Capítulo 4. Invasão

Naquela noite, não foi só a tempestade que aconteceu, uma tentativa de invasão, também ocorreu. Foi uma batalha sangrenta e muitos lobisomens morreram, principalmente da Alcateia de Rude e ele se retirou, deixando os mortos para trás. A Alcateia de Ramon tem uma feiticeira como aliada poderosa e só por isso, ele não conseguiu vencer, ainda.

Kurt foi um dos que morreu na invasão, foi pego na mata, depois de deixar Jade na cabana, por sorte não a encontraram, ou seu fim seria certo.

A feiticeira ajudou a incinerar os corpos e os feridos foram cuidados pelo doutor Malek com seus assistentes, nada muito grave e Malek sentiu falta de Kurt e assim que tudo se acalmou, foi procurar pelo jovem, seguindo pelo caminho que o viu entrar no dia anterior. Encontrou-o estraçalhado e uivou, chamando os guardas, que logo chegaram, levando o corpo em pedaços.

Malek continuou o caminho, tentando encontrar o local onde Kurt escondeu June. Encontrou os escombros de uma cabana mal feita e não acreditou que aquele pudesse ser o lugar. Kurt não faria aquilo com uma jovem humana tão inocente. Já ia seguir, quando ouviu um gemido e foi retirando os escombros da cabana.

— June, June, você está ai? Sou eu, Malek.

— Nhummmmm

Ele continuou tirando as tábuas e folhas secas do telhado, seguindo os gemidos e encontrou ela encolhida, tremendo e quando tocou-a, sentiu a febre alta. Pegou-a no colo e levou-a como uma folha de papel. Não foi para a clínica, mas levou-a para sua casa. Deu-lhe um banho na banheira, com água fria e medicou-a, deitando-a na cama e cobrindo-a, foi para a cozinha, fazer um caldo.

Deu-lhe de comer e cuidou dela por três dias, até que melhorasse e finalmente conseguiu tirá-la da Alcateia. Colocou em prática o seu plano, levando-a para seu sítio do outro lado da cidade. Avisou sua companheira humana e quando chegou, estava tudo preparado, esperando-a.

— Seja bem vinda, querida, você será a filha que nunca pudemos ter. Meu nome é Rosa.

— Obrigada Dona Rosa.

Malek sempre foi um médico conceituado, estava com a carreira consolidada, casou com o amor de sua vida, até ser mordido pelo Alfa Ramon em uma noite em que foi atender alguém ferido na Alcateia. Dali em diante, passou a vida dividido entre sua esposa e o trabalho na Alcateia. Viveu dias difíceis, quando andou descontrolado em suas primeiras transformações.

Sua esposa não pode ter filhos, porque os lobisomens transformados, não podiam engravidar quem não fosse sua companheira. Ele não encontro esposa humana, embora ela fosse envelhecer e morrer e ele continuaria como está. Ela não queria ser transformada e ele respeitou sua vontade.

June sentiu-se bem na casa, com o tratamento de Rosa e aceitou tudo que lhe ofertaram. Um registro de identidade, endereço, estudo e treinamento. Os dias passaram, sua aparência melhorou, assim como a saúde, aprendeu a ler e escrever e aos poucos, os exercícios fortaleciam sua musculatura. Aprendeu a cozinha e tornou-se uma mocinha linda e prendada. 

Um ano depois, estando na cidade, fazendo compras para Rosa, andava na rua, olhando as vitrines, quando mãos rudes a agarraram pelo braço, puxando-a, batendo-a de frente a um peitoral largo.

— Olha a ratinha, virou uma tigresa. Senti sua falta, lindinha.

— Me solta, não faço mais aquelas coisas.

— Isso é uma pena.

Ela não teve como escapar, lhe acertaram a cabeça e a arrastaram para dentro de um prédio e a prenderam no porão. Largando-a, no chão sujo e mofado.

Quando June acordou sendo sacudida pelo homem, não sabia onde estava e logo se viu prisioneira do corpo pesado, sendo vítima da força e desejos masculinos, como tantas vezes foi e quando ele terminou, ela estava ferida, quebrada e suja. A  tortura se seguiu dia após dia, até ela voltar a se parecer a menina franzina e destruída.

Malek ficou desnorteado, procurando, pediu a todos os seus amigos da polícia, que a procurassem, mas ninguém conseguiu encontrar vestígios dela e quem a pegou, era importante demais, para ser preso.  Não tendo escolha, ele pediu ajuda à feiticeira da Alcateia e ela propôs um trato a ele.

— Já me tiraram muito da vida, não vou perder mais nada por uma vontade sua. — reclamou o médico.

— Nem pela sua filha?

— Não me tapeie, bruxa. Não tenho filhos.

— A menina que procura é sua filha. Da época em que você foi convertido, seguiu o cheiro de sua companheira e a emprenhou, mas estava descontrolado, a deixou e nunca mais encontrou.

Ele grunhiu, apertando o peito, sentindo seu coração palpitar forte e doer. Doeu por tudo que aquela criança passou e pelo que devia estar passando.

— Está bem, salve-a, bruxa.

— Não sou bruxa, médico ignorante, sou uma feiticeira. Meu pedido é que deixe ela comigo por um ano, vou testá-la e se encontrar magia nela, passarei a ela meus conhecimentos.

— Ela será uma feiticeira?

— Vamos ver o que falará mais alto.

— Está bem, mas só se ela concordar.

— Fechado.

Ela soprou e uma névoa com pó dourada cobriu os dois, formando um laço entre eles. A feiticeira mandou que ele fosse embora e começou sua investigação, procurando o rastro de June, através do espectro deixado por onde ela passou. Anoitecia e a lua cheia se elevava.

No quarto imundo, jogada em um canto, a jovem usada e abusada por quase toda uma vida, não suportou mais e deixou todo o ódio que tinha dentro de si, inundar com um veneno que corrompeu sua essência e ela se levantou, olhando para o pequeno vão gradeado que servia de janela, viu raios de luar, esperou até que viu um pedaço da lua cheia e explendorosa e fechando os olhos, clamou com toda sua raiva.

— Se existe um ser supremo que criou e controla todos os astros, que produz poder com sol e lua, me ouça agora e socorra-me ou morrerei em meu ódio e angústia. 

Os raios prateados a atingiram e a dor inundou o seu corpo e ela pensou que o ser supremo não gostou de sua oração e resolveu matá-la. Mas após um tempo, ela havia se transformado em um imenso lobo negro, com olhos vermelhos com chamas de fogo, que se ocultou nas sombras do lugar imundo.

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