Mamãe

Miguel me convidou para entrar em sua casa, e apesar da minha hesitação inicial, cedi devido à insistência animada de Ravi. Roger optou por esperar fora da casa. Ao entrar, notei imediatamente a simplicidade e organização do ambiente de quatro cômodos. Ravi correu rapidamente para seu quarto e voltou com um punhado de desenhos que ele tinha feito. Durante esse momento, os olhares entre Miguel e eu se cruzaram frequentemente, carregados de emoção e histórias não ditas.

Ravi entregou-me um dos desenhos com um sorriso radiante.

-Olha, mamãe, esse é para você. - Ele disse, e minha surpresa deixou Miguel espantado.

-Mamãe? - A expressão de Miguel revelou choque e incredulidade.

-Sim, papai,ela é minha mamãe. - Respondeu Ravi.

Ravi, sem entender completamente o impacto da conversa, concordou e deixou o recinto para que eu e Miguel pudéssemos conversar. Nós dois nos encontramos em um silêncio carregado de tensão, olhando um para o outro com um misto de sentimentos.

-Ele sabe que a mãe dele morreu? - Perguntei, quebrando o silêncio.

-Sabe e não sabe... - Miguel começou a explicar. - Eu não tive coragem de contar a ele que ela morreu. Disse que ela foi viajar.

-E por quê? - Inquiri, tentando entender sua decisão.

-Não quero que ele fique triste. - Miguel admitiu, sua voz carregada de angústia.

-Mas esconder a verdade não é a melhor solução. - Afirmei suavemente. - Eventualmente, ele vai descobrir, e a confiança que você construiu pode ser abalada.-Houve uma pausa tensa enquanto Miguel processava minhas palavras. Era evidente que ele estava lutando com o dilema entre proteger Ravi e enfrentar a realidade.-Eu sei que é difícil, Miguel, mas as crianças são mais resilientes do que imaginamos. Eles merecem a verdade e a oportunidade de compreender e lidar com seus sentimentos. Se você continuar a esconder isso, pode ser mais prejudicial a longo prazo.

Miguel assentiu lentamente, absorvendo minha sugestão. Era um passo importante, mas também um desafio delicado a ser enfrentado. A verdadeira jornada de reconstrução e crescimento estava apenas começando para todos nós.

-Eu agradeço, Ellen, por se preocupar com o Ravi. - Miguel expressou sua gratidão, e eu retribuí com um sorriso sincero.

-Ele é uma criança adorável. - Compartilhei minha impressão sobre Ravi, sentindo uma conexão crescente com aquele menino doce.

Ficamos em silêncio por alguns instantes, o peso das palavras não ditas pairando no ar. Quando estava prestes a pegar minha bolsa e partir, Miguel segurou gentilmente meu braço e se aproximou do meu corpo, o que fez meu coração disparar.

-Eu sei que você veio aqui várias vezes, vi o seu carro. - Sua voz era cheia de sinceridade. - Preciso dizer que me arrependo amargamente de ter te enganado. Como eu gostaria que tivéssemos tido um encontro diferente, uma chance real.

-Infelizmente, as coisas nem sempre acontecem como planejamos. - Suspirei, pensando em todas as voltas que a vida havia dado. - Ainda estou muito brava com você, e o perdão vai ser difícil.

Miguel manteve o olhar fixo nos meus olhos, suas emoções visíveis em seu rosto.

-Se você me odiasse tanto, não estaria aqui. - Sua voz estava carregada de vulnerabilidade, e sua confissão me tocou profundamente.

Olhei para ele, sentindo a tensão entre nós e a mistura complexa de sentimentos que a situação evocava. Era verdade que eu não estava ali apenas por Ravi, eu também tinha sentimentos confusos por Miguel. Era difícil admitir, mas também era impossível negar.

-Você quebrou a minha confiança, Miguel. - Declarei, minha voz suave, mas firme. - E isso é algo que leva tempo para ser reconstruído. Eu não sei se algum dia vou conseguir confiar em você completamente novamente.

Ele assentiu com um olhar de compreensão, aceitando as palavras com humildade.

-Eu entendo, Ellen. Eu entendo completamente. Sei que tenho muito a provar, e estou disposto a fazer o que for necessário para ganhar de volta sua confiança, mesmo que leve anos.

Suspirei, sentindo uma mistura de emoções enquanto olhava para aqueles olhos que um dia me encantaram profundamente.

-Vamos ver o que o tempo nos reserva, Miguel. Por agora, estamos apenas começando a lidar com as consequências das nossas escolhas passadas.

-Eu preciso dizer antes de tudo que te amo, e não vou desistir de nós dois. - As palavras de Miguel eram sinceras e cheias de determinação. Ficamos ali, olhando um para o outro, a tensão no ar sendo interrompida pela voz animada de Ravi.

-Mamãe? - Ravi veio correndo em nossa direção, separando-nos abruptamente. - Você vai morar aqui? Por que a senhora viajou e deixou eu e o papai aqui?

As perguntas de Ravi me atingiram como um soco, e eu senti a necessidade de protegê-lo de qualquer dor desnecessária. Miguel e eu compartilhamos um olhar, e eu percebi que ele estava lutando para encontrar as palavras certas.

-Filho, a mamãe não vai morar aqui, e o papai precisa conversar com você sobre isso. - Tentei explicar a situação delicadamente.

-Mamãe! - Ravi correu até mim e me abraçou com força. Eu senti uma mistura de emoções enquanto o abraçava de volta. - Eu senti tanto a sua falta.

A cena me pegou de surpresa, mas antes que pudéssemos continuar, Miguel estava tentando explicar a verdade para Ravi. Sua expressão era de desespero, como se ele não soubesse como contar ao filho sobre a mãe que havia falecido.

-Ravi, lembra quando eu te expliquei que a mamãe ia viajar por um tempo? - Miguel começou a explicar, sua voz trêmula. - Porque a mamãe estava ocupada com o trabalho dela. Ela não podia ficar aqui conosco.

O olhar confuso e curioso de Ravi foi direcionado a mim e depois ao pai. Era evidente que ele estava tentando entender a situação, mas havia algo que não se encaixava.

-Ela está aqui agora, papai! - Ravi exclamou com alegria, olhando para mim com olhos brilhantes. - Ela que é minha mamãe.

Eu olhei para Miguel, seus olhos cheios de surpresa e choque, e percebi o quanto ele estava perdido, entao resolvi agir.

-Sim, querido. - Eu acariciei seu cabelo, olhando para Miguel com uma expressão séria. - Eu sou sua mamãe. E estou aqui agora para ficar um tempo com você.

Miguel parecia surpreso com minha atitude, mas eu não podia deixar que Ravi descobrisse a verdade dessa maneira. Eu estava disposta a fazer o que fosse necessário para proteger esse pequeno coração, mesmo que isso significasse entrar em um território complexo de mentiras.

Depois de colocar Ravi para dormir, senti a necessidade de partir e voltar para minha casa. Enquanto me dirigia para a porta, Miguel me segurou delicadamente pela mão, sua expressão carregada de emoção.

-Eu não sei o que dizer... - Miguel começou, visivelmente tocado por tudo o que estava acontecendo.

Eu o encarei por um momento, entendendo a complexidade da situação entre nós. Queria dizer muitas coisas, mas as palavras pareciam falhar diante da intensidade do momento.

-Quero que o Ravi fique bem. - Fui direta, desejando o melhor para o filho de Miguel.

Ele assentiu, parecendo apreensivo.

- Eu vou contar a ele a verdade. Sobre a mãe dele e tudo mais.

Minha mente divagou por um instante, pensando na realidade que Ravi teria que enfrentar quando descobrisse toda a verdade. Mas então, uma ideia me ocorreu, e eu o interrompi.

-Não, Miguel. Deixa como está. - Olhei em seus olhos, minha voz carregada de compreensão. - Ravi é uma criança adorável, e acho que é melhor para ele acreditar que eu sou a mãe. Ele não precisa carregar o peso da verdade agora.

Miguel pareceu surpreso com minha sugestão, mas eu estava decidida. Queria proteger Ravi e evitar que ele fosse afetado negativamente por essa revelação.

-Obrigado, Ellen. De verdade. - Miguel disse, seus olhos demonstrando gratidão.

-Não há de que. - Sorri suavemente, sentindo uma mistura de emoções. Era estranho estar em uma situação tão delicada e complexa com Miguel, mas eu estava determinada a fazer o que fosse melhor para Ravi.

Nós nos despedimos ali, nossas mãos ainda juntas por um breve momento antes de nos soltarmos. Saí da casa de Miguel com um misto de sentimentos, sabendo que havia muito a ser resolvido, mas também sentindo uma pequena faísca de esperança no ar.

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