E todas as semanas foram assim. Ametista ia visitá-lo após vender toda a mercadoria. Metade já ficava no hospital então já era meio caminho andado. Os taxistas e motoristas de aplicativos, frentistas... todos compravam bolo de pote com ela.
Ela ia direto para o quarto dele e contava o seu dia, chorava quando estava triste, fazia carinho, limpava o seu corpo e a sua boca toda a vez que dava algo escondido para ele, cantava, massageava as suas pernas, cortava as suas unhas e penteava os cabelos dele que já haviam crescido desde a internação. Ela aparava a barba dele, mas não tirava tudo, achava que ele ficava charmoso de barba. Ele também não ia poder reclamar.
Com o passar dos meses, ela foi se afeiçoando ao homem deitado naquela cama. Ele não se mexia, falava ou abria os olhos, mas sempre que ela chegava, o corpo dele reagia. De alguma forma ele descobriu uma maneira de respondê-la, mesmo sem palavras. Ela descobriu sentir algo mais por Mike.
Isso só pode ser loucura. Só pode! Você nem sabe que estou aqui. Talvez você acorde e nem se lembre do que aconteceu. Talvez lembre e volte para sua vida em busca de vingança e me diga um “valeu pela ajuda!” e nem olhe direito na minha cara... ai céus! Onde eu fui me meter? Ela pensou enquanto olhava para o homem deitado a sua frente.
— Acho que me apaixonei por você, Mik. Que loucura, não é?! Jamais te falaria isso se estivesse acordado, claro. Você poderia me achar uma louca, oportunista ou sei lá mais o quê. Não que eu ligue, é apenas opinião. Mas... não sei nada sobre você e um dia quando sair daqui, tu vai embora resolver sua vida e eu volto pra a minha. Então... de que vale te falar "eu te amo"? Isso tá parecendo cena de filme, eu tô é precisando muito de um choque de realidade na minha vida, na moral.
Uma melancolia atingiu o peito de Ametista e ela suspirou com um sorriso fraco. Não sabia ao certo quando começou a se apegar ao homem deitado em sua frente, mas sabia que seria difícil esquecer aquele rosto. Algumas lágrimas rolaram do rosto dela molhando o dele mais uma vez.
Melhor sofrer por um homem que não pode sair da cama do hospital a sofrer por um que nem sei onde está. É patético, mas as duas maneiras são. Então...
— Sabe o que é pior?! Saber que você pode nunca olhar para mim pelo que aquela... desculpe Mik, pelo que aquela "piriputa vagaranha" fez com você. Mas bom, espero poder ser sua amiga um dia. Eu aguento a friendzone se tu acordar.
Mike ouvia tudo com um furacão no peito. Ele não queria, mas acabou por se afeiçoar a ela também, porém, o contraditório era que Natasha ainda o perturbava, mesmo com tudo o que ela fez. Afinal, foi um casamento de três anos com uma história de cinco. Mesmo em crise, ele ainda queria resolver as coisas e voltar a ser feliz com a esposa.
Ele não era santo; curtiu a sua adolescência e juventude, mas, as poucas vezes que esteve num namoro levou muito a sério então cogitou pensar que falhou como marido. Ela queria filhos e ele não, não por ele, mas devido à empresa.
Queria ser um pai presente e na época não podia, tinha acabado de herdar a fortuna e as responsabilidades das empresas do pai e precisava se inteirar de tudo antes de relaxar. Tinha feito vasectomia bem novo e não queria fazer a reversão enquanto estivesse ausente.
Eles conversaram sobre os pontos positivos e negativos, mas Natasha não quis entender. Para ela, um homem bem-sucedido como ele não precisava se preocupar com aquilo, poderiam contratar babás para auxiliar, mas ele não concordou porque queria estar lá com eles, como foi a sua criação. Depois disso, o casamento foi ladeira a baixo.
Àquela noite, ele percebeu que amou sozinho.
Ela amava o status dele, o nome da família dele, o dinheiro dele, mas apenas isso! Como ele pôde não perceber?
Ele era apenas um peão no tabuleiro de Natasha. Então as palavras de Ametista fizeram com que ele se sentisse mal por não poder ou querer corresponder. E mesmo contra a sua vontade, algo nele queria vê-la.
Como alguém poderia se apaixonar por ele daquele jeito? Em seu inconsciente, ele não queria saber mais de amor, mas ela estava ali entendendo a dor dele e mesmo assim se declarou para alguém que tecnicamente não a ouvia e podia rejeitá-la caso acordado.
Mesmo em três anos de casamento, Natasha sempre respondeu "eu também" ao invés de "eu te amo" para Mike, que nunca ligou para como ela expressava os seus sentimentos para ele. Mas Ametista estava ali, disposta a dizer essa frase tão importante para ele sem nem saber ao certo quem ele era, sem ter dado nada a ela, ele nem sabia como ela era, nunca a tocou.
As únicas coisas que viviam na sua mente sobre ela era seu perfume suave, o toque cuidadoso e a voz que o acalmava toda a vez que ele entrava em colapso. No dia em que ela o salvou, seus olhos estavam tão inchados, que mesmo abertos, não conseguiu ver nada além de sombras borradas. Ela não podia ser real.
Eu poderia me apaixonar por ela, mas isso em outra época, ele pensava enquanto a ouvia cantar. De onde essa garota apareceu? Ela podia ter me deixado aqui e sumido para não ter problemas. Mas ainda está aqui. Será ela uma alucinação? Algo que eu criei para fugir de toda essa merda que está acontecendo comigo? Seria ela apenas as sombras de alguém que eu desejava ter ao meu lado?
— Hey Mik, nunca te perguntei se eu te incomodo. Eu falo muito quando estou à vontade. Queria saber se ia gostar da sua cara agora. 'Cê fica um gato de barba, ‘homi’! E o cabelo está nos ombros já. Já te falei que tu é lindão?! Haha, pois é! Hoje vou sair, faz tempo que não dou uma volta. Não contei a ninguém sobre você, então meus amigos não sabem porque sumi por tanto tempo. Amanhã eu volto, está bem?!
Ametista ajeitou os cabelos dele e deu um beijo em sua testa. Antes de ir, ela segurou o rosto dele com as duas mãos e deu um leve e demorado beijo em seus lábios.
— Desculpe por isso, Mik. Prometo ser a primeira e última vez que desrespeito você assim. Não farei mais!
Ela então se virou para sair, mas Mike a impediu segurando sua mão. Ele ainda não se mexia muito, mas o aperto foi firme.
— Mike? O que foi? Quer que eu fique? Pode fazer outra vez, tipo, duas pra confirmar?
E ele fez, apertou a mão dela duas vezes. Ela estava em êxtase.
— Ca-ram-ba, você está consciente! Está chateado comigo por agora há pouco? Uma pra não.
E ele o fez. Não estava chateado.
— Eu... caramba! E agora, o que eu faço? Olha, Mik, isso é um bom sinal, certo? Você não consegue abrir os olhos ainda? — Ele apertou a mão dela em negativa. — Bom, isso é estranho, mas... significa que em breve você estará acordado! E que... em breve vai embora também!
Ao lembrar disso, todo o brilho se foi de seu rosto e ela se afastou delicadamente dele. Ametista foi chamar o médico e aproveitou para se recompor do seu segundo de "sofrência" por antecipação e beber um pouco d'água.
— Dr. Paulo, é possível que um paciente em coma fique consciente mesmo que o seu corpo não tenha forças para levantar?
— Sim, mas são raros esses casos.
— Mike está me respondendo, doutor! Ele aperta a minha mão para falar comigo.
— Tem certeza que não são apenas reflexos ou delírios?
— Tenho. No início eram apenas reflexos, ele sempre fez pequenos movimentos com os dedos dos pés e as mãos, mas eram involuntários, agora ele respondeu mesmo. Venha ver! — Eles entraram no quarto de Mike e foram até a cama.
— Hey Mik, voltei! Fui beber água e ao banheiro. Cê tá bem, né?
Mike apertou a mão de Ametista em afirmativa e ela sorriu feliz para o Dr. Paulo mostrando que estava certa. Enquanto a enfermeira entrou para trocar a sonda, eles foram para fora falar.
— Ele vai acordar em breve, não vai?
— Pode ser, mas pode ser que ele fique assim. Ele está bem e fora de perigo há muito tempo, mas ainda não acordou. Seja lá o que o esteja mantendo inconsciente, só depende dele agora.
— Eu... acredito que sei porque ele não quer acordar. Nosso corpo funciona de maneiras estranhas devido a um trauma, não é?
— Ele reage de muitas formas, até nós nos surpreendemos.
— Se ele não acordar nunca mais, o que fazemos?
— Como ele está consciente, se permanecer assim teremos que chamar a polícia para descobrir quem ele é e entregá-lo a família. Se não estivesse também. Não podemos decidir mais que isso.
— A família dele? Só deixaria ele sair daqui com os pais, ninguém mais!
— Ametista, é admirável o seu cuidado com o rapaz, mas você também não pode decidir isso. Se ele tem família, esposa e filhos? Não cabe a você mesmo que tenha salvado a vida dele.
— Doutor, eu... vou te contar o que aconteceu com ele, mas promete que vai guardar isso até que ele acorde? Se não acordar, eu vou embora e o senhor pode chamar a polícia e entregá-lo a família. — Ametista puxou o doutor para um canto do corredor e olhou para ver se não havia ninguém por perto.
— Tudo bem. Eu prometo!
— Pelo seu jaleco, estetoscópio e todas as vidas que ajudou a salvar?
— Você usou a frase que a minha filha usava... — Paulo se assustou um pouco. — Eu prometo.
— A esposa dele tentou matá-lo com o melhor amigo dele. Eu vi tudo e consegui salvá-lo. Então por favor, não o entregue a ninguém, não diga que ele está aqui até ele poder se defender. Assim ele ficaria vulnerável para quem o quer morto, e eu... bom, já tô cuidando dele, né?!
— Mas se ele for alguém ruim?
— Não acredito que seja e se for, nenhum ser merece aquilo. De qualquer modo, a minha intuição diz que não devo me afastar dele até ele estar acordado. Por favorzinho, promete que não vai dizer nada se vierem procurá-lo. E não me conte se vierem!
— Prometo!
— Mesmo? — os olhos dela revelaram um brilho contagiante.
— Mesmo! Por todos os pacientes dessa ala, não direi nada. Mas, se fizer um ano e ele não acordar...
— O senhor tem a minha palavra. Se dentro desse prazo ele não abrir os olhos, vou embora e pode fazer o que julgar melhor pra ele.
— Você realmente é uma raridade, Ametista! — Paulo se comoveu com a atitude da moça. Ele supunha que não era apenas intuição de mulher que a estava mantendo ao lado do homem acamado.
— Obrigada! Muito obrigada mesmo por ajudar!
— Sou médico, esse é o meu trabalho! — Paulo piscou para ela e saiu do quarto anotando algo em sua prancheta.
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Atualizado até capítulo 209
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