Um possível vilão

Chamei Miguel para uma sala reservada, a tensão entre nós era palpável enquanto subíamos silenciosamente no elevador. Meu coração batia acelerado, uma mistura de ansiedade e apreensão. Tantas perguntas inundavam minha mente, cada uma competindo por espaço, todas exigindo respostas. A criança dormia tranquilamente em seus braços, alheia ao turbilhão de emoções que nos envolvia. Enquanto subíamos, lembranças começaram a ressurgir. Recordações das palavras que ele havia dito, das promessas que pareciam tão verdadeiras naquele momento, do beijo que tinha um significado que eu não conseguia decifrar completamente. Cada passo do elevador parecia ecoar o ritmo acelerado do meu coração, a proximidade da conversa iminente aumentando a pressão em meus ombros.

Quando finalmente chegamos à sala reservada, um silêncio tenso nos envolveu. Miguel cuidadosamente acomodou a criança adormecida no sofá, e nossos olhares se encontraram. Naquele momento, o passado e o presente pareciam colidir, e eu me vi relembrando cada detalhe dos momentos que tínhamos compartilhado. O olhar de Miguel continha uma mistura de emoções, tanto quanto o meu. Havia o anseio por respostas, a incerteza do que estava por vir e uma pitada de esperança. Eu queria entender o que havia acontecido, queria saber por que ele desapareceu, por que escolheu permanecer em silêncio durante todo aquele tempo. Nossos olhares eram uma conversa não dita, um diálogo profundo que transcendia as palavras. Cada ruga, cada olhar, cada movimento carregava significados que eram conhecidos apenas por nós dois. No espaço entre nós, anos de separação pareciam diminuir, e estávamos novamente diante daquela conexão inexplicável que sempre existira.

As palavras permaneciam suspensas no ar, como se nenhuma delas fosse suficiente para encapsular todas as emoções que estávamos sentindo. E enquanto nos encarávamos, eu sabia que a jornada que estava por vir não seria fácil, mas era necessária. Havia coisas que precisavam ser ditas, verdades que precisavam ser reveladas, e um passado que precisava ser enfrentado. Em silêncio, nos encaramos, nossos olhares se comunicando mais profundamente do que qualquer frase poderia fazer. Era o começo de uma conversa que poderia mudar tudo, uma conversa que poderia finalmente nos libertar das sombras do passado e lançar luz sobre o nosso futuro.

-Eu não acredito que você esteja bem? – Disse ele emocionado. – Eu sofri tanto, eu achei que nunca mais ia te ver, eu achei que...

-Estou bem agora, Miguel. – Disse, tentando tranquilizá-lo. – Você saiu da empresa, por quê?

-Muitas coisas aconteceram naquele dia. A notícia de que você tinha morrido me destruiu, e eu me culpei tanto por isso.

-A culpa não foi sua...

-Sim, foi minha. Se eu tivesse entrado na sua vida, nada disso teria acontecido. – Ele fez uma pausa e respirou fundo. – Eu não deveria ter entrado para a empresa, muito menos ter me aproximado de você. Eu deveria ter falado a verdade desde o começo, mas eu estava sendo ameaçado.

-Do que você está falando?

-Foi o Marques que me contratou para pegar seu dinheiro.

Aquelas palavras atingiram-me como um soco no estômago.

O choque da revelação reverberou no ar entre nós. As palavras dele eram como pedras que caíam em um lago tranquilo, criando ondulações de surpresa e incredulidade. Enquanto eu o encarava, minha mente tentava assimilar o que ele acabara de confessar. As emoções se misturavam em um turbilhão dentro de mim. Raiva, tristeza, confusão, tudo se entrelaçava, tornando difícil discernir o que eu deveria sentir. Miguel permanecia diante de mim, seu rosto carregado de arrependimento e tristeza, e eu podia ver a sinceridade em seus olhos.

- Eu tinha acabado de perder a minha namorada, eu estava com um filho pequeno, eu precisa de grana, então o Marques entrou em contato comigo, disse que tinha algo que poderia me ajudar muito. Eu não sabia o que era e precisava de grana então topei na hora. Ele me explicou mais ou menos o que eu teria que fazer, mas quando eu te conheci eu me apaixonei de verdade e não queria fazer mais parte do plano, então fui conversar com ele...

-Eu tinha acabado de perder a minha namorada, eu estava com um filho pequeno, eu precisava de dinheiro, então o Marques entrou em contato comigo. Ele disse que tinha algo que poderia me ajudar muito. Eu não sabia o que era e estava desesperado por recursos, então topei na hora. Ele me deu uma explicação superficial sobre o plano, mas quando eu te conheci, Ellen, algo mudou em mim. Eu me apaixonei de verdade e não queria mais fazer parte daquilo. Resolvi conversar com ele e...

Após ouvir essas palavras, minhas pernas fraquejaram e eu quase caí no chão. Miguel me segurou, seus braços me envolvendo enquanto lágrimas começavam a inundar meus olhos.

-Eu fui enganada de novo... – murmurei para mim mesma, perdida em meus pensamentos e sentimentos.

-Eu nunca quis te enganar, Ellen. Eu tentei parar, tentei mudar o rumo das coisas, mas era tarde demais. - A voz de Miguel carregava um tom de remorso e dor sinceros

Quando soube do seu acidente, corri para contar tudo à sua família. Seu pai me pediu para me afastar de você, e eu carreguei esse peso por anos. Quando soube que você estava bem, não pude mais ficar parado. – Miguel falou, sua voz carregada de sinceridade. – Eu sei que você provavelmente vai me odiar agora, e eu entendo, mas eu preciso dizer que te amo. Amo você profundamente, e não vou desistir. Os olhos de Miguel estavam cheios de emoção, a intensidade de seus sentimentos se refletindo em cada palavra que ele pronunciava. Eu olhei para ele, sem dizer nada, minha mente uma mistura de pensamentos conflitantes. As palavras dele ecoaram em meu coração, fazendo-me confrontar a complexidade dos meus próprios sentimentos.

Eu queria acreditar nas palavras dele, queria acreditar que havia uma chance de redenção e de cura entre nós. Mas as feridas do passado eram profundas, as cicatrizes do engano e da traição ainda estavam frescas. E, no entanto, seus olhos transmitiam uma genuinidade que era difícil de ignorar.

-Miguel, eu... – comecei a dizer, mas as palavras se perderam em meio à confusão dentro de mim. Minhas emoções estavam em guerra, meu coração dividido entre a dor do passado e a possibilidade de um futuro diferente.

Ele permaneceu ali, esperando, sem pressa, como se entendesse a magnitude do que estava acontecendo dentro de mim. Em seus olhos, eu vi um misto de medo e esperança, a expectativa de um veredicto que poderia mudar tudo. Respirei fundo, tentando encontrar clareza em meio ao turbilhão de sentimentos. E então, olhando nos olhos de Miguel, deixei escapar um suspiro antes de finalmente dizer:

- Eu preciso de tempo para processar tudo isso. Não é algo que eu possa decidir de imediato.

A expressão de Miguel misturava gratidão e compreensão. Ele sabia que as feridas eram profundas e que merecia que eu tomasse meu tempo para decidir. E, enquanto eu encarava o homem diante de mim, percebi que a jornada estava apenas começando. Um passado de mentiras e enganos estava sendo desvendado, e o futuro estava repleto de incertezas. Mas, em meio a tudo isso, havia uma chance real de redenção e de encontrar a verdadeira essência do amor.

Miguel pegou a criança nos braços com delicadeza, e antes de sair da sala, ele lançou um último olhar na minha direção. O silêncio na sala era pesado, e eu me sentia sobrecarregada pelas emoções conflitantes que inundavam minha mente. Enquanto tentava processar tudo o que havia acontecido, um impulso de frustração e confusão me dominou. Sem pensar, alcancei um vaso de flores que estava sobre a mesinha e o arremessei com força contra a parede, deixando escapar uma explosão de sentimentos reprimidos.

No meio do caos emocional, meu pai apareceu na sala, observando a cena com uma expressão de preocupação. Rapidamente, ele se aproximou e me ajudou a me levantar do chão, segurando-me com gentileza e firmeza ao mesmo tempo.

-Minha filha, levante. - A voz do meu pai soava calma, mas havia um toque de apreensão em suas palavras.

-Pai, por que o senhor não me contou? - Minha voz saiu tremula, carregada de frustração e tristeza.

-Minha filha, eu não queria interferir na sua vida. E você ama ele. Eu não queria que você sentisse raiva dele. Por um momento, admito que desejei vê-lo na prisão, mas ele tem um filho pequeno, e tudo isso foi motivado pelo desespero. - Meu pai explicou, seu olhar carregado de compreensão e preocupação.

Suas palavras foram um bálsamo para minha confusão. Era difícil aceitar que Miguel tinha escondido tantos segredos, mas, ao mesmo tempo, eu começava a enxergar a complexidade de sua situação. Meu pai tinha evitado intervir para proteger meus sentimentos, e sua abordagem cuidadosa fez sentido.

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