Capítulo 16_20
Era mais uma noite fria e pesada para Cecy. Após mais um dia exaustivo na K.E.M., com o chefe pegando no seu pé e os colegas a ignorando completamente, ela decidiu que precisava de uma pausa. Entrou em um bar pequeno, quase vazio, procurando um lugar para esquecer seus problemas. Sentou-se em uma mesa próxima à janela, observando as gotas de chuva escorrendo pelo vidro enquanto esperava sua bebida.
Foi então que ele entrou. Cecy percebeu o homem de imediato – era difícil não notar. Alto, com uma presença que parecia preencher o ambiente, ele olhou ao redor antes de escolher a mesa bem ao lado da dela. Ela tentou ignorá-lo, mas, depois de alguns minutos, ele quebrou o silêncio.
– Noite difícil? – perguntou, sua voz suave, mas cheia de curiosidade.
Cecy o encarou, desconfiada. – Algo assim.
Ele sorriu de lado, como se entendesse mais do que ela dizia. – Sei como é. Barzinho como esse é ótimo para esquecer o dia.
Ela revirou os olhos levemente, voltando a encarar a janela. Mas ele não desistiu.
– Sabe – ele disse, mudando de posição para encará-la diretamente – acho que você precisa de algo melhor do que o que quer que tenha pedido.
Antes que Cecy pudesse responder, ele se levantou e foi até o balcão. Após um breve diálogo com o atendente, voltou com os braços cheios: leite, chocolate em barra, uma pequena jarra de creme e até uma lata de chantilly.
– O que está fazendo? – Cecy perguntou, confusa.
Ele sentou-se novamente, arrumando os ingredientes na mesa como um alquimista preparando sua poção. – Vou fazer chocolate quente. O verdadeiro. Algo me diz que você precisa disso mais do que um café aguado.
Ela o observava com uma mistura de ceticismo e curiosidade enquanto ele começava a trabalhar. Arthur – como ele se apresentou casualmente enquanto mexia o leite em uma pequena panela portátil trazida pelo atendente – tinha uma habilidade inesperada. Cortava o chocolate com precisão, aquecia o leite na temperatura exata e misturava tudo com paciência.
– Você sempre faz isso para estranhos? – Cecy perguntou, incapaz de esconder o interesse.
Ele riu enquanto mexia a panela. – Nem sempre. Mas hoje pareceu a coisa certa a fazer.
Quando terminou, Arthur despejou o líquido cremoso em uma xícara e a colocou diante dela. Para finalizar, adicionou uma generosa dose de chantilly e um toque de raspas de chocolate. A apresentação era impecável, mas o aroma era ainda melhor.
– Pronto – ele disse, sorrindo satisfeito. – Experimente e me diga se isso não é um remédio para dias ruins.
Cecy hesitou por um momento, mas deu o primeiro gole. O sabor era rico, doce e reconfortante, como um abraço em uma noite fria. Ela fechou os olhos por um instante, permitindo-se saborear a bebida.
– É... perfeito – admitiu, surpreendendo a si mesma.
Arthur sorriu, recostando-se na cadeira. – Eu disse.
Eles continuaram conversando, e, aos poucos, Cecy começou a relaxar. Arthur tinha um jeito leve, descontraído, mas também parecia genuinamente interessado nela. Não a tratava como alguém quebrada ou invisível, mas como uma pessoa.
– Por que você fez isso? – ela perguntou, depois de um tempo. – Quero dizer, você nem me conhece.
Arthur a encarou por um momento antes de responder, sua voz mais baixa, quase um sussurro. – Às vezes, a gente não precisa conhecer a pessoa para saber que ela precisa de um pouco de gentileza.
Cecy ficou em silêncio, suas mãos envolvendo a xícara quente. Pela primeira vez em muito tempo, sentiu algo diferente. Não era apenas gratidão, mas uma centelha de esperança. Talvez, só talvez, ela não estivesse tão sozinha quanto pensava.
Enquanto a noite avançava, Cecy não sabia se aquele encontro mudaria algo em sua vida. Mas uma coisa era certa: Arthur, com seu chocolate quente e suas palavras inesperadas, havia deixado uma marca que ela não esqueceria tão cedo.
Cecy, o tumor e Miguel: Reflexões sobre dor e esperança
Cecy estava sentada no sofá de sua sala, segurando uma xícara de chá que esfriava em suas mãos. A luz da tarde entrava pelas janelas, iluminando seu rosto cansado, mas determinado. Era estranho como as coisas haviam mudado tão rápido. Algumas semanas atrás, ela era apenas uma mulher tentando sobreviver ao trabalho e às dores de cabeça. Agora, tudo parecia ter virado de cabeça para baixo.
Ela respirou fundo, olhando para o vazio enquanto as palavras saíam de seus lábios, como se confessasse para o ar o peso que carregava.
– Você nunca imagina que algo assim pode acontecer com você – começou, sua voz baixa, mas cheia de emoção. – Sempre pensa que essas coisas acontecem com outras pessoas. Até que um dia, você está sentada na frente de um médico, e ele diz que você tem um tumor no cérebro.
Cecy fechou os olhos, sentindo novamente o aperto no peito que sentiu naquele momento.
– Eu não consegui reagir. Não chorei, não gritei, não perguntei por quê. Apenas fiquei ali, ouvindo ele falar sobre tratamentos, sobre opções, sobre probabilidades. Como se fosse outra pessoa, não eu.
Ela respirou fundo, tentando manter a calma enquanto as memórias vinham à tona.
– Eu achava que as dores de cabeça eram só estresse. Trabalhar na K.E.M. era difícil, mas achei que era normal sentir cansaço e tensão. Nunca passou pela minha cabeça que fosse algo tão sério. Tomei remédios por meses, ignorei os sinais... até que não dava mais para ignorar.
Cecy passou a mão pelo rosto, como se quisesse apagar o peso das lembranças.
– E então, no meio disso tudo, conheci Miguel.
Um pequeno sorriso apareceu em seus lábios, trazendo uma luz inesperada ao rosto cansado.
– Miguel. Ele não fazia ideia de quem eu era ou do que estava passando, mas de alguma forma parecia enxergar tudo. Eu o conheci no hospital, quando estava esperando para fazer uma ressonância. Ele estava sentado do outro lado da sala, com um sorriso tão grande que parecia um raio de sol em um dia nublado.
Ela riu baixinho, lembrando-se do primeiro encontro.
– Ele veio até mim, com a confiança de uma criança que não tem medo de nada, e disse: "Por que você está tão triste?" Eu não sabia o que dizer. Quem era esse garotinho estranho perguntando isso? Mas, antes que eu pudesse responder, ele disse: "Não precisa ficar. Tudo vai ficar bem. É o que minha mãe sempre diz."
Cecy fez uma pausa, como se quisesse saborear a memória.
– Foi tão simples, mas tão poderoso. Naquele momento, Miguel me deu algo que eu nem sabia que precisava: esperança. Ele se sentou ao meu lado e começou a falar sobre coisas aleatórias – seu cachorro, seu brinquedo favorito, o que ele queria ser quando crescesse. Era como se ele soubesse que eu precisava ouvir qualquer coisa que não fosse sobre médicos, exames ou diagnósticos.
Ela olhou para a xícara em suas mãos, o sorriso ainda presente, embora misturado com um toque de tristeza.
– Desde então, Miguel se tornou uma parte importante da minha vida. Ele é apenas uma criança, mas me ensinou tanto. Ele me lembra que, mesmo nos dias mais difíceis, há algo pelo que vale a pena lutar. E, por mais estranho que pareça, acho que conhecê-lo foi uma espécie de presente.
Cecy levantou os olhos, como se estivesse falando diretamente para alguém que não estava ali.
– O tumor ainda está aqui. Ainda é assustador, ainda parece um peso impossível de carregar. Mas, por causa de Miguel, eu consigo enxergar além disso. Ele me lembra que a vida não é só dor e medo. É também sobre as pequenas coisas. Os pequenos milagres. Como um sorriso de uma criança em um dia que parecia perdido.
Ela respirou fundo novamente, sentindo-se um pouco mais leve.
– Talvez eu não saiba o que vai acontecer amanhã. Talvez eu não consiga controlar o que está por vir. Mas, enquanto Miguel estiver por perto, enquanto eu puder encontrar razões para sorrir, acho que posso continuar lutando.
E, com essas palavras, Cecy sentiu algo mudar dentro dela. Não era um milagre, mas era suficiente. Porque, às vezes, tudo o que você precisa é de um motivo para acreditar. E Miguel era o dela.
Cecy desabafando sobre a perda de si mesma
Ela estava sentada no escuro, o silêncio da noite preenchendo cada canto do quarto. As luzes apagadas, as cortinas fechadas, mas dentro dela tudo parecia ainda mais escuro. Com a voz baixa e trêmula, Cecy começou a falar, como se estivesse se dirigindo ao vazio ou a alguém que não podia ouvir.
– Eu não sei mais quem eu sou... – disse, sentindo o peso dessas palavras em seu peito. – Minhas memórias... elas estão desaparecendo, como fumaça que você tenta segurar nas mãos. Um dia estão aqui, tão vivas, tão reais... e no outro, são apenas sombras.
Ela respirou fundo, mas a dor parecia não diminuir.
– Eu tento me lembrar do que importa. De Miguel, da risada dele, daquele sorriso que me fazia acreditar que o mundo ainda podia ser bom. Mas até isso está começando a desaparecer. Eu fecho os olhos e vejo apenas borrões. A voz dele... as palavras... estão ficando distantes.
Cecy apertou as mãos, sentindo as lágrimas correrem por seu rosto.
– É tão injusto... – ela murmurou, quase como um grito preso. – Eu lutei tanto para chegar aqui. Para encontrar um propósito, para acreditar que eu merecia algo bom. E agora... agora parece que tudo está sendo arrancado de mim. Primeiro, o tumor. Agora, minhas memórias... o que vai sobrar de mim?
Ela parou, tentando respirar, mas o desespero tomava conta.
– Eu me sinto cansada. Não é só físico, não é só por causa do tumor. É algo mais profundo, como se... como se eu estivesse carregando um peso que não é meu. Como se cada dia fosse uma batalha contra algo que eu nem consigo ver. E eu... eu não sei se tenho forças para continuar.
Ela olhou para as mãos, como se buscasse respostas nelas.
– Tudo isso... tudo isso é tão confuso. Eu não sei mais discernir o que é real, o que é medo, o que é dor. Eu acordo e não consigo lembrar do que aconteceu ontem. Eu me perco nos meus próprios pensamentos. E, o pior, eu sinto que estou me perdendo de mim mesma.
Cecy levantou o olhar para o teto, como se estivesse buscando algo – um sinal, uma resposta, qualquer coisa.
– Eu só queria... queria que isso parasse. Queria poder me lembrar de quem eu sou. Queria poder sentir algo que não fosse esse vazio... esse medo de que, quando tudo acabar, não vai sobrar nada. Nem de mim, nem das coisas que eu amo.
Ela deixou o rosto cair entre as mãos, o choro vindo sem controle.
– Eu não sei... – sussurrou, quase inaudível. – Eu só não sei como continuar.
E então ela ficou em silêncio, deixando as lágrimas caírem enquanto a escuridão parecia envolvê-la ainda mais. Talvez as palavras não trouxessem respostas, mas, naquele momento, desabafar era tudo o que ela tinha. E talvez, apenas talvez, fosse o suficiente para manter um fio de esperança aceso, mesmo que pequeno.
Cecy estava deitada, com os olhos fechados, mas sua mente ainda estava desperta. O peso do cansaço em seu corpo era esmagador, mas sua alma parecia estranhamente leve. Ela sabia que o fim estava próximo, mas, pela primeira vez, não sentia medo.
– É engraçado – murmurou para o vazio, sua voz quase inaudível. – A vida é uma coleção de momentos, não é? Alguns a gente guarda, outros a gente esquece. Mas, no final, todos eles nos trazem até aqui.
Ela respirou fundo, como se absorvesse uma última vez o ar que sempre lhe parecia tão pesado, mas que agora era reconfortante. A dor que antes a acompanhava parecia ter se acalmado, substituída por uma estranha serenidade.
– Eu lutei... lutei muito. Lutei contra o mundo, contra mim mesma, contra tudo que parecia querer me derrubar. E, mesmo assim, eu vivi. Vivi do meu jeito, com minhas escolhas, minhas falhas, minhas conquistas.
Cecy abriu os olhos por um momento, encarando o teto. A luz suave da manhã começava a invadir o quarto, como se quisesse acompanhá-la em sua despedida.
– Se isso é o fim... – disse, com um sorriso fraco nos lábios. – Então, tudo bem. Eu fiz o que pude. Eu amei. Fui amada. E, apesar de tudo, acho que isso é o suficiente.
Ela fechou os olhos novamente, o silêncio ao seu redor se tornando quase acolhedor. O vazio que tantas vezes a assustou agora parecia um abraço suave, uma promessa de descanso.
E, com uma última respiração, Cecy deixou o mundo, sua alma se desfazendo em paz. A luz da manhã preenchia o quarto, iluminando o espaço que ela uma vez ocupou. No ar, uma sensação de aceitação e gratidão pairava, como se o universo reconhecesse a batalha que ela travou – e honrasse sua jornada.
O fim de Cecy não foi marcado por dor, mas por serenidade. Ela partiu sabendo que viveu, que amou, que fez parte do mundo, mesmo que por um breve momento. E, no coração de quem a conheceu, suas memórias continuariam a brilhar como uma chama que nunca se apaga.
Fim!!!
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Comments
erica taiara Forgerini
Intensidade do início ao fim
2025-02-18
1
Sandra Daniele Reis Araújo
maravilhosa essa história me emocionou muito, obrigada por isso ❤️❤️❤️
2024-12-16
2