Por um fio

Os braços gélidos da morte me rondavam uma vez mais. Caído em meio a sombra do passado, fixo na escuridão do teto daquela torre, os pensamentos que eu tanto tentava negligenciar, me inebriaram, e com tanta clareza, a epifania dos sórdidos desejos escondidos fora compreendida, até seu último fio, mais claro que beber água em um copo de vidro, mais limpa que as vidraças de uma janela recém comprada.

E eu passei a querer viver, dentre tantas quase mortes, e algumas nem tão acidentais assim, pela primeira o desejo pela vida me toma em seus braços, o gosto amargo do arrependimento dominava em minha boca, e eu já não conseguia mais pensar em encontrar meu pai, pois as imagens dele ainda eram tão claras em minha mente, e afastava qualquer mal. Gliatru passara de uma grande bola de confusão, para a mais alva das certezas. E me fazia querer ficar, ficar por ele.

Mas a cada segundo que passava, mais sangue eu perdia, mais meu corpo, que já estava acostumado com tal sensação, almejava desistir. Minhas mãos buscavam o acalento, das lembranças das mãos dele entrelaçadas as minhas, mas Gliatru não estava aqui, havia se perdido em sua própria fúria.

Somente as explosões de luz de uma batalha por poder eram vistas, do chão eu observava Damag e Gliatru pelejarem. Repentinamente as correntes que obstruíam Gliatru, foram quebradas, por uma explosão azul que emanava de seu corpo, o Gnoriano passou a ter controle sobre tudo, tomado pela raiva, atingiu um patamar de ôni-manipulação, e Damag que também possuía o controle da matéria, não chegava nem perto dele.

Do chão eu tentava chamar sua atenção, eu entendia sua raiva, mas não era mais hora para isso, pois eu morreria a qualquer momento. Mas minhas forças se esvaiam, nem sussurros meus eram mais audíveis. Damag cobrira o corpo com aquela armadura radioativa e fora para cima de Gliatru mais uma vez, mandando o Gnoriano para longe, que levanta no mesmo estante. O Gnoriano estende as suas duas mãos, e centrado, faz a torre inteira começar a tremer, os vidros se partiam em um redemoinho cobrindo os dois, estilhaços começavam a cair, tanto em Damag quanto nele próprio, Gliatru não tinha controle sob o poder recém descoberto. E eu ainda estava lá, sangrando, jogando no chão, no meio daquela batalha, com cacos de vidro caindo ao meu redor, sem poder fazer nada.

Foi quando Gleorio e John chegaram, por uma passagem no teto, caíram com força bem onde estávamos.

— Ai! — Reclama John — Eu disse pra não viemos por ali.

— Igor? IGOR — Grita Gleorio correndo ao notar minha presença.

Ambos tentavam desviar dos resquícios mortais e sem controle daquela batalha. O Gnoriano parou ao meu lado, desesperado, tentando fazer pressão e parar o sangramento, Gleorio chorava e tentava falar ao mesmo tempo, mas eu já não o via com clareza, minha visão estava me abandonando, alguns cacos cortavam um pouco da sua pele, e John tentava nos proteger daquilo, mas se alguém não parasse Gliatru, talvez todos nós pereceriamos

— Igor, aguenta, você tem que aguentar, até voltarmos para nave! — O mesmo dizia em prantos — JOHN, FIQUE AQUI, E FAÇA PRESSÃO NO FERIMENTO, EU VOU TENTAR PARAR ELES.

Gleorio tentou correr abaixando, com as mãos manchadas pelo meu sangue, ele saiu com muita dificuldade, se aproximando o máximo que conseguia, sofrendo pelo caos daquela batalha, ele tentou gritar, chamar a atenção do irmão, mas nada funcionava, alguém morreria dessa vez, e talvez eu fosse o primeiro. Foi então que ele resolveu se arriscar mais, já com vários cortes aleatórios pelo corpo, Gleorio se aproxima mais, respirando acelerado, tentando não sofrer danos graves daquele redemoinho de vidro, que os separava da gente e o impedia de e ver o que estava causando. De uma única vez, ele pula, adentrando o mesmo, e com as mãos sujas de sangue ele consegue roubar seu atenção.

— OLHA! OLHA O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO! — Ele grita frente ao irmão — Você tem que parar, Igor está morrendo — Ele para e respira pesado — Não consigo salvá-lo dessa vez.

Gliatru apenas o olhava inconformado, perdido em seu proprio caos, seus olhos passavam acelerados por todos os cantos, observando os estragos que ele mesmo causou, confuso, ele olha em minha direção, o redemoinho de antes já não se encontrava mais, e ele tinha uma escolha a fazer. Damag aproveitou a situação para alfinetar mais sua mente perturbada.

— Vai lá, salve seu namoradinho! Mas não fique achando que eu vou ficar sentado esperando — Diz o Gílio.

— Gliatru, Gliatru me escuta — Ele se aproxima com as mãos em seu rosto — Sou eu, seu irmão, vai haver outras chances para você acabar com ele, mas agora precisa recuar, ou perderá Igor para sempre.

— Irmão? AH! — Damag sussurrou consigo mesmo — É! Recue feito um covarde

— Não de ouvidos a ele! Vamos, temos que ir imediatamente.

— Eu não vou permitir — Damag sussurra.

Para impedir Gliatru de fugir, o Gílio materializa outra lança de vidro, e sem titubear a joga na direção do Gnoriano, mas Gleorio entra na frente para salvar seu irmão. Num momento desesperador, seus olhos se arregalaram ainda mais, diante do que poderia acontecer com seu irmão mais novo, então mesmo sem saber como, Gliatru para a lança no meio do caminho, a jogando de volta ao Gílio, que não teve a mesma sorte, a mesma pegara em sua perna direita, o fazendo perder o equilíbrio.

Com o Gílio sem ação, ambos puderam finalmente sair dali, e correram em minha direção.

— Você precisa levantar agora! Não podemos esperar mais — Gleorio diz.

— Espera... — Digo com dificuldade —Espera — Com lentidão eu seguro a mão de Gliatru. — Eu não... não quero ir sem te dizer...

— NÃO! PODE PARAR, VOCÊ NÃO VAI A LUGAR NENHUM — Gliatru grita em prantos.

Após me levantarem, caminhei com muita dificuldade, com os braços apoiados em Gleorio e Gliatru, meu sangue escorria e deixava uma trilha por onde passávamos, eu não tinha mais forças para dar um passo, então caí, levando ambos comigo.

— Agora não, vamos, falta pouco —Gliatru tentava me levantar.

— Não... — Sussurro com num sorriso. — Não tem mais nada pra mim, me escuta...

— NÃO! NÃO OUSE SE DESPEDIR. EU NÃO VOU OUVIR, NÃO VOU DEIXAR VOCÊ PARTIR.

— Está tudo bem... ta tudo bem — Levo minhas mãos trêmulas até ele — Me perdoe, se eu só percebi tarde de mais, me perdoe por ser tão idiota, e tentar negar o que estava tão óbvio —Minhas lágrimas escorriam sem freio. — Eu...Eu...

— Não, não, não, não, fiquei quieto! Por favor... — Gliatru chora levando a cabeça até meu peito — Não vá! Por favor, não me deixe assim... Me perdoe, é minha culpa...

Todos observavam, em prantos, essa parecia ser realmente nossa despedida.

— Não... nada disso é culpa sua... eu... eu devia ter dito antes... mas fui tolo — Parei tossindo sangue — Você...você...sempre...vai...ser o meu destino...

De repente eu perdi as forças, nenhuma palavra mais saía de minha boca, e minha visão escurecia gradativamente. Eu estava morrendo.

— NÃO! — Gliatru grita descontrolado — Não vá, você não pode ir! Gleorio por favor, faça alguma coisa.

— Ojak, me desculpa...tudo bem, vai ficar tudo bem! — Ele diz colocando a mão em seu ombro.

— Não! — Ele grita — Ele não morreu.. não pode...

— Ojak...

— NÃO! — Grita o empurrando para longe — Eu não vou deixar você ir assim...

E mais uma vez às mãos do Gnoriano brilharam, de seu corpo a mesma luz azul emanava, sem saber o que estava fazendo, Gliatru posiciona suas mãos em cima do ferimento, e o brilho começa a se intensificar, e a tomar todo meu corpo.

Fora como abrir uma porta, uma porta que trouxe átona toda uma vida já vivida; um passado até então desconhecido; nosso passado começara a inundar minha mente, milhares e milhares de lembranças de outrora passavam como flashes de luz; e eu me via, Gliatru e eu, no exato momento em que nossas vidas se encontraram pela primeira vez, quando ainda pertenciamos ao mesmo lugar, quando nossas almas habitavam outros corpos e eu jurei amá-lo pela enternidade.

E quando nossas almas finalmente deixaram a existência, eu prometi encontrá-lo, em todas as outras vidas, jurei não descansar até ter o privilégio de amá-lo uma vez mais; e cá estou eu, cumpri minha promessa, mas será tarde de mais pra nós?

— Você não pode me deixar! Por favor, volta.. VOLTA! — Ele grita prolongado.

Meus olhos se abriram no instante que seus gritos chegaram ao meu ouvido, seus comando me guiarão de volta até aqui, fora tão bom, ouvir o doce som de sua voz, grossa e suave, e eu nao sei como, mas aquilo me fez voltar, como se eu tivesse sido puxado de volta na metade do caminho. Meu corpo ainda doía, mas minha visão era clara como o dia, podia ver todos tão espantados quanto eu, ninguém pudera explicar o que houve aqui, mas nada disso importava agora, pois graças a isso eu estava vivo, havia ganho uma segunda chance, como se alguém me falasse — Volte Igor! E pare de fazer merda.

E estava na hora de parar, pois nada na vida havia me dado tanta certeza, do que a que eu tinha agora. Gliatru era o meu destino, e é inútil lutar contra o seu destino, eu o queria, e agora o abraçarei sem rodeios, e não soltarei mais.

— Nunca mais faça isso comigo! — Ele chora sorrindo e logo me abraça.

— Me desculpa! Mas eu não vou mais a lugar nenhum, vai ter que me aguentar para sempre.

— Eu acho bom cumprir sua promessa dessa vez — Ele dá um sorriso largo.

— Comandante... — John titubeia mas se aproxima — O senhor está... bem! Mas como?

Todos estávamos tão confusos quanto John, mas não era a hora nem o lugar para discutir, tínhamos que fugir antes que Damag se recuperasse, e viesse atrás da gente. Ainda com muita dor, Gliatru me ajuda a levantar, e me apoiando em seus ombros, nós partimos de volta a nave, onde Gleorio poderia analisar melhor o quadro todo.

Já no interior da nave, que era branco e azul, Gliatru me leva até um pequeno quarto, onde tinha uma cama branca e azul de solteiro, com um painel de led do lado e alguns botões. A cama era equipada com comandos médicos, assim como os da sala branca em Gnoria. Gliatru esperava pacientemente do lado de fora, enquanto Gleorio me examinava. Minha ferida havia sido curada, assim como as do peito, só restando as cicatrizes, perplexo com aquilo que mais parecia um milagre, Gleorio não deixava transparecer suas dívidas, mas eu ainda estava muito fraco, devido a quantidade de sangue perdida, e dali só sairia direito a sala branca, que já virou praticamente minha casa.

— Ele está bem! Graças a você, mas está fraco devido a quantidade de sangue que perdeu, vai ter que ficar em observação e descansar bastante — Ele diz aos outros

— Obrigado! — Gliatru abraça o irmão, e logo entra no quarto.

Sozinhos nós estávamos, e era constrangedor, um longo silêncio estarrecedor se estalou no recinto. Ele caminhou sentando ao meu lado na cama e logo quebra o silêncio.

— Não se esqueça do que me prometeu! — Ele sorri — Vai ter que ficar comigo agora.

— Ei! QUE VERGONHA! — Sorri virando para o lado.

— Vergonha do que? Você é meu agora — Ele diz se aproximando mais. — E não vai a lugar nenhum. Olhe para mim!

Me viro para olhá-lo, colocando as mãos em sua rosto, eu digo.

— Eu prometi que sempre iria te encontrar. E não vou a lugar algum sem você — Sorri.

— Como assim? — Ele parecia confuso

— Esqueça!

Nada mais precisava ser dito, pois seu olhar já dizia tudo, nossas ações entregavam tudo o que nossas lábios não diziam. Diminuindo nossa distância ainda mais, apoiando um braço na cama, ele aproxima mais o seu rosto de mim, nossos olhos não se desviaram um do outro nem por um segundo, minhas mãos surfavam na pele de seu rosto, e então eu tomo a iniciativa, selando de vez à distância entre nós. Com um beijo calmo, nossas almas pareciam conversar, nossas línguas dançavam de felicidade ao se encontrarem pela segunda vez, e entre beijos e sorriso, ele ia se aconchegando mais, nossos corpos estavam colados, um em cima do outro, sua mão agora repousava em minha cintura. Vez ou outra ele parava, apenas para me olhar, sorrindo feito bobo, e logo voltávamos a nos beijar, calmamente, não havia porquê ter pressa, éramos totalmente um do outro, entregues de corpo e alma.

Corpos ligados e destinos entrelaçados, agora nossas almas gritavam ardentemente, o que antes nos recusávamos ouvir. Nada substituía a sensação de se estar verdadeiramente apaixonado, não há como fugir disso, por mais que você tente enganar o destino, tudo sempre cooperará para que o amor vença no final. As vidas que já estão ligadas, sempre irão se encontrar, não importa o tempo que passe, ou a distância que estejam um do outro, destinados sempre estarão destinados.

Desde o segundo que o vi, a esse incrível momento, e até o final dos nossos dias contados, ele sempre foi e sempre será o meu destino.

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