Nota da autora: quando falo que Thomas tem um carro é esse modelo aqui da foto pessoal. A história se passa em 1890. Em 1885, o primeiro veículo movido à gasolina foi criado, então está no contexto de uma família abastarda ter um carro ao invés de carruagem. Lembrando que, o primeiro modelo, então, foi desenvolvido por um alemão chamado Karl Benz, e batizado de Motorwagen. Quero material historicamente acurado.
Na cozinha com fogão a lenha e com paredes de cerâmica alaranjadas há quatro pias. Um pobre frango está sendo morto numa tábua posicionada em cima de uma delas. Há sangue escoando do pescoço da criatura e de uma carne pendurada num guincho. Verduras frescas em cestas junto a legumes Gritaria sem fim. E uma mesa de madeira para os empregados almoçarem e jantarem. As mocinhas e jovens rapazes que trabalhavam para os Bloodmoon, quer dizer, eu também sou uma Bloodmoon arregalaram os olhos.
— Bom dia. Estamos aqui para fazer chá de camomila. — Falou Diana educada.
Ela ganhou muito do meu respeito por saber tratar as pessoas. Eu observo isso.
— Senhorita…— Começou a menina da cozinha, angustiada, limpando a mão suja de sangue no avental. Era ela quem preparava o frango. Ela me mirou, aflita. — E senhora. Nós podemos fazer e levar ao brunch .
— Não será preciso, querida. — Garantiu Diana ainda amável. — Possuem flor de camomila nessa casa?
— Sim. — Respondeu a menina assustada.
— Traga para mim, querida. E pode continuar com seu trabalho. Se comemos o frango podemos saber também como é preparado. Por favor, vá.— Pediu Diana.
A menina foi. E nesse tempo, eu senti o olhar de Diana sobre mim. Não sou boa em sustentar olhares intensos como o dela. Só consigo com Thomas.
— Deve se perguntar porque ando com elas…
— Não é da minha…
— Me sinto sozinha e aquele grupo é melhor que nada. Não que eu não aprecie ficar sozinha, mas é que em alguns momentos dá vontade de socializar. Elizabeth por causa da maldição, achou que eu poderia entrar no grupo porque jogava o tarô para ela. E sabia coisas sobre fantasmas já que sou adepta a doutrina de Kardec. A senhora não parece precisar desse conhecimento sobre espíritos.
— Conhecimento sempre é bom. — Garanti intimidada pela beleza surreal dela. — Mas não é por causa da maldição que te quero por perto.
Ela sorriu. Um sorriso simples.
— Elizabeth nos disse que a senhora morreria no primeiro dia. Bem macabra para um rostinho angelico. — Observou Diana como se exausta. — Mas a coisa que sinto nessa casa que acompanha o espírito da menina que morreu injustamente… Se bem que, ora essa, o espírito que foi injustiçado não está mais aqui…— Começou a falar como se analisasse algo para si mesma e senti que ela era médium. Uma médium verdadeira. — Mas o que se vinga por ela continua aqui e gosta da senhora. Perdão, me equivoquei. Quer dizer, gostar é algo que parece bom… Como posso dizer? Trivial. Eu sinto ele impregnado em você. Muito possessivo e é uma obsessão quase. Eu tentaria te ajudar se não sentisse que você pode lidar com isso sozinha. — Me sondou.
— Não preciso de ajuda. — Garanti-me suave e tranquila. — Uma amiga me disse que pessoas como nós não tem que carregar o fardo de outras ou do mundo nas costas. Devemos ajudar nós mesmos primeiro e aí podemos ajudar os outros. A senhorita se coloca sob muita pressão quando conhece alguém que sente que é oprimido. — Respondi. — Não veja uma amizade como uma troca onde sempre tem que ofertar algo. Seja só você. Pelo menos comigo, seja só você. Não preciso que jogue o tarô para mim ou me fale sobre fantasmas. Só preciso que converse sobre o que gosta e como se sente. Se vir a gostar de fantasmas pode falar, mas não porque eu pedi, mas porque gosta.
— Tem medo que me negligencie em prol dos outros? É isso o que diz? — A voz dela embargou.
— Sim. Tenho medo. Porque já fui muito como a senhorita.— Falei sem forças. — Não quero que tirem proveito da sua bondade.
Belle chegou com as flores de camomila dentro de um pote de vidro com tampa de madeira, interrompendo a conversa.
Notei que Diana me mirava com os olhos cheios de lágrimas. Ignorei só para dar o espaço dela, mesmo que quisesse abraçá-la.
— Obrigada Belle. — Agradeci.
A menina da cozinha me observou boquiaberta. .
— Como sabe meu nome? — Questionou desconfiada.
— Foi com a senhorita que jantei no meu primeiro dia de casada para evitar seus patrões. — respondi.
Ela me estudou e sorriu.
— Mas a senhora também é minha patroa. Só não age como tal. — Brincou Belle mais leve. — Tem uma panela com água no fogo já. E um bule de chá vazio numa bandeja, mas preparado com xícaras, açúcar, mel e biscoitos que eram para o brunch. — Notificou Belle menos intimidada. — Com a licença de ambas… Eu vou indo. Preciso cuidar do almoço.
— pode ir. Nós nos arranjamos daqui. Agradecemos a ajuda. — Conciliou Diana e me puxou até o fogão a lenha onde a água fervia num papeiro e numa boca em brasa pequena.
Ela jogou as flores no bule. E esperou que a água fervesse.
— Não tinha que jogar as flores na água na panela, deixar ferver e depois coar? — indaguei, confusa.
— A água ferve sozinha… — Explicou Diana paciente e educada. Ela gosta de ensinar. Percebo isso. — Depois a jogamos nas flores já no bule e deixamos abafado por alguns minutos. Isso se chama infusão. O sabor e o efeito fica mais forte assim. Acredite.
— Vivendo e aprendendo. — Falei impressionada.
Ela sorriu para mim e concordou com um meneio de cabeça.
— Sobre seu conselho… Eu agradeço. — Falou ela séria e deixando os olhos violetas encontrarem os meus. — De coração. Sei que quer me proteger de ser usada pelas outras pessoas.
— O mérito não é meu. Como eu disse foi uma amiga que é como nós que ensinou isso para mim.
— Quero conhecer sua amiga sábia então…— Brincou ela.
— Ela não está mais nesse plano. — Constatei com dor no meu coração.
Contudo, me consola que minha querida Nott vai voltar a esse plano através de mim. E eu vou proteger minha bebê preciosa desse mundo sujo.
— A morte é só o começo. Talvez sua amiga querida volte como alguém que você ama. Uma filha, por exemplo.— Consolou Diana. Essa mulher tem uma percepção sobrenatural surreal.— O seu coração é bom por manter um conselho dela tão vívido na memória e ajudar outros que sofrem por serem sensíveis nesse mundo insensível. — Falou ela.
— Discordo. Meu coração é muito perverso e cruel.— Respondi. — Ela que tinha o coração bom.
Diana sorriu.
Quando terminou o chá no bule, pensei se deveria chamá-la para o salão de jantar, mas ela sentou na cozinha como eu e isso me desestabilizou por completo. Fiquei feliz. Nós nos sentamos na mesa rústica da cozinha mesmo ignorando o movimento constante e os gritos. Mas saber que ela aprecia a simplicidade como eu me consola.
— Pessoas bondosas sempre acham que não são bondosas. É assim que o mundo funciona. Elas não percebem que são luz na escuridão, Evangelina. — Respondeu Diana. — devia vir a uma das nossas reuniões espíritas.
— Estou mais para escuridão mesmo. — Resmunguei. — Mas a senhorita não. A senhorita brilha e é muito protegida. Eu sinto. Mas quanto ao seu convite, vou ter que declinar. Pode não parecer, mas sou medrosa. E já me basta os espíritos dessa casa.
— Sente mesmo medo dos espíritos ? — Perguntou ela meiga. — Ou medo de descobrir que seu poder é maior do que pensa…
— a segunda opção. — Confessei
Movi a cabeça num sim.
— a segunda opção. — me repeti.
— entendo. — Consolou dando um leve aperto no meu ombro.
Ela me serviu chá. Me ofertou açúcar e eu aceitei.
— Quatro cubos de açúcar, por favor. E um pouco de leite. — Pedi.
— Gosta de coisas doces? Seu paladar é tão infantil. Aposto que não toma nem café. — Provocou ela.
— Certíssima. Café é muito amargo e o cheiro me deixa enjoada. Não cansa de estar certa? .
Ela riu.
— Agora que conquistou meu coração e amizade deve saber que sempre estou certa. Tirando as vezes que penso estar errada, mas estava certa. — Me informou, dando de ombros.
— que modesta. — Brinquei.
— E a senhora como é… — Perguntou interessada.
— Obscura, desconfiada, reativa, explosiva, estressada e desequilibrada. Prefiro livros a pessoas.
— Entendo. Acho que quis dizer sobrevivente. Já deve ter visto maldades que fez com que seu coração perdesse a fé na humanidade. Isso não te torna má, só ferida. — Me corrigiu graciosamente.
Lágrimas vieram aos meus olhos. Merda!
Os olhos dela se encheram de lágrimas também. Empática como eu.
— Ouça, pela senhora mostrar sua mais linda proteção… Vou te dar o meu mais triste, mas necessário conselho…Nem sempre as feridas cicatrizam da forma certa. Sim, nos tornam mais resistentes, mas deixam sequelas no nosso espírito. Estou aqui sempre que quiser conversar. Me casarei com Theodore Dickins, mas sempre pode ir me visitar e está sem sombra de dúvida convidada para o meu casamento. Se eu pudesse escolher minha madrinha seria a senhora. Mas é a irmã de Theodore que assumiu o posto. Eu não tive nenhuma voz na questão.
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Atualizado até capítulo 41
Comments
Rosária 234 Fonseca
nossa pelo menos tem alguém para desabafar certas coisas elas parecem que vao se da muito bem
2023-09-03
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