Afonso entrou pela porta do quarto da jovem, a encontrando deitada na cama a chorar.
O seu coração doeu pelo sofrimento demonstrado pela filha, já que sua alma era corroída pelo remorso do descanso só passado. Faria de tudo para vê-la feliz e recuperar o tempo perdido em seu egoísmo e dor pela perda da esposa amada.
Caminhou até a garota que chorava. Sentou a beira da cama e com delicadeza tocou o topo da cabeça com carinho.
O que foi que aconteceu entre você e o filho de Lisboa?
Estava ansioso pela resposta, pois, temia que o jovem houvesse tentado molestar sua integridade física.
Complementou a sua fala:
Para reagir daquela maneira intempestiva? Perguntou ele em tom suave.
Ela levantou o rosto banhado pelas lágrimas e falou: _ Tenho pavor de Joaquim. Não o quero perto. És um preguiçoso, vive nas custas do pai. Tem temperamento violento e apaixonado, sendo imprevisível, temo de sucumbir em suas mãos em um ato impensado.
Disse ela cansada com sinceridade sendo novamente Teresa verbalizando os seus medos ao seu coração.
Afonso fitou o rosto da jovem e concordou com a observação feita por ela, a muito corria o boato da vida fausta do Filho do comerciante. Mas uma dúvida corroía o coração de Afonso, que imaginava que a filha já havia sido molestada pelo rapaz.
Com o coração aos saltos, fitou os olhos vermelhos da menina e perguntou:
O rapaz lhe fez alguma maldade?
O homem observava o rosto abatido da garota, que cansada abaixou a cabeça. Marina não poderia contar a ele que não era Teresa. Seu coração dizia que ela voltaria para própria vida quando mudasse a sorte da outra.
Marina respirou fundo e falou:
Nunca me fez maldades, apenas me critica com o olhar demonstrando desagrado com tudo que faço. Quer que me enquadre em suas fantasias juvenis, fato que me causa grande mal. Durante anos vivi presa as regras de minha madrasta no silêncio e na sua maldade. Hoje vivo feliz a falar e cantar. Não quero viver presa novamente.
Para o espanto de Marina quem falava era Teresa.
Os soluços saiam da boca do corpo, mas as duas personalidades sofriam juntas dentro daquele corpo de carne
Disse elas entre soluços. O homem refletiu sobre a fala da garota, imaginando que o futuro genro deveria ser um homem gentil e sensível para permitir a liberdade que ele havia dado a menina para pensar e falar após anos de silêncio e abandono.
_ Escute, querida, não permitirei que ele tenha acesso ao nosso lar, lhe prometo que jamais será forçada a se casar com ele, ou com qualquer outro que não seja do agrado do seu coração.
Disse o pai abraçando a garota que sentiu a paz a invadir o seu coração. Pela primeira vez acreditou que Teresa teria uma vida feliz ao lado do pai. Ambos passaram o resto da tarde conversando sobre a visita do médico e sobre as mudanças na estrutura dos cuidados com a fazenda. Pela primeira vez Marina sentiu esperança para ela e Teresa, já que ambas estavam ligadas naquela teia estranha. Todos os dias tentava achar uma explicação para aquilo que vivia. Uma experiência aterrorizante já que tinha que pensar em cada escolha e palavra que dizia, pois sabia que aquilo impactaria no destino de Teresa e na volta a sua vida.
Sentia-se sozinha sem poder falar com ninguém do que vivia e compartilhar seus medos. Vivia um jogo perigoso que poderia lhe causar ausência permanente de sua própria vida. Tentava compreender quem havia feito tamanha maldade para lhe arrastar a séculos no passado no corpo de outra pessoa, que estava presa com ela ali a dividir suas dores e medos.
Teresa era uma jovem insegura, cheia de medos e de traumas, via uma moça em carne viva a chorar no canto em um lugar escuro.
A cada atitude de Marina assertiva na vida de Teresa constava que uma das feridas que estavam abertas eram fechadas e a dor e angustia diminuía em seu peito. Só não enlouquecia com àquela experiência por saber que aquela dor não era sua, mas da jovem que pouco a pouco estava sendo curada graças a suas ações.
A noite trouxe ao coração de Marina um processo de reflexão sobre a tempestade interna que a levou ao choro. A cada dia se via presa nas teias da vida de Teresa e suas dores internas eram vividas para ela. Não julgava mais a jovem como fraca e omissa, mas como uma vítima da sociedade do passado. Um calafrio percorreu sua espinha ao lembrar dos olhos de Joaquim a seguindo. Sentia-se irritada com sua presença e não suportava a ideia de estar perto dele e de seu ciúmes. Queria dar a Teresa uma vida longa e feliz longe das garras de Lisboa que a usou como um passarinho na gaiola de ouro. Respirou fundo e foi para a janela a observar o terreiro da casa grande. Ao longe via as luzes pálidas das casas dos escravos que viviam felizes em suas pequenas construções. Afonso fazia todas as suas vontades de modo a lhe mostrar sua estima. Com isso conseguiu melhorias significativas na vida dos escravizados. Seu coração ansiava pela liberdade daquelas pessoas, mas sabia que a mesma só viria nos séculos seguintes. Sorriu ao lembrar do sorriso de Tião ao ver ao seu lado, sua esposa e filhas em sua pequena habitação. Alegria se tornou completa quando Afonso deu sua palavra de que jamais venderia seus escravos ou compraria novos conforme a vontade de sua filha. Tião se jogou aos seus pés agradecendo a sinhá pela bondade de seu coração. Não existia mais senzala ou maldades, apenas esperança e alegria. Já que as técnicas de irrigação utilizadas por suas sugestões poupou o povo do trabalho pesado. Além do sistema de rodízio por turnos de trabalho de modo a não esgotar ninguém, evitando assim acidentes na moenda da cana e manipulação do caldo escaldante. Feliz sabia que aquilo era o fruto do amor de Afonso pela filha, capaz de romper o trauma da morte da esposa o resgatando da dor e do egoísmo.
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Atualizado até capítulo 80
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