Capítulo 6

Felipe

        O calor à beira da praia era tão bom, e o vento, que sempre estava presente no Balneário Arroio do Silva, tornava o ambiente ainda mais agradável. Estávamos eu, Kleiton, Kleber, Luan, Pedro e meu pai. Olhar aquele mar agitado era tão bom. Houve um tempo em que eu não gostava do mar, mas no ano passado, quando minha depressão estava forte, gostava de pegar o ônibus e vir até a praia, mesmo no frio, apenas para ficar olhando aquele mar.

        Isso me fazia tão bem, e ainda faz. Pode ter certeza de que foi uma das coisas que me ajudaram a me tratar. Quando sentia que as crises estavam prestes a atacar, eu me sentava, olhava para a imensidão do mar e pensava que o mundo era grande demais para estar desse jeito devido a pessoas que nunca gostaram de mim. Sentir a areia sob mim, os grãos grudando na minha pele, me fazia sentir vivo e tão humano quanto qualquer outra pessoa no mundo.

        A imensidão do horizonte me dava ânimo e uma sensação de paz. Sentia cada parte do meu corpo em silêncio. Estar ali, olhando para aquilo, acalmava minha mente, pois sabia que meu sonho de ir para a Capital não se realizaria desta vez. Tracei um plano para este ano: arranjaria um trabalho e guardaria todo o dinheiro para poder ir para Floripa no próximo ano.

        Primeiro, precisava encontrar um trabalho que me pagasse pelo menos um bom salário. Usaria o necessário para ajudar meus pais e o resto investiria para poder render até o momento de usar. O pai de Luan até me deu alguns livros sobre investimentos, para aprender como investir com pouco dinheiro e obter uma renda pequena, mas extra com os rendimentos.

        Ainda tinha a opção de fazer um curso técnico no Instituto, ou então começaria uma faculdade aqui mesmo em Araranguá, e depois, quando fosse para Florianópolis, poderia validar as matérias equivalentes. Até conversei com meu pai sobre essa possibilidade e usar a nota do Enem no Sisu para conseguir entrar aqui mesmo.

        – Você não sente nada quando olha para eles? – Pedro perguntou enquanto se sentava ao meu lado. Ele estava jogando com os outros meninos, e meu pai entrou em seu lugar.

        – Desculpe, quem? – Olhei para ele confuso, e meu amigo soltou um sorriso.

        – Aqueles traidores – apontou na direção de um grupo de pessoas que se aproximava. Como estavam contra o sol, conseguia ver seus rostos e identificar todos.

        – Sinceramente? – Ele assentiu. – Não mais. No começo foi difícil, até mesmo olhar para você, mas com o tempo você aprende a lidar melhor com os sentimentos – suspirei e fixei meu olhar na mão de Carla entrelaçada com a de Isaac. – No começo também foi uma luta, mas os remédios bloqueavam todos os sentimentos negativos que eu tinha, e no final, já não sentia mais nada.

        – Ainda sinto raiva ao vê-los rindo e agindo como se nada tivesse acontecido conosco – Pedro suspirou, e eu lhe lancei um sorriso reconfortante. – Eles me fizeram perder tantas coisas que não consigo perdoá-los.

        – Sabe, não os perdoei, apenas deixei a raiva ir embora, como a água corrente de um rio – foquei então em Isaac, que parecia um tanto incomodado com aquelas pessoas em volta.

        Não podia negar que Carla tinha bom gosto, pois o garoto tinha um corpo bem formado, talvez pela academia que frequentava, além do rosto perfeitamente desenhado. Mas o que o tornava ainda mais atraente eram os brincos em sua orelha esquerda, que lhe davam um ar de Badboy. Sua pele brilhava ao sol, e sua cor negra contrastava com a beleza do cenário. Certamente, se fosse descoberto, poderia se tornar um grande modelo, embora seu carisma fosse questionável.

        – É inútil nutrir esse sentimento. Quanto mais raiva você guarda, mais você se prende a eles – deitei com a cabeça em suas pernas e olhei em seus olhos azul-esverdeados. Pedro começou a fazer carinho em minha cabeça. – Agora, ambos voltamos a ser como antes, depois que entendi que fui precipitado em relação a você. Então, deixe o passado ir embora, vamos pensar no futuro, mas, principalmente, viver o presente.

        – Que profundo.

        – Aprendi isso com a minha psicóloga – Pedro deu uma gargalhada, chamando a atenção de todos ao nosso redor. – Pare de causar alvoroço.

        – Desculpe, esqueci que você é sincero com as palavras, e isso é engraçado – seus olhos voltaram para a praia. – Obrigado por me ouvir.

        – Agradeça à psicóloga, foi ela quem me deu coragem.

        – Então vou visitá-la – seu sorriso era realmente bonito.

        Pedro era um garoto bonito. Houve um momento da minha vida em que estava apaixonado por ele, mas ele sempre deixou claro que me via apenas como um irmão e que nunca me veria de outra forma. Foi quando superei a paixão e comecei a vê-lo da mesma maneira, e hoje digo que aquilo foi uma bobagem.

        – Vendo vocês assim, até parecem namorados – comentou meu pai, sentando em sua cadeira. Apesar de ser um homem mais velho, ele não acompanhava meu amigo e meus irmãos no jogo.

        – Não será dessa vez que me terá como genro, Luiz – disse meu amigo, rindo, e meu pai pareceu decepcionado. – Infelizmente, nasci hétero, e isso é uma pena, pois adoraria me casar com seu filho – lançou um olhar para mim.

        – Uma pena, quero ver esse garoto desencalhado de novo, pois ele é insuportável quando fica sem transar – disse meu pai, rindo.

        – Pai?

        – O que foi? Eu menti – disse ele de forma inocente.

        – Papai tem razão – disse Kleber, sentado ao meu lado e pegando água do cooler.

        – Total razão – concordou Kleiton.

        – Que é isso, complô contra mim? – Falei indignado, fazendo-os rirem muito.

        – Para de frescura – disse Kleiton. – Vamos tomar um banho de mar.

        – Vão, que eu já vou – disse meu pai. – Felipe, espere, quero conversar com você.

        – Claro.

        Sentei-me na cadeira ao seu lado, onde Luan estava antes, olhei seu rosto, tentando entender o que ele queria conversar comigo. Ele pegou uma cerveja dentro do cooler para mim e uma para ele. Confesso que não bebia muito, mas resolvi acompanhá-lo.

        – Sei que está preocupado em não ir para a capital – tomou um gole da cerveja. – Sei que falhamos por não guardar dinheiro para a sua faculdade.

        – Não pense nisso, pai. Vocês criaram eu e meus irmãos com bens confortos – disse, dando um sorriso de conforto. – Já tenho tudo planejado para o ano que vem, penso em conseguir um emprego e trabalhar para ir.

        – Eu também vou tirar um pouco para lhe ajudar – disse, ainda bebendo.

        – Pai, você e a mãe têm várias contas para pagar, então não se preocupe.

        Ele apenas concordou com a cabeça e, em seguida, se levantou, indicando os garotos que estavam gritando meu nome e o dele para entrar no mar com eles.

        – Melhor irmos, se não, vão nos arrastar – comecei a rir e concordei com meu pai.

        A tarde foi incrível. Rimos muito, corremos, mergulhamos e, principalmente, gastamos toda a nossa energia. Deixamos Pedro e Isaac em suas casas, e antes de voltar para casa, passamos na casa de Isaac para buscar minha mãe.

        Ela entrou no carro muito animada, dizendo que tinha uma novidade para contar em casa e que era ótima. Todos ficaram ansiosos para saber, mas dona Juçara ficou quieta durante o caminho, dizendo que contaria em casa, para prolongar nossa curiosidade, tivemos que parar no mercado antes.

        Ao chegarmos em casa, ela logo mandou todo mundo tomar banho, pois contaria a novidade durante o jantar. Todos ficaram muito ansiosos, e eu pensava que minha mãe poderia estar grávida, mas isso era impossível, já que meu pai fez uma vasectomia após o nascimento dos gêmeos. Soube disso quando tinha cerca de 10 anos, quando eu e os gêmeos nos unimos para pedir mais irmãos, sem saber o que estava realmente envolvido. Eles tinham apenas 8 anos naquela época.

        Antes de tomar banho, mandei uma mensagem para os meus amigos. Tínhamos combinado de ir ao cinema no dia seguinte, pois era dia de promoção, mas ainda não tínhamos decidido qual filme assistir. Mandei a lista de filmes em cartaz para eles decidirem, enquanto eu ia para o banheiro tomar banho.

        Depois do banho, percebi que ninguém havia me respondido ainda. Provavelmente estavam tomando seus banhos. Fui até a sala, esperei a comida ficar pronta com meus irmãos. Estávamos assistindo a uma parte aleatória de uma série que minha mãe havia colocado. Finalmente, o jantar ficou pronto.

        Uma tradição que apreciamos em nossa família era jantar juntos, sentar todos à mesa e conversar. Era um momento que tínhamos, já que, com as aulas e os pais trabalhando, era uma das poucas vezes em que nos víamos. Deve ser por esse motivo que minha mãe quis contar a novidade durante o jantar.

        Cada um se sentou em seu lugar. A comida era especialmente boa naquela noite. Minha mãe preparou lasanha, a carbonara, e até refrigerante havia, algo que ela evitava comprar. Meu pai estava animado com isso, pois certamente era uma notícia ótima.

        – Então, qual é a novidade? – Perguntou meu pai.

        – Bem, Felipe, é sobre você – minha mãe tinha uns olhos profundos e conseguia olhar fundo em nossas almas quando queria. Ela fez isso e me deixou realmente ansioso e um pouco assustado. – Você vai para a capital fazer faculdade, meu filho.

        – Como assim, amor? – Perguntou meu pai.

        – Hoje, dona Luana e sua família vieram conversar durante o café da manhã e me informaram que Felipe poderia morar com Isaac, e eles apenas descontariam uma pequena porcentagem do meu salário – meu sorriso, que estava grande, diminuiu ao ouvir o nome daquele garoto.

        – Eu não posso morar com ele – disse, perturbado com essa ideia.

        – Por que não? – Perguntou minha mãe.

        – Ele e Carla estão namorando – disse quase sem emoção.

        – Meu filho, eu sei disso, mas você nunca vai vê-los juntos. Talvez nem veja Isaac direito; o garoto é tão silencioso que eu mal o vejo quando trabalho na casa dos pais dele – explicou minha mãe. – Filho, é uma oportunidade única. Você terá seu próprio quarto e nem estudarão juntos.

        Eu sabia que era uma oportunidade única, mas, de certa forma, não me sentia confortável em morar com alguém que, de alguma forma, ajudou a causar a dor que senti meses atrás. Conhecia Isaac por mais tempo do que conhecia Pedro, na verdade, praticamente cresci dentro de sua casa. Apesar de nossas mães quererem que fôssemos amigos, isso nunca aconteceu. Não por falta de incentivo meu, mas Isaac sempre foi um garoto fechado, mal falava mais de vinte palavras comigo, e a maioria delas era de forma arrogante, o que me afastou dele.

        Lembro-me de ir para a casa de Isaac quando era pequeno, com os gêmeos. Brincávamos no jardim, enquanto ele ficava na janela nos observando. Uma vez, tentei conversar com Isaac quando ele estava em seu quarto jogando videogame. Lembro que entrei para perguntar se ele queria brincar conosco, mas o garoto começou a gritar comigo por entrar em seu quarto. Suas palavras me machucaram, especialmente quando me chamou de "filho da empregada".

        Passei o jantar em silêncio, apenas comendo e ouvindo meus irmãos animados com o tempo que passaram na praia. Eu podia sentir os olhos de minha mãe sobre mim, tentando ver se estava tudo bem. Eu permaneci quieto e, quando terminei meu jantar, fui para o meu quarto.

        Liguei o ventilador e o coloquei no modo de oscilação. Deitei-me na cama, fechei os olhos por alguns minutos e tentei refletir sobre tudo.

        De certo modo, meus pais não conseguiriam me ajudar a ir para Florianópolis sem que eu fosse morar com Isaac. O que me intrigava era saber por que ele ofereceu sua casa para mim, em vez de seus pais. Peguei meu celular, reativei minha conta do Instagram e, no começo, achei estranho mexer nele depois de quase um ano sem uso. Digitei o nome de Isaac na pesquisa, mas ele não apareceu de primeira. Então, entrei na conta de Carla, e a primeira foto que vi era dela e de Isaac sorrindo para a câmera. Senti um desconforto ao olhar aquilo.

        Cliquei na foto e entrei no perfil de Isaac. Surpreendentemente, não havia nenhuma foto de Carla nele. Em vez disso, eram sempre fotos dele sozinho, com seus pais ou paisagens. A foto mais recente era de hoje e mostrava o mar, com a legenda: "O mar é tão imenso que me faz sentir vivo."

        Aquilo me tocou, pois eu sentia o mesmo. Continuei olhando seu perfil, depois verifiquei suas fotos favoritas, que eram sobre comida, livros e recomendações de músicas. Por fim, não consegui evitar e olhei seu status, que era a foto que ele havia postado no feed, com uma música calma como trilha sonora. Fiquei surpreso ao reconhecer que era um instrumental de uma música que remetia ao verão.

        Fechei o aplicativo e enviei outra mensagem para meus amigos, informando que ficaria longe daquele garoto. Eu planejava ficar apenas no meu quarto e daí para a faculdade. Sentia que precisaria conversar com meu psiquiatra para que ele me receitasse alguns remédios para ansiedade antes de ir morar em Florianópolis.

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Comments

yaoimaniac

yaoimaniac

Eita ferro, Luan mudou de nome...

2024-08-16

1

Ana Lúcia

Ana Lúcia

uai Isaac ou Luan

2024-05-13

3

Ana Lúcia

Ana Lúcia

a Isaac quer tanto terminar e anda de mãos dadas com ela a para vai seu idiota

2024-05-13

1

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