Novo amanhecer

Me sento na cadeira que foi puxada por ele, na bonita mesa de desjejum; com rendas brancas, pratos brancos com bordas douradas, talheres dourados e taças de cristais. E Thomas senta ao meu lado.

Eu me servi com uma fatia do bolo de trigo e de uma taça do suco de laranja numa elegante jarra. Para o inferno ser modesta e orgulhosa agora, estou com fome. 

— Como foi a noite de vocês? — Questionou Grace com um curvar de lábios. 

Grace só usa preto  em detrimento ao luto por Ivan. Mas proibiu Elizabeth de usar porque disse que as cores do luto sugaram a já ínfima alegria dela e ela ainda era jovem.  E alegou que só uma delas precisava sofrer tanto e era a mais velha. Pelo menos foi o que eu ouvi das moças fofocando em bailes.

Na pergunta que nós fez, ela foi educada, mas incisiva.

— Agradável, mamãe. — Respondeu Thomas.

Ele parece um menino que ganhou um presente maravilhoso sorrindo de orelha a orelha enquanto beberica o prato com salsicha, feijões e ovos. O que o ato de fazer amor não ocasiona?  Até eu estou com o humor menos mórbido. 

— Certo. Vejo que sim, filho querido. Está de tão bom humor. — Constatou ela rindo dele e  parecendo satisfeita. 

— Fui bem cuidado. — Explicou Thomas.

— Vejo que sua bela esposa cuidou bem de você e seus caprichos, meu filho. Admito, mas com bem pouca culpa que te minei muito por ser meu caçula.

— Ela é mesmo bela, não é? — Respondeu Thomas a mãe dele. 

As minhas bochechas arderam. Que palavras são essas do nada? Não foi esse maldito quem disse que minha beleza era simplória? 

— Acho que depois do que toda esta casa escutou de ambos me providenciando um herdeiro, posso trazer minha  Elizabeth de volta para me fazer companhia. — Decidiu. 

Ela me sondou com um sorriso e soltou essa:

— Devo esperar um neto logo? 

Engasguei com o pedaço de bolo. Tossi horrendamente. Meu refresco já tinha acabado. Thomas me cedeu a taça dele, rápido, para eu beber e engolir, me dando tapinhas de leve nas costas para ajudar. 

Bebi um gole que ajudou a descer o bolo da minha garganta e devolvi a taça ao meu marido.

— Mamãe não faça esse tipo de pergunta.— A censurou Thomas. 

Grace gargalhou levemente. 

Há uma atmosfera leve na casa. Talvez porque seja dia e o sol invada pelas janelas com descomunal violência como Thomas faz comigo. Talvez porque não sinto mais uma opressão espiritual com a maldição. Nicolas pagará o preço por mim, isso já está selado. Eu irei matá-lo. Como? Onde? Detalhes que posso pensar depois.

— Só temos dois… três dias de casados…— Argumentou Thomas. — Cedo para pensarmos em ter filhos. 

Quando ele me ama como uma meretriz, não é assim que age. Ele diz que quer colocar seu bebê em mim. 

—Ora essa Thomas, querido… É uma pergunta perfeitamente normal a se fazer a um casal de recém-casados que se amam e são  barulhentos como os dois são. 

— Mãe! Pelo amor de Deus! — Pediu Thomas.

Sim, ela nos escutou.

 Se ela espera um neto, quer dizer que espera que eu viva muito, certo?

 Ela não deve saber de meu acordo nupcial com Thomas que ele paga minha dívida, mas não garante que eu  fique viva.

Agora que paro para pensar,  a Grace também não morreu. E ela foi casada com o pai de Thomas que era um herdeiro Bloodmoon.

 Ela sabe do demônio? Fez um acordo com ele como eu?

Ela deixou os olhos azuis que Thomas herdou encontrarem os meus misteriosos. 

— Estou feliz que ele se casou com você, Evangelina Williams. Agora Evangelina Bloodmoon. — Falou ela de repente bebericando uma xícara de café puro. 

— Entendo que a senhora foi contra pela diferença de jdade…— Comentei. Eu escutei algumas moças comentando isso. 

— Mas de onde tirou isso? A senhora ser mais velha que ele,  não vejo como desvantagem, pelo contrário, Thomas precisa de pulso firme e experiência que uma jovenzinha como minha Elizabeth jamais poderia ter. Uma mulher forte. E eu também era mais velha que o pai dele. Há força em você. É resiliente. O tipo de pessoa que sobrevive a tudo. — Algo nessa fala me alertou. — Eu também sou assim. Eu nunca fui contra o casamento. Pelo contrário, Evangelina. Eu conheci sua mãe. Éramos amigas. Ela me ajudou muito quando casei com o pai de Thomas. Ela impediu que a bruxa me levasse. Como eu poderia ser contra? Se há alguém nesse mundo que pode lutar contra a maldição dessa família é você. 

Gelei.

O gosto do café que ela bebe e o cheiro me deixam enjoada. Mesmo com a vida que levei, meu paladar ainda é infantil. 

— O que quer dizer? — Perguntei, confusa. 

— Que você não é fragil como sua mãe era e nem  nossa querida Elizabeth. E isso é bom. Mulheres como nós devem sempre proteger as mais frágeis. — Especificou, educada e focada no café. — Queria ter protegido sua mãe como ela me protegeu. Enfim… Águas passadas.

Grace respirou fundo. Ela nos deixou ciente:

 — Thomas, meu filho… O padre Clerigan terá que adiar sua visita para o mês que vem.

— Mamãe… A maldição. — Protestou angustiado. — Não pode chamar outro…

— só tem o Slayter. E meu filho, você não gosta nada dele. A forma que agiu quando ele veio falar com Evangelina. Você o expulsou.

Thomas me mirou atordoado e implorando com seus lindos olhos por desculpa. Algo em mim, acho que aquela menininha idiota que sempre quis que alguém se preocupasse com ela, me fez selar os lábios nos dele e acalmá-lo. 

— Vai ficar tudo bem, querido. — Consegui dizer.

Ele correspondeu suave ao selinho , mas senti sua urgência ao segurar nossos lábios por mais tempo do que o necessário. 

— Ela vai ficar bem. —  Concordou Grace trocando um olhar comigo que era como um pedido mudo para que eu não insistisse na visita do padre. —  mas se for assim tão urgente a levo para a igreja eu mesma. Você deve ir para o trabalho e administrar nossas posses.

Ela sabe do demônio o possuir, não sabe? É por isso que impede o padre de vir e o próprio Thomas de me levar a igreja? Ou  será apenas que penso demais e foi um infortúnio como ela diz? 

— Evangelina. — Chamou-me Grace. 

— Hm …— Respondi.

— Ser reservada sobre o que pensa não é algo ruim. Pelo contrário… é um qualidade admirável a uma dama. — Observou ela.— Mas Thomas é o seu marido. Deve confiar nele.

Ele entrou no quarto que dividimos. Estranho. Achei que já tinha saído para seu trabalho de gerenciar as usinas de petróleo. 

— O que ainda faz aqui?— Acho que soei mais rude do que gostaria. 

— Nada não— Falou, me mirou magoado.

 Ia se retirar.

Eu senti seu rancor com uma raiva e sentimento de injustiça que não é meu me invadindo. 

 

Peguei a mão dele, ele se virou para mim franzindo o cenho e selei meus lábios nos dele.

— Tenha um bom dia no trabalho, meu amor. Volta para mim logo. — Deixei escapar essa fala melosa me odiando. 

Eu sempre sei o que as pessoas querem ouvir. É um talento sobrenatural. Agradar para ser deixada em paz…

Ele aprofundou nosso beijo e sua língua encontrou a minha. Seus dedos nos meus fios de cabelo. Na sincronia de nossos corpos, senti sua ânsia por mais. 

Separei meus lábios dos dele.  Rocei minha boca em seu pescoço. Ele cheira a essência de rosas.

— Gosta de chocolate, esposa? Eu vim perguntar isso.

Eu amo chocolate. É uma das poucas coisas que não se tornaram amargas na minha vida. Eu quero. 

— Sim. — Falei empolgada.

— Vou trazer para você. — Garantiu acariciando meu rosto. — Eu sempre trago para Elizabeth mesmo… Vou trazer para você também…

Ele sempre traz para a Elizabeth?

Eu tirei a mão dele do meu rosto, me afastei dele. Os olhos dele encontraram os meus com sádica diversão. Senti vontade de matá-lo. Quis arrancar seu coração do peito e comê-lo no lugar do maldito chocolate.

— Não precisa trazer nada! Se é por falta de adeus que ainda não foi… " até logo, seu grande tolo". 

Ele veio até mim e me beijou. Mordi seu lábio com parte da minha raiva e arranquei sangue. Lambi o sangue. 

Ele respirou fundo. 

— Sou seu?  Hm…— Perguntou me cheirando e puxando meu lábio com os dentes também arrancando sangue. — É disso que se trata? Achei que não gostasse de pirralhos.

— O  que? 

— Nada.  — Respondeu rouco na minha orelha. — Eu vou te trazer os chocolates para saber que pensei em você no trabalho. 

Merda! Esse garoto… ele me desarma.

— Só vá logo, inferno. — Ordenei. 

— Me leve até o carro. — Exigiu rindo com o canto dos lábios levemente curvados.

— Peça para sua amada Elizabeth te levar. — Resmunguei.

— Ela não está aqui…— Falou ele com um sorriso. — Terei que me contentar com a senhora minha esposa.

Segurei a gravata preta dele e mordi seu pescoço com força. Ele limpou a garganta. Nossos olhos se encontraram. 

— Deixou uma boa marca? — Desafiou. 

— Sim.  — Respondi sentindo um gosto amargo e perigoso na boca. 

— Hm… Marca o que é seu? 

— Sim. — Respondi. 

— Ótimo. — Resmungou ele ofegante. Thomas mordeu meu pescoço também. — Elizabeth nunca faria algo assim… Use a pulseira. Está no seu porta jóias. Eu a encontrei no chão ontem e coloquei lá.

Maldita seja Elizabeth que parece um anjo e maldito seja ele.

Eu ia estapeá-lo, mas ele segurou minha mão e a beijou. 

,— Estou indo. Até mais tarde, querida . Não precisa usar trajes debaixo. 

Ele me soltou e saiu do quarto. Eu pensei em ir até o carro me despedir dele, mas algo dentro de mm me impediu. 

Grace surgiu na biblioteca onde eu procurava algum registro sobre a maldição que contivesse o nome do demônio. 

 E ela carregava um estranho livro de capa preta e um desenho de uma rosa de sangue. Ela me estendeu o livro.

— Pegue. Era de sua mãe. 

— Minha mãe? 

Largo o livro de Macbeth que peguei da estante para disfarce e acolho o presente de Grace. 

— Mulheres muito misteriosas, vocês duas, querida. — Pontuou ela. — Mas a força que ela não tinha, você tem. Quando Thomas me falou que casaria com você… Eu fiquei feliz. Você não o fará morrer. Ivan morreu por amor, mas ainda me ressinto um pouco com Elizabeth por causa disso. Mas a tenho como filha já que perdi o meu menino. Não a mantenho aqui por vingança, mas sim porque me sinto sozinha. Thomas nunca foi de mostrar afeto. Era Ivan quem…

Ela respirou fundo. 

— Enfim, o livro das sombras de sua mãe agora está nas mãos certas. 

— Livro das sombras? — Deixei escapar. 

— Se alguém pode lidar com aquela coisa que possui Thomas é você. Não chamei o padre, porque se fizermos algo que irrite o demônio… Ele se vinga fazendo tudo desandar. E ainda matará Thomas… Eu não suportaria perder outro filho. 

— Entendo. — Respondo.

Ela sabe de tudo. Eu a subestimei. A considerei fútil por ser rica, mas ela sabe de mais coisas do que eu esperava e era amiga da minha mãe.

— Escute com atenção, Evangelina. Uma vez que o demônio possui o herdeiro da família, eles se tornam um só. É uma integração. Primeiro começa como uma simbiose leve, perdas de memoria. O  demônio controla a ação do seu receptáculo inconscientemente  e em momentos consegue possuir. E depois eles se tornam um conscientes um do outro e o demônio nessa fase não suporta ser dominado pela consciência atual do corpo. Faça ele não destruir Thomas. Faça ele querer ficar em Thomas. Para o demônio se libertar da sua prisão de carne é preciso que o herdeiro morra.  Faça ele querer ficar nesse plano.

— Como? — Perguntei. 

Onde ela quer chegar?

— Dê um bebê a Thomas e estará dando um ao demônio. 

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Comments

Lopes

Lopes

Ixiiii

2024-03-09

0

Rosária 234 Fonseca

Rosária 234 Fonseca

caraca choquei será que ela vai fazer isso ter um bebê

2023-09-03

2

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