma direção contraria.
Senti raiva por isto. Eu estava sozinha. Sozinha e perseguida dentro de uma vila destruída e triste.
As malditas lagrimas invadiram meus olhos, embaçando tudo à minha frente.
“Apenas corram”.
E assim fiz.
Quando dei por mim, já estava na floresta, mas não sabia exatamente onde, nem me importava se alguém me seguia. Só parei de correr quando me senti vencida pelo cansaço. O meu peito doía, meus músculos doíam, minha cabeça latejava.
Vomitei, tanto que fiquei zonza.
O som da matança estava longe, parecia quase seguro agora. Eu precisava de um esconderijo. Andei mais um pouco, me afastando do vômito e escalei com dificuldade uma árvore.
Agora eu só precisava esperar não ser encontrada, ou não ser ouvida, afinal não consegui controlar o choro.
Tantas mortes de modo repentino, não parecia que há horas atrás todos bebiam, riam felizes desejando o melhor para o Outono.
Os ventos da mudança eram os ventos do caos para Chrowe.
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Atualizado até capítulo 59
Comments
Aini Nurcynkdzaclluew
Precisamos de mais! Gostei muito, mas quero mais!👍
2024-01-04
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