Nova amiga

Elizabeth quebrou minha tão estimada paz quando adentrou na biblioteca de piso escuro fazendo " teco teco" com suas botas brancas de salto da última moda parisiense. Rangi os dentes.  E, abrindo a porta dupla de madeira sem esmero algum e a deixando fechar sozinha num baque e rangido, foi quase o estopim para um grito meu. Odeio. Absolutamente odeio ser interrompida na minha leitura. Seja quem for. Dá vontade de matar.

Estremeci de ódio pelo silêncio que estimo ser quebrado de forma tão abrupta.

 Respirei fundo, tentada a ignorá-la e a continuar  a ler o exemplar de Macbeth com uma bela capa vermelha. Mas não consegui me concentrar.  Eu a estudei rodeando o meu lugar sagrado nessa casa, incomodada. 

 Eu ainda me mantenho sentada na minha poltrona preferida. A poltrona que fica perto da mesa de madeira com penas de escrita, selos e tinteiros usada para escrever cartas.

 

O vestido azul claro bonito e os cachos que o sol fazia questão de enfatizar mais nela, invadindo com seus raios a biblioteca por várias janelas com vitrais e mostrando poeiras no ar. Ela é realmente irritantemente bela como o dia. E com o vestido de hoje…Nuvens e sol. 

Revirei os olhos. 

— Então é aqui que se enfia o dia todo… — Murmurou ela, aprovando com a cabeça, pegando um livro que reconheço como um dos poemas mais musicais do norte-americano Edgar Allan Poe " O corvo". O meu poema preferido.  O avaliando como jóias que não gostou e o colocando na estante de novo com uma careta. 

— macabro demais. — Resmungou para si, estremecendo. — Minha vida já é horror o suficiente. 

Ela se voltou para mim, recuperada e disse:

 — Grace e eu estamos recebendo umas amigas para um brunch… Grace pediu para eu te…

— Dispenso.

O sol encarnado que ela é engoliu em seco.

— por que não gosta de mim? — Exigiu ela, magoada. 

Obviamente, eu sou a vilã por não gostar da bela princesa.  Bruxas que querem ficar sozinhas e isoladas sempre são as vilãs quando belas princesas as incomodam e elas perdem seu tão estimado e precioso controle e querem as dizimar por testarem sua já tão pouca, mas cultivada paciência.

— A senhora é bonita. — Respondi focada ou fingindo estar focada no meu livro. — E meu marido gosta de você. — Resmunguei. — É motivo o suficiente? — Ergui a cabeça das páginas do livro,  a confrontando.

Quero ver ela se fingir de sonsa agora.

— Não quero sua inimizade. E sobre Thomas… ele não me olha mais. — Declarou, sincera.  

Então, ela não é mesmo tão inocente assim? Ela é exatamente como o demônio me alertou. Ela sabia que Thomas a queria. 

Ela tomou ar e prosseguiu: 

— não tem mais motivo para me odiar. Será que poderia, por favor, ser minha amiga? Me sinto sozinha nessa casa. Grace me faz companhia, mas temo idades diferentes e as conversas se tornam enfadonhas às vezes.  As outras moças não me entendem. Elas levam a maldição como uma lenda  e só sabem perguntar quando pretendo casar novamente. É insuportável. Estou pensando em fugir da sociedade e me tornar freira para ter um pouco de paz com Jesus Cristo. Juro. 

A estudei de cima abaixo. Eu ri e ela riu. O desespero dela a deixa um tanto bonita.

Uma beldade como ela se tornar freira é algo que até eu lamentaria.

 E lá vai essa tendência latente e inoportuna novamente de achar mulheres bonitas. Eu assistia meus irmãos levarem meretrizes para minha casa. Já topei com muitas mulheres nuas. Eu notei que as desejava, primeiro do que notei que desejava homens. Foi antes de Nicolas.

Essa confissão me fez parar de pirraçar e olhá-la com piedade. Fechei o livro e me levantei da poltrona aconchegante e acolhedora. Fui até ela. Ela é mais alta do que eu 13 cm.

— certo. Eu vou te acompanhar nisso. — Concordei.

Ela sorriu para mim. Por um instante parecia que o sol havia nascido. O sorriso dela é radiante como o do meu Thomas. Incrível. 

— Certo, vamos. — me convidou, me estendeu o braço.

Eu passei meu braço esquerdo pelo braço direito dela. Ela me guiou para fora da biblioteca dos Bloodmoon até o jardim como se fôssemos mesmo amigas. 

Tomo ar e arqueio a sobrancelha ao notar as pessoas. Mirei a terra do canteiro que eu tinha mexido sentindo meu sangue esfriar, mas nada fora do comum. As damas faziam crochê sentadas em belas cadeiras brancas acolchoadas, em cima do belo gramado e onde tinha uma mesa linda com quitutes e chá. E elas  fofocavam. 

Eu quero meus livros. Pessoas me assustam. Meus livros. Meus preciosos livros tornam o mundo suportável.  Eu quero sair daqui.

Foi quando senti a mão dela se fechar  na minha como se lesse meu nervosismo e ela me guiou até um grupo de suas amigas. 

— Essa é Evangelina Bloodmoon. A mais nova integrante do nosso clube de crochê. Evangelina essas são Beatrice Daniels, Lillyana Montgomery e Diana Danes.

Clube do crochê? É vero? O que faço aqui? eu nem sei fazer crochê. 

— Olá, senhoritas. Espero que estejam apreciando essa esplendorosa manhã. — Formulei, tentando soar educada.

Elizabeth deu uma risadinha. A mirei, irritada. Ela ficou quieta. 

— A senhora é bem mais bonita pessoalmente. — Elogiou falsamente alguma delas. 

Ainda não associei nomes e rostos. Só conheço a Lilyanna porque estive no baile de debutante dela e ela é linda e meiga como Nott. Mas não foi dela essa fala. Foi da moça de cabelo escuro encaracolado, pele caramelo e um belo corpo curvilíneo. 

— Certo, eu agradeço. — consegui dizer desconfortável. 

— Nem perca seu tempo, Bea. Ela é modesta. O único elogio que a faz corar é o do marido.— Falou Elizabeth por mim e  me estudou. —  Ela não se sente à vontade e nem que é verdade quando alguém além de Thomas a elogia. 

Como ela pode saber disso? 

— Ora. Mas isso até um espelho pode mostrar. Meu pobre irmão estava enfeitiçado pela senhora. — Lilyanna Montegomery o disse sem maldade e a voz dela é calma e doce como a da minha Nott. — Sempre foi interessado.  Mas na minha festa, ele ficou repetindo e repetindo que a senhora não deveria ser uma Bloodmoon, mas sim uma Montgomery. Foi engraçado. Mas fiquei com pena de Daniel.

Acho que só me recordo dela  porque ela se parece muito  com Nott. Linda e delicada como Nott. Nott que vai voltar a esse mundo como minha filha. Eu deixo a mão deslizar na minha barriga por instinto. Minha Nott. Agora eu poderei protegê-la e ser sua amiga. Ninguém vai machucar minha menina de novo. 

— Está com cólica? — A mulher quieta e soturna perguntou.

Ela tem o cabelo mais incomum que já vi. É prateado. Branco como os de um idoso, mas nela é bonito e jovial. Os olhos dela são violetas. Deve ser a Diana.

— Não. Eu só…— Como poderia dizer estar grávida se não faz muito tempo que casei? 

— Se estiver… um chá de camomila ajuda. Eu posso preparar.— Ofertou amável. 

O tipo de pessoa que é agradável assim é alguém que sofreu muita rejeição e faz de tudo para agradar e ser aceita pelos outros. Eu sei. Eu fiz isso por Nicolas. Não é que elas não tenham maldade é que os demônios dela estão adormecidos, mas quando se liberaram é como se a caixa de Pandora fosse aberta. Caos.

— E lá vai a senhorita com seus chás, óleos essenciais, ervas, banhos de sal marinho e tarô… — Disse Elizabeth desdenhando. — Não deixe minha cunhada entediada com esses assuntos. 

— meu conhecimento não pareceu incomodar quando esteve com medo da bruxa. — Retorquiu Diana defensiva e magoada.

Essa garota é diferente. Eu sinto no ar que ficou denso só por sua mágoa. Começou uma ventania sinistra como se a natureza escutasse sua dor. Não é a fala. Ela é como eu. Eu sinto nas estranhas do meu ser e da terra . Eu sinto poder. Um poder ancestral e uma sabedoria grandiosa. Algo como senti com minha Nott, mas muito maior. Ela é mais poderosa do que Nott. 

— Eu gostaria do chá. Pode vir comigo até a cozinha preparar, senhorita…— Solicitei e a dei a deixa para se apresentar para mim. Quero saber se ela me reconhece como uma igual.

— Diana. — Se apresentou ela empolgada. —  Como a deusa da lua. A minha mãe me deu o nome. 

— Sou Evangelina. Nada de especial no nome como o seu, mas espero que possamos ser amigas.

Elizabeth me estudou magoada. Ela que se dane. 

— há um toque do destino em você. —  Deixou escapar Diana. 

Eu sorri. 

— E em você também. — Garanti. 

Eu mirei Elizabeth e a outra amiga enfadonha dela a tal de Beatrice. Lilyanna e Diana são as que se salvam.

— É bom recolher as coisas… Vai chover. — Falei saboreando isso. 

Acolhi Diana e quando minha mão tocou a sua senti o poder que me deixou zonza. Estremeci. Os olhos violetas dela me dizem que ela me reconhece também. Como aconteceu com Nott quando a vi no meu sonho. 

Socializar. Socializar me apavora. Eu sinto minhas mãos suando frias e quero me desvencilhar delas.  Mas essa garota especial tornou isso bom e conhecê-la me deixa estranhamente feliz. 

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Comments

Rosária 234 Fonseca

Rosária 234 Fonseca

caraca duas bruxas espero que se tornem amigas

2023-09-03

1

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