Os próximos quinze dias da vida de Elisa são os mais corridos de toda sua vida, pois ela teria que estudar o máximo que podia para passar no vestibular, o que seria uma tarefa um tanto quanto complicada, já que a escola da comunidade em que ela morava, vivia faltando professores, ou então era interrompida por perseguições entre policiais e bandidos. Elisa teria que se esforçar ao máximo, se quisesse passar no vestibular.
Durante os quinze dias, não saiu de sua casa, apenas se dedicou aos estudos. Somente em seu último dia de estudos, no sábado, já que seu vestibular seria no dia seguinte, domingo, é que Marta, sua mãe, pediu que ela fosse até um mercadinho na esquina para comprar um quilo de feijão, já que havia acabado. Elisa fecha seus livros e sai até o mercadinho, e enquanto andava pela rua, notava as crianças correndo desenfreadas atrás de uma pipa que havia caído em um terreno baldio, próximo dali.
Elisa entra no mercadinho tranquilamente e vai até a prateleira de feijão, pega um pacote e vai em direção ao caixa. Nesse momento, quando estava prestes a sair, um imenso tiroteio começa, várias pessoas começam a correr e se abrigarem dentro do pequeno mercado, e Elisa volta imediatamente até o fundo do estabelecimento e se esconde atrás do balcão do açougue, pois apesar de ter crescido naquele lugar, e ter presenciado aquilo inúmeras vezes, era sempre um pânico geral. Ela fecha seus olhos e seus ouvidos, pois a sensação de estar no meio do fogo cruzado era desesperadora.
Em meio a muitos barulhos de tiros e pessoas gritando, ouve-se em seguida o barulho das sirenes da polícia chegando, o que não significava alívio, pois poderia muito bem recomeçar tudo. Elisa nem percebia, mas chorava de desespero, pois pensava em sua mãe, pois ela podia ter saído de casa, por conta do desespero. Nesse momento, Elisa sente alguém tocar seu ombro e falar com ela, mas Elisa não prestava muita atenção, queria somente que aqueles barulhos parassem.
— Ei boneca......Você está passando mal? — Perguntava a voz masculina.
Elisa não conseguia responder, apenas pensava em sua mãe. Minutos depois, os barulhos cessam. Todos começam a se recompor e a sair para fora dos estabelecimentos. Elisa lentamente abre seus olhos e retira suas mãos dos ouvidos, porém, ainda tremia muito.
— Precisa de ajuda, gatinha?
Elisa levanta seus olhos e encontra os de um rapaz que a olhava preocupado, ele era alto, tinha os músculos definidos, parecia ter uns vinte e poucos anos, seus olhos eram de um azul profundo, e sua voz era macia.
— Não. Eu estou bem, acho que foi o susto.
— Entendo! Me chamo, Júlio e você?
— Elisa!
— Nunca tinha te visto por aqui, Elisa! É uma pena termos nos conhecido nessa situação. Você é muito bonita, sabia?
— Infelizmente isso é comum por aqui, não é? Obrigada pela ajuda, mas agora eu preciso voltar para casa.
— Espero vê-la novamente, Elisa! Tomara que em melhores circunstâncias. O que acha de sairmos qualquer dia desses? Tenho certeza que você não vai se arrepender de sair comigo!
Elisa nada responde, pois acabara de passar por uma situação completamente assustadora, e aquele rapaz estava a chamando para sair, não fazia o menor sentido, ele havia sido no mínimo inconveniente. Ela apenas sai apressada porta afora e anda o mais rápido possível até sua casa, pois sabia que sua mãe deveria estar com o “coração na mão”. Assim que ela entra, Marta a abraça imediatamente.
— Que alívio que você está bem, meu amor!
— Foi por pouco, mãe! Eu tinha acabado de entrar no mercadinho, senti tanto medo.
— Acho que chegou a hora de nos mudarmos daqui, não acha? Agora que estou ganhando melhor, e que o senhor Otto vai arcar com os seus estudos, podemos pagar aluguel num lugar mais seguro. Eu amo essa comunidade, pois cresci aqui, mas nunca sabemos quando isso vai acontecer, não podemos ficar nesse fogo cruzado.
— Eu nunca consegui me acostumar com isso, mesmo tendo presenciado centenas de vezes, mas é sempre traumatizante. A senhora tem razão, acho que temos que nos mudar.
No dia seguinte, Elisa acorda cedo e vai prestar seu vestibular, estava confiante que daria tudo certo, pois havia se esforçado muito, estudando. Perto da hora do almoço, Elisa chega em sua casa, mas ao dobrar a esquina, nota o carro de Murilo parado em seu portão. Ela entra em casa e encontra Murilo sentado em uma das velhas cadeiras da cozinha.
— Que surpresa, Murilo!
— Eu quis realmente te fazer uma surpresa! Trouxe um almoço especial para comemorarmos seu ingresso na universidade. Tenho certeza que você passou, pois se dedicou bastante. Não nos falamos nesse período, porque queria que se concentrasse somente em seus estudos.
Murilo havia comprado uma refeição completa, e ele, Elisa e Marta se sentam à mesa para comerem. A conversa entre eles fluía muito bem, e Elisa se sentia animada em entrar para a universidade. A tarde passa muito rápido, e depois de passar quase a tarde toda com Elisa e Marta, Murilo se despede e vai embora, mas antes, avisa Elisa que faria uma viagem à trabalho de trinta dias aos Estados Unidos.
— Espero que nesses trinta dias, você não me esqueça, Elisa!
— Não se preocupe! Isso não vai acontecer. Espero que corra tudo bem em sua viagem.
— Estou gostando muito de estarmos nos conhecendo melhor, tem sido muito especial, e a cada dia que passa, eu me sinto mais encantado por você, Elisa.
— Eu também gosto muito da sua companhia, Murilo!
— Gostaria que você sentisse mais do que isso, mas já é um começo! Até a volta, Elisa!
— Até, Murilo!
Elisa havia passado no vestibular, e ao contar para Otto, o patrão de sua mãe, recebera os cumprimentos sinceros dele. No dia de fazer sua matrícula na universidade, ele fora pessoalmente com ela. Ela não se cabia de tanta felicidade, andava sorrindo pelos cantos, e sua mãe, também era puro orgulho, pois Elisa não teria que ser empregada doméstica como ela e as gerações passadas, e embora tivessem orgulho de trabalharem tanto para se manterem, era muito sacrificante.
Em seu primeiro dia na universidade, Elisa se sentia um peixinho fora d’água, pois todos ali eram filhos de pessoas ricas, e ela, não. Todos falavam de suas conquistas pessoais, suas viagens, mostravam suas roupas caras, e ela, por ser pobre, negra e moradora de uma comunidade, tinha que lidar com os comentários, cochichos, e olhares tortos, mas ela apenas observava, não estava disposta a desistir de seus sonhos por causa de terceiros.
Uma semana depois de ter começado os estudos, enquanto voltava para sua casa na comunidade das laranjeiras, Elisa entra no ônibus que àquela hora já estava lotado, ela se espremia por entre as pessoas e tentava chegar até o final do veículo, pois se ficasse na frente, seria impossível descer. Ela se agarrava ao corrimão, quando ouve alguém chamando por seu nome, e ao olhar mais atentamente, reconhece os olhos azuis como o mar, do rapaz que a chamava, era o mesmo que ajudara no mercadinho, no dia do tiroteio.
Ele fazia sinal para que ela fosse até ele, e para que ela se sentasse em seu lugar. Elisa estava tão cansada, que acaba aceitando, pois tinha que caminhar um bom trecho a pé até o ponto de ônibus mais próximo até a universidade.
Finalmente o ônibus ia se esvaziando e em dado momento, Júlio acaba se sentando ao lado de Elisa, os dois então, passam a conversar.
— Você está vindo do trabalho?
— Não! Estou vindo da universidade.
— É mesmo? Meus parabéns! Você estuda o quê?
— Faço odontologia. Sempre foi meu sonho ser dentista.
— Você ganhou uma bolsa? Não me leve a mal em te perguntar isso, mas como eu sei que mora na comunidade das laranjeiras, assim como eu, sei que uma mensalidade de odontologia não deve ser nada barata.
— Você está certo, eu não tenho mesmo condições de arcar com esses custos, mas o patrão de minha mãe se ofereceu para pagar tudo. Ele é um homem bem rico e quis nos ajudar.
— Nossa, que patrão bom esse, hein! Quem me dera!
— Você trabalha, Júlio?
— Sim, trabalho com meu pai. Ele tem uma oficina mecânica e eu trabalho com ele. Na verdade, cresci dentro daquela oficina, sei tudo e mais um pouco, meu pai vive dizendo que eu me tornei melhor que ele. Estou vindo agora mesmo da casa de um cliente, fui entregar um carro, aqui na comunidade mesmo, lá para os lados de cima. Depois aproveitei e fui até o centro resolver umas coisas, aí dei sorte de pegar esse ônibus, pois a garota mais bonita está dentro dele, e estou olhando pra ela nesse exato momento.
Elisa se sente envergonhada de ouvir aquelas palavras, pois Júlio a olhava de uma forma desconcertante, e ela se sentia desconfortável, sem contar que se sentia mal em falar com ele por causa de Murilo, e mesmo não tenho um compromisso algum com ele, sabia dos sentimentos que ele nutria por ela.
A conversa entre os dois, dentro do ônibus, se mantinha apenas na neutralidade, falavam apenas sobre o tempo, o trabalho dele, a universidade dela, e sobre a comunidade em que moravam, nada além disso, mas ele tinha alguma coisa que a incomodava, ela só não sabia o que, exatamente.
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Atualizado até capítulo 45
Comments
Ameles
aí e que deu merda
2024-11-27
0
Anonyamor
Jovem ingênua vai cair na lábia do bonitão de olhos azuis
2024-09-29
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Maria Helena Macedo e Silva
com o Murilo ela se sente confortável já com o Júlio mesmo sendo bonito , ela se sente incomodada perto dele e com a cantada que ele oferece a todas que o ouve... com isso já estar tendo sinais de manter a distância, mas são poucos que interpretam os sinais expostos diariamente.
se incomodar é melhor se afastar para não si machucar😉
2024-05-28
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