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DIANE CASTRO

UM MÊS DEPOIS…

Na minha vida, sempre fomos eu e meu pai. Nunca me vi sem ele, mas, desde a sua partida, tive que enfiar em minha cabeça que, daquele momento em diante, seria somente eu. Infelizmente, não conheci minha mãe, a não ser por fotos, pois faleceu em decorrência de uma hemorragia após o meu nascimento.

Não vivi o luto por parte dela, mas obviamente sentia sua falta, principalmente durante o colegial que via meus colegas junto com suas mães além de seus pais e, também, a cada vez que meu pai falava com tanto amor dela, algo que fazia seus olhos brilharem. Como jamais havia experimentado essa dor, não poderia imaginar o quanto doeria ao perdê-lo, ainda mais agora, enquanto terminava de arrumar suas coisas para doar pra igreja. Saber que não o verei mais com seus ternos de grife e sempre tão bem alinhados ao seu corpo, deixando-o um verdadeiro gato para exercer a função que tanto amava, trouxe lágrimas aos meus olhos, seguidas de um aperto no peito.

Limpei a umidade no meu rosto com as costas das mãos e fechei a última mala. Olhei ao redor, vendo as caixas espalhadas pelo quarto, e comprimi meus lábios, tentando conter minha emoção. Apesar de a grande tristeza de não o ter mais comigo, sabia que esse era o seu desejo, que doasse todos os seus pertences pra igreja que costumávamos frequentar.

Além de sempre nos sentirmos acolhidos, também foi onde se casou com a mamãe, e ele não escondia o quanto ficava pensativo quando íamos até lá.

— Está tudo pronto! — mencionei, satisfeita por concluir.

Peguei o celular sobre a mesinha de cabeceira pra ligar pro motorista da van que fretei para levar todas as coisas pra igreja, querendo saber se estava chegando, porém, fui interrompida pela entrada inesperada da minha tia no quarto. Respirei fundo em meio a minha tristeza e a encarei.

Era incrível como ela não conseguia me deixar em paz, mesmo em um momento como aquele.

— Diane, não acredito que doará todos os ternos caríssimos do seu pai. — Soltei um riso abafado, tendo a certeza de que a última coisa que gostaria nesse instante era vê-la e muito menos ouvir seus comentários que nada me ajudariam, pelo contrário.

— Nem tudo na nossa vida se resume a dinheiro, tia Tânia. Meu pai desejava que fizesse isso e cumprirei — enfatizei, vendo-a tentar abrir uma das caixas. — Não mexa em nada, por favor. Está tudo pronto pra ser levado pra igreja — pontuei.

— Igreja — repetiu com desdém ao se afastar da caixa. — Deveria ter doado para mim, isso sim! — completou, analisando o quarto até me fitar.

— E o que faria com tudo isso? — indaguei por curiosidade.

— Venderia. Tenho certeza de que daria uma boa grana. — Revirei os olhos ao perceber o quanto era gananciosa.

— Jamais permitiria que fizesse isso — esclareci.

— Você é uma sobrinha muito ingrata, isso sim! — cuspiu suas palavras com certo rancor.

— Não sou ingrata, apenas sensata. Tenho valor sentimental pelas coisas do meu pai, algo que não compensa discutir com a senhora, pois não entenderia — comentei.

Ela riu ironicamente.

— Ajudei o seu pai a te criar depois que minha irmã faleceu e olha só! — Olhou-me de cima a baixo. — Nem parece que é grata verdadeiramente por todo cuidado que tive com você — dramatizou.

— Sou grata pelo que fez por mim, mas lembre-se que sua ajuda ao meu pai não foi de graça. Ele sempre te pagou e não se esqueça que já tenho vinte anos, portanto, sei muito bem tomar minhas próprias decisões — evidenciei.

— Insolente como o pai — externou.

— Não tente me ofender, tia, e respeite a memória do meu pai — exigi, olhando em seus olhos, ainda emocionada por tê-lo perdido abruptamente. — Se era tudo que queria, pode sair, por favor — pedi, apontando em direção à porta.

— Não precisa ficar me expulsando, enfim… vou indo. Marquei de ir à manicure. — Riu cinicamente enquanto analisava suas unhas. — Tenha um bom dia, querida sobrinha. — Forcei um riso ao ouvir sua provocação e partiu.

Suspirei ao finalmente me ver livre dela. Sentei-me na cama e meu celular tocou. Atendi ao ver ser o motorista da van, avisando que já estavam em frente aos portões.

— Que bom que veio, filha — padre Agenor me cumprimentou.

— Sua benção, padre.

— Que Deus a abençoe. — Comprimiu seus lábios em um sorriso ameno.

— Amém — pronunciei.

— Como vai a vida? — Soou cauteloso.

Sentamo-nos em um dos bancos da igreja e começamos a conversar.

Era bom desabafar com ele. Meu pai fazia isso quando vinha aqui para encontrá-lo sempre que podia.

— Ainda meio desnorteada. — Fui sincera.

Meus olhos umedeceram. Respirei fundo, contendo minhas emoções.

— A perda nunca será confortável pra nós, seres humanos, mesmo que soubemos que, em algum momento, teremos de passar por isso, mas deve se agarrar aos bem-feitos do seu pai. Senhor Márcio foi um grande exemplo de força e determinação por aqui, quanto mais por ter se dedicado a você após ficar viúvo, se encarregando de te dar todo amor e amparo que precisasse, não é à toa que é essa jovem tão bela e inteligente. — Seu comentário me arrancou um meio-sorriso.

— Obrigada, padre. É bom conversar com o senhor — proferi, e ele juntou minhas mãos nas suas.

— Que bom, filha. Fico contente que te ajude a te distrair. — Olhou em meus olhos. — Disse que se sente desnorteada, por quê? — questionou, de repente.

Puxei o ar para os meus pulmões.

— Não sei direito o que fazer sem o meu pai. O escritório já foi fechado, porque não posso dar continuidade, já que não tenho formação ainda e… — Pausei, não conseguindo prosseguir, e uma lágrima escapou dos meus olhos.

— Calma, acredito que esteja na hora de te dar algo. — O encarei, vendo-o retirar um papel do bolso, que estendeu em minha direção.

Limpei meu rosto e funguei, aceitando o que notei ser um envelope nomeado a mim. Reconheci a letra no papel.

— Seu pai me deu isso um dia antes de partir. Não sei do que se trata, só disse ter tido um sonho estranho naquela noite que o deixou com um pressentimento ruim e que precisava que guardasse isso e a entregasse, caso lhe acontecesse algo — relatou.

— Que estranho. Ele não me disse nada disso — frisei.

— Conhecia bem o seu pai, então deve imaginar que não te contou por saber que ficaria extremamente preocupada com ele — salientou, demonstrando que o conhecia muito bem.

Meu pai e o padre eram muito próximos, como bons amigos, há anos.

— Tem razão — concordei, analisando o envelope.

— Quem sabe aí dentro não esteja a resposta que está procurando para clarear sua mente e finalmente ter um norte? — indagou, sugestivo.

— Espero que sim — externei, esperançosa. — Acho melhor ir. — Me coloquei de pé, e ele me acompanhou. — Estarei torcendo para que consigam vender todos os pertences do meu pai no bazar — desejei enquanto fomos andando até a saída.

— Obrigado, filha. Que Deus a abençoe por sua doação, nos ajudará muito a arrecadar dinheiro para a igreja — pontuou.

— Que bom, padre. Sua benção. — Ele me deu a benção e me despedi, partindo em seguida.

Ao chegar em casa, sentei-me no sofá na sala e abri o envelope.

Com as mãos meio trêmulas, desdobrei o papel, sentindo meu coração disparar no peito e meus olhos umedeceram ao começar a ler o que meu pai escreveu.

“Filha, sinto muito por ter falhado como seu pai. Não a apoiei em seus sonhos e me senti na necessidade de lhe deixar essa carta, mesmo não sabendo se algo me ocorrerá ou não. Enfim, peço que me perdoe.

Fui egoísta em querer mantê-la debaixo da minha asa a todo custo, não permitindo que fosse para Val Verde, cidade onde sempre quis ir para morar e estudar, tanto que tentou me convencer a ir também, o que nunca concordei. Agora, pensando melhor, notei o quanto errei ao fazer isso e meu conselho é que siga os seus sonhos. Não perca mais tempo e vá vivê-los.

Pode ser que não me tenha mais ao seu lado, mas não deixe que isso a impeça de fazer o que há anos vem sonhando realizar. Se desejar ir mesmo para Val Verde, procure por Frederico Motta, um amigo sobre quem sempre falei com você sobre ele. Tenho seu endereço anotado em alguma agenda no meu escritório.

Tenho certeza de que lhe ajudará com tudo, até por não ter terminado a faculdade ainda e, também, poderá lhe dar abrigo por algum tempo, visto não conhecer ninguém na cidade, enquanto se organiza.

Espero que me perdoe.

Se cuida. Te amo, filha.

Do seu pai, Márcio”.

Lágrimas banhavam o meu rosto quando finalizei a leitura. Juntei o papel contra o meu peito e chorei, emocionada demais para colocar em palavras. Meu pai foi um homem maravilhoso em todas as suas instâncias, o único problema sempre foi o de não me deixar ir em busca dos meus sonhos, e eu não o condenava por isso.

Óbvio que ficava chateada por ser cabeça dura e não me apoiar, porém, o compreendia. Ele havia perdido a mamãe de forma inesperada e isso o abalou profundamente a ponto de me querer por perto pelo resto de sua vida, o que de fato aconteceu. Agora poderia ir atrás dos meus objetivos, no entanto, não do modo que imaginei um dia, que seria com a sua companhia.

Limpei meu rosto e funguei, colocando-me de pé. Eu não me considerava uma pessoa chorona, pelo contrário, sempre tentava ser o mais alto astral possível, mas, em se tratando do meu pai e pela enorme falta que me fazia, visto que éramos apenas nós dois, isso explicava o motivo de estar assim ultimamente. Dobrei a carta e trilhei até o escritório que meu pai mantinha em casa, para onde trazia trabalhos inacabados para analisar em algumas ocasiões; abri a porta e entrei, chegando até sua mesa, e um filme de quando o via sentado atrás dela enquanto fazia anotações veio nitidamente em minha mente.

Sorri em meio às lágrimas, me sentando na sua cadeira, e permaneci por ali, chorando um pouco mais. Logo respirei fundo, engoli o nó que ainda era presente em minha garganta e me limitei a continuar chorosa.

Mais uma vez li sua carta e concluí que aquilo era tudo que estava faltando para clarear meus pensamentos e finalmente ter um norte, bem como o padre Agenor mencionou na igreja.

Faria o que meu pai me aconselhou, mesmo não o tendo comigo.

Seria triste ir sozinha para Val Verde e começar uma nova etapa da minha vida sem ele, mas não devia continuar abatida como vinha sendo há um pouco mais de um mês, desde sua partida. Era hora de tomar um rumo, por mais solitário que pudesse ser.

Certa sobre isso, inspirei o ar profundamente e deixei a carta sobre a mesa, me ocupando em procurar o tal endereço do Frederico. Não podia mais perder tempo. Tinha muita coisa para resolver antes de finalmente me mudar para Val Verde.

UM MÊS E DUAS SEMANAS DEPOIS… Em posse da minha mala de rodinhas, a arrastei pelo caminho de pedras em meio ao jardim muito bem ornamentado em frente à casa, depois de ser liberada para entrar por um dos seguranças ao me identificar nos portões. Mal cheguei até a porta e uma mulher me recepcionou.

— Bom dia, querida! Sou Mônica, digamos que a governanta dessa casa — me saudou, apresentando-se em seguida.

— Bom dia! Prazer em conhecê-la. — Sorri em resposta.

— O prazer é meu. Diane, certo? — se certificou.

— Sim — afirmei.

— Entre. O Frederico descerá em breve — informou.

— Obrigada! — agradeci e a acompanhei para dentro.

Olhei ao redor, observando o interior da casa, e não pude deixar de pensar no modo como a Mônica se referiu ao Frederico. Não o chamou de senhor, então imaginei que tivessem uma afinidade maior que simplesmente patrão e funcionária. Lembrei-me da Bel, uma senhora que trabalhou por muitos anos na nossa casa, e a tinha como uma avó, já que não havia mais uma.

Antes de vir para Val Verde, tive que despedi-la, pois vendi a casa.

Mesmo que não fosse meu desejo, tive que fazer isso, mas, além dos seus direitos, lhe dei uma quantia a mais para ajudá-la e, também, por todo tempo e dedicação que teve conosco, algo que agradeceu muito, o que me deixou bastante feliz.

Pisquei ao ouvir a voz de Mônica, deixando minhas divagações de lado.

— Sente-se, querida. Acredito que o Frederico não demorará — ofereceu.

Agradeci e me sentei, deixando minha mala ao meu lado no sofá.

Ela então saiu, me deixando a sós após dizer que iria pra cozinha.

Sentia-me um pouco nervosa por não saber o que o Frederico acharia de me abrigar em sua residência por um tempo. Se ele preferisse, poderia pagar minhas despesas também. Enfim, nem sabia mais o que pensar, só queria que surgisse logo para conversarmos a respeito.

Bufei depois de se passar mais algum tempo e me coloquei de pé.

Virei-me no exato instante em que o vi descer as escadas e seus olhos fixarem em mim, expressando certa surpresa, e tratou de se preocupar em vestir a camisa que tinha em mãos. Antes de se cobrir completamente, fui incapaz de conter meu olhar que desceu pelo seu peitoral másculo perfeitamente definido, chegando até o seu abdômen cheio de gominhos, além de dar tempo de ver suas tatuagens: duas no pescoço e outra que pegava do seu ombro esquerdo até o pulso.

Apesar de tê-lo visto no enterro do meu pai, não notei nenhum daqueles detalhes, afinal, o momento não foi nem um pouco propício a isso.

Agora era diferente. Será mesmo que tinha sido uma boa ideia vir procurar abrigo em sua casa?

Antes de chegar a qualquer resposta, fui obrigada a sair do meu torpor quando ele parou em minha frente, fazendo com que seu cheiro de banho recém-tomado misturado ao aroma do seu perfume almiscarado e marcante adentrasse minhas narinas, ele abriu um sorriso lindo, estendendo sua mão pra mim: — Bom dia, Diane. Desculpe pela demora. Tudo bem?

— inquiriu, olhando-me com seus olhos azuis, continuando a sorrir.

Não! Definitivamente, eu não estava nada bem.

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Comments

Maria Aparecida Monteiro Firmino Cida

Maria Aparecida Monteiro Firmino Cida

ele não é bem um pouco modesto
convencido 😏

2023-10-16

10

Lu e a Estante de Sonhos

Lu e a Estante de Sonhos

Huuumm!! Barriga tanquinho e tatuagens... adoroooo!!!🥰🥰🥰😋😋

2023-10-05

0

Lucilene Letícia

Lucilene Letícia

🙃🙃

2023-09-29

0

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