Ravi

O bairro onde Miguel morava era modesto e bastante distante do centro da cidade. Enquanto íamos naquela direção, eu pensava sobre o quanto ele deve ter caminhado para chegar à empresa todos os dias. A distância era considerável, e eu me peguei imaginando o esforço que ele fazia para estar lá.

Quando o carro finalmente parou em frente a um conjunto de casas simples, Miguel cuidadosamente pegou seu filho nos braços, pronto para sair do carro. Antes de partir, ele virou-se para mim e seu olhar encontrou o meu. Um sorriso de agradecimento se formou em seus lábios, um gesto que carregava mais significado do que palavras.

Um conflito interno se instalou dentro de mim, dividindo meus pensamentos e emoções. Enquanto Miguel estava ali, um lado de mim pedia desesperadamente para que ele dissesse algo, para quebrar o silêncio que pairava entre nós. Outra parte de mim, porém, clamava para que eu simplesmente partisse dali, evitando o desconforto e a complexidade de confrontar o passado. Minhas emoções estavam em um turbilhão, e a confusão dentro de mim era palpável. Por mais que eu tentasse resistir, eu queria tanto conversar com ele, queria dissipar todas as dúvidas que surgiam no meu coração. As palavras não ditas e os sentimentos mal resolvidos estavam pesando sobre mim, e eu sabia que, se não enfrentasse aquela situação, continuaria carregando esse fardo emocional.

Deixei meu orgulho dominar minhas ações naquele momento. Com um gesto de despedida para Miguel, segui meu próprio caminho em direção a casa. Nos dias que se seguiram, eu me vi passando pelo mesmo lugar várias vezes. Em algumas dessas ocasiões, vi Miguel e seu filho por ali. O desejo de sair do carro e enfrentar a situação era constante, mas meu orgulho era uma barreira intransponível.

A cada vez que eu os via, meu coração se apertava um pouco mais. Eu ansiava por esclarecer as coisas, por entender o que realmente havia acontecido e talvez até encontrar uma maneira de perdoar. No entanto, o medo da rejeição e da vulnerabilidade era poderoso demais para ser ignorado. Eu estava presa em um ciclo de hesitação e conflito interno. Meu desejo de deixar o passado para trás e dar uma chance à conversa estava em constante batalha com meu orgulho ferido e minha relutância em me expor emocionalmente.

Em um dia seguinte, enquanto passava pela mesma área, vi apenas o filho de Miguel brincando com outras crianças no parquinho. Fiquei parada por um momento, observando-o enquanto ele ria e interagia com os outros. Os traços dele eram inegavelmente semelhantes aos de Miguel, uma lembrança visual do homem com quem eu compartilhara uma história complicada.

Meus pensamentos foram interrompidos quando Roger, meu motorista, chamou minha atenção:

-Senhora? Por que a senhora não vai lá?

Eu hesitei por um momento, debatendo internamente se deveria ou não me aproximar. Conversar com Miguel não era mais apenas sobre nós dois, mas também envolvia esse jovem que eu mal conhecia, mas que estava ligado a ele de maneira profunda.

-Conversar? - Eu disse, mais para mim mesma. - Melhor não, vamos embora.

Eu estava prestes a sair quando algo aconteceu. O filho de Miguel, que estava brincando com as outras crianças, caiu no chão. Um instinto automático assumiu o controle enquanto eu saía rapidamente do carro e corria em direção ao menino.

Eu o peguei nos braços, preocupada com sua segurança:

-Está tudo bem? - Perguntei, levantando-o com cuidado do chão.

Ele olhou para mim com olhos arregalados, talvez surpreso por uma estranha se aproximar tão rapidamente. No entanto, ele parecia ileso e apenas um pouco assustado pelo tombo. Enquanto eu segurava o menino, percebi o quão frágil e preciosa era a infância e a inocência que ele representava. Foi um momento simples, mas significativo, que fez meu coração balançar e minha mente se encher de pensamentos conflitantes sobre meu passado e o que eu deveria fazer a seguir. Ele parecia ter entre 3 e 4 anos de idade, com olhos castanhos brilhantes e cabelos cor de mel. Sua aparência era uma combinação marcante de traços de Miguel e também traços da mãe. Enquanto eu ainda o segurava, seus coleguinhas vieram em sua direção, rindo da queda que ele havia sofrido.

-Caiu, bebê chorão? - Provocou um garoto mais velho.

Outro coleguinha continuou com a provocação, lançando um comentário maldoso:

-Não chora, vou chamar sua mãe... Ah, é, você não tem mãe?

O menino, em sua inocência, olhou para mim, buscando uma resposta:

-Parem de rir! - Ele reagiu, desafiando os coleguinhas. - A minha mãe está aqui? - Apontou na minha direção, seus olhos cheios de expectativa.

As palavras cruéis dos coleguinhas ecoaram em meus ouvidos, e eu senti uma mistura avassaladora de emoções. A raiva começou a crescer em mim, uma raiva que parecia vir de uma fonte profunda, muito além da situação presente.

-Para de falar, pirralho! - disse um dos coleguinhas

Não consegui me conter e exclamei com um tom de voz carregado.

- Sou mãe dele sim. - Minha declaração chocou a todos, e os olhos daquela criança se iluminaram com uma mistura de surpresa e esperança. - Onde está o papai? - Perguntei, tentando manter minha voz firme.

-Ele saiu, mamãe. - O menino respondeu com uma voz doce.

Minha determinação aumentou, e eu decidi agir. Não podia deixar aquela situação continuar daquela forma. Eu disse ao menino:

-Vem comigo!

A expressão de surpresa no rosto de Roger deixou claro que minha declaração o pegou desprevenido. Entramos no carro e eu pedi a Roger que desse uma volta pelo bairro. Enquanto o carro avançava pelas ruas, aproveitei a oportunidade para fazer perguntas sobre o menino que agora estava comigo. Seu nome era Ravi, ele tinha 4 anos de idade e gostava de colorir. Descobri que vivia com seu pai, Miguel, o que trouxe um misto de emoções ao meu coração. Saber que Miguel estava cuidando do filho sozinho me fez sentir uma estranha sensação de orgulho e alegria.

No decorrer da conversa, fui aprendendo mais sobre Ravi e como ele era uma criança alegre e cheia de energia. Ele parecia ser a luz na vida de Miguel, uma ligação que eu não estava ciente e que me fazia questionar muitas coisas.

Quando finalmente voltamos ao condomínio, a cena que se desenrolou diante de nós era intensa. Miguel estava claramente desesperado, esperando ansiosamente na frente do condomínio. Eu podia sentir a tensão no ar enquanto o carro parava. Sai rapidamente do carro, segurando a mãozinha de Ravi com firmeza. Miguel correu em nossa direção, olhos arregalados e preocupados.

-Ravi! - Exclamou ele, sua voz carregada de alívio e emoção. Ele pegou Ravi nos braços, abraçando-o com força e ternura. - Onde você estava? Eu fiquei tão preocupado!

-Eu encontrei Ravi no parquinho, ele caiu e se machucou um pouco. - Expliquei com calma, observando a interação entre pai e filho.

Miguel olhou para mim, os olhos cheios de gratidão e preocupação.

-Muito obrigado por cuidar dele. Eu... eu não sei o que faria se algo acontecesse com ele.

Senti uma conexão silenciosa entre nós naquele momento, uma compreensão mútua que transcendia as palavras. Enquanto olhávamos um para o outro, eu soube que era hora de enfrentar o passado, compreender a verdade por trás das escolhas que havíamos feito e começar a construir um caminho para um novo começo. 

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