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Capítulo 16_4

Cecy abriu os olhos lentamente, a luz branca do hospital incomodando sua visão. Ela piscou algumas vezes até que o ambiente ao redor começasse a fazer sentido. Estava deitada em uma cama, com um soro conectado ao braço. O cheiro esterilizado típico de hospitais enchia o ar. Uma dor leve ainda latejava em sua cabeça, mas não era tão intensa quanto antes.

Antes que pudesse se mover, a porta do quarto se abriu, e um médico entrou com uma prancheta nas mãos. Ele parecia calmo e experiente, com um sorriso gentil que contrastava com o ambiente frio.

– Bom dia, Cecy – disse ele, aproximando-se da cama. – Como está se sentindo?

Ela tentou se sentar, mas uma tontura leve a fez desistir. – Confusa. O que aconteceu?

– Você desmaiou no trabalho – explicou o médico, puxando uma cadeira para sentar ao lado dela. – Trouxeram você para cá, e fizemos alguns exames para entender melhor o que está acontecendo. Mas, antes de qualquer coisa, gostaria de saber um pouco mais sobre você.

Cecy franziu a testa, surpresa com a abordagem. – O que exatamente você quer saber?

– Apenas coisas básicas – respondeu ele, o tom profissional, mas calmo. – Sua idade, sonhos, se tem filhos, como está sua família...

Ela hesitou, mas respondeu: – Tenho 28 anos. Sonhos? Não sei... Acho que já acreditei que teria uma vida diferente. Não tenho filhos. E família... bom, não falo muito com eles.

O médico assentiu, fazendo algumas anotações na prancheta antes de colocar o objeto de lado. Ele olhou para ela com um olhar mais sério agora, e Cecy sentiu o ar ao seu redor mudar.

– Cecy – começou ele, cuidadosamente. – Os exames mostraram algo preocupante. Você tem um tumor no cérebro.

As palavras pareceram ecoar no quarto, cada sílaba soando mais pesada do que a anterior. Cecy ficou em silêncio, olhando para ele, tentando processar o que acabara de ouvir.

– É maligno – continuou ele, com um tom que misturava compaixão e profissionalismo. – E se espalhou bastante. Infelizmente, no momento, a cirurgia não é uma opção.

Cecy absorveu as palavras, mas sua reação surpreendeu até a si mesma. Não houve lágrimas, nem gritos de desespero. Ela apenas respirou fundo e perguntou: – Quanto custaria o tratamento?

O médico ficou surpreso com a resposta direta, mas logo respondeu: – Dois mil por mês, para tentarmos reduzir o tumor com radioterapia e quimioterapia. Se conseguirmos diminuir o tamanho, a cirurgia pode se tornar viável.

Ela assentiu lentamente, olhando para o teto. – Eu vou fazer. Quando posso começar?

O médico a observou por um momento, claramente impressionado com sua determinação. – Podemos começar assim que você estiver pronta. Vamos organizar tudo para iniciar o tratamento o mais rápido possível.

Cecy fechou os olhos, respirando fundo. A notícia era devastadora, mas, de alguma forma, aceitar a realidade parecia mais fácil do que lutar contra ela. "É só mais uma batalha", pensou, tentando reunir a força que sabia que precisaria.

Cecy entrou em casa, fechando a porta lentamente atrás de si. O peso das notícias do hospital parecia dobrar seus ombros, mas ela respirou fundo, forçando um sorriso antes de entrar na sala. Jeny e Felm estavam no sofá, compartilhando uma tigela de pipoca, rindo de algo que passava na TV.

– Cecy? – chamou Jeny, franzindo a testa ao notar a expressão dela. – Você chegou cedo. O que aconteceu? Por que saiu do trabalho tão cedo?

Cecy hesitou por um momento, sentindo o nó apertar na garganta. Mas, com um esforço enorme, ela engoliu as lágrimas e respondeu: – Só me senti um pouco tonta... Decidi vir para casa e descansar.

Felm, sempre preocupada, levantou-se e foi até Cecy, segurando-a pelos ombros. – Você está bem agora? Quer que eu prepare alguma coisa para você?

Cecy sorriu suavemente, afastando-se um pouco para evitar mais perguntas. – Estou bem, de verdade. Só preciso de um pouco de descanso.

Jeny deu um tapinha no espaço vazio no sofá. – Então, venha descansar aqui com a gente. Hoje é nossa folga! Estamos maratonando filmes. Tem um novo que acabamos de encontrar, parece ótimo.

Cecy assentiu e sentou-se ao lado delas, mas sua mente estava a mil. Enquanto as amigas riam e discutiam sobre o próximo filme, ela ficou em silêncio, observando-as. Felm gesticulava animadamente, enquanto Jeny comia pipoca e fazia comentários engraçados. Cecy sentiu uma onda de tristeza ao perceber como momentos assim eram preciosos.

De repente, sem pensar muito, ela perguntou: – Se um dia eu morrer... vocês fariam algo especial para mim?

As duas se calaram imediatamente, virando-se para encará-la com expressões de surpresa. Jeny foi a primeira a reagir, soltando uma risada curta. – O que é isso, Cecy? Não diga essas coisas. Isso vai demorar muito! E, para sua informação, eu vou morrer antes de você, bem velhinha.

Felm concordou, segurando a mão de Cecy. – É verdade. Você ainda vai viver tanto que vai cansar de ouvir nossas histórias.

Cecy forçou um sorriso, tentando aliviar o peso do momento. – É só uma pergunta boba... Lembrei de algo, só isso.

Jeny estreitou os olhos, mas acabou dando de ombros. – Certo... Mas você está proibida de morrer antes de mim, entendeu? – Ela pegou o controle remoto e mudou o tom. – Agora, vamos assistir ao filme. Este aqui acabou de lançar, e parece ser incrível.

As amigas se acomodaram novamente no sofá, e Cecy tentou se concentrar na tela. Mas, por dentro, sua mente ainda girava com o que havia descoberto. Ela segurou o segredo com força, escondendo-o atrás de risadas forçadas e comentários ocasionais. Por mais que amasse suas amigas, Cecy sabia que, naquele momento, não estava pronta para contar a verdade. E, por enquanto, assistir ao filme com elas era tudo que ela podia fazer para se sentir um pouco normal.

Cecy subiu as escadas com passos leves, certificando-se de que não acordaria Jeny e Felm, que dormiam profundamente no sofá, envoltas em cobertores. Assim que entrou no quarto, fechou a porta atrás de si, trancando-a como se quisesse se isolar do mundo. O silêncio do ambiente parecia aumentar o peso em seu peito, e ela mal conseguiu segurar as lágrimas que começaram a cair antes mesmo de se sentar à mesa.

Pegou um bloco de notas e uma caneta, mas a visão das linhas em branco parecia zombar dela. Respirando fundo, começou a escrever:

Coisas que eu queria ter feito...

As palavras surgiram lentamente, cada uma trazendo uma nova onda de dor:

Viajar para um lugar paradisíaco e assistir ao pôr do sol.

Apaixonar-me de verdade e ser amada de volta.

Andar de balão.

Fazer algo grande que mudasse a vida de alguém para melhor.

Dançar na chuva sem me preocupar com nada.

Ver minhas amigas felizes e realizadas.

À medida que a lista crescia, as lágrimas caíam sobre o papel, borrando a tinta. Cecy largou a caneta, levando as mãos ao rosto enquanto soluçava baixinho.

– Por que isso tem que acontecer comigo? – murmurou, a voz abafada pelo choro. – O que eu fiz de errado para merecer isso?

Ela olhou para a lista novamente, sentindo o peso de cada palavra. Queria tantas coisas, mas parecia que o tempo estava contra ela. Era injusto, cruel, e ela não sabia como lidar com aquilo. Então, com mãos trêmulas, pegou os papéis do exame que estavam na bolsa e os encarou. As palavras "tumor cerebral" saltavam da página como uma sentença final.

Sem pensar muito, abriu uma gaveta de sua escrivaninha, colocou os papéis ali dentro e a trancou com uma chave pequena. Como se, ao esconder aquilo, pudesse evitar que fosse real.

Mas a gaveta não poderia conter o desespero que a consumia. Cecy caiu de joelhos no chão, abraçando-se como se tentasse impedir que o mundo desmoronasse ao seu redor. O som de seu choro encheu o quarto vazio, enquanto ela lutava contra a culpa por não ter coragem de contar a verdade às amigas.

– Eu sou tão covarde – sussurrou para si mesma. – Elas merecem saber, mas... como eu posso olhar nos olhos delas e dizer que vou morrer?

Por um longo tempo, Cecy ficou ali, no chão do quarto, com a dor e o silêncio como suas únicas companhias. Ela sabia que não podia fugir para sempre, mas, naquela noite, tudo o que podia fazer era chorar.

Cecy acordou com o coração pesado, mas determinada. O céu ainda estava escuro, e a chuva fina batia contra a janela. Ela olhou para o relógio: ainda era cedo, mas algo a impulsionava a sair. Pegou seu guarda-chuva, vestiu uma jaqueta e saiu de casa, ignorando o frio da manhã.

A pracinha estava vazia quando chegou. As gotas de chuva faziam pequenos sons ao tocar o chão e as folhas das árvores, e o ar estava carregado com o cheiro de terra molhada. Cecy olhou ao redor, buscando o rosto que ela sabia que precisava encontrar, mas não havia ninguém ali. O vazio fez seu peito apertar, e ela se virou para ir embora.

Foi então que ouviu a voz, firme e familiar, quebrando o silêncio da manhã:

– Eu sabia que você viria.

Ela se virou rapidamente e viu Arthur saindo debaixo de uma árvore próxima. Ele estava usando um moletom e segurava uma garrafa de água. Seu cabelo estava levemente molhado pela chuva, e o sorriso em seu rosto tinha um tom de vitória, como se ele soubesse que ela não resistiria à proposta.

– Você... estava me esperando? – perguntou Cecy, surpresa e um pouco irritada por ele parecer tão confiante.

Arthur deu de ombros, caminhando até ela com passos lentos. – Não exatamente. Mas sabia que cedo ou tarde você viria. E, pelo visto, não demorou tanto quanto eu esperava.

Cecy apertou o guarda-chuva com força, tentando controlar as emoções que dançavam dentro dela. – Eu pensei muito sobre o que você disse... sobre o acordo.

Arthur parou a poucos passos dela, cruzando os braços enquanto a observava com aquele olhar intenso que parecia sempre deixá-la desconfortável. – E?

Ela respirou fundo, o som da chuva quase abafando sua voz. – Eu aceito. Mas quero deixar algo claro: não estou fazendo isso por você. Estou fazendo por mim. Para me distrair, para... – Sua voz falhou por um momento, mas ela se recompôs. – Para me sentir viva, pelo menos por um tempo.

Arthur inclinou a cabeça, como se estivesse avaliando suas palavras. – Aceito suas condições. Desde que você cumpra as minhas também.

Cecy ergueu o queixo, tentando parecer mais confiante do que se sentia. – Quando começamos?

Arthur sorriu, um brilho de determinação nos olhos. – Agora mesmo. – Ele estendeu a mão para ela, como se selasse o acordo. – Bem-vinda ao acordo, Cecy.

Ela hesitou por um momento, mas finalmente segurou a mão dele. Mesmo sob a chuva, mesmo com o peso de tudo que estava acontecendo, havia algo naquele gesto que a fez sentir que talvez, apenas talvez, ela estivesse prestes a entrar em algo que poderia mudar sua vida de maneiras que ainda não entendia.

Arthur e Cecy caminharam até uma cafeteria próxima. A chuva ainda caía suavemente, mas o guarda-chuva compartilhado os mantinha secos. Assim que entraram, o calor do ambiente e o aroma de café fresco os envolveram. Arthur foi direto ao balcão e pediu dois cafés quentes. Depois de pagar, entregou um deles para Cecy e indicou uma mesa no canto mais afastado.

Ela se sentou, segurando o copo entre as mãos para se aquecer, enquanto ele se acomodava à sua frente, observando-a com aquela expressão analítica que parecia enxergar mais do que ela gostaria.

– Então – começou ele, com um tom curioso –, por que você aceitou minha proposta tão rápido? Não parecia o tipo de decisão que você tomaria sem pensar muito.

Cecy levantou o olhar, mas manteve a expressão fechada. – Isso você não precisa saber. – Tomou um gole do café, desviando os olhos. – Mas quero deixar uma coisa clara. Quero que você se mantenha longe de tudo que for pessoal para mim. Minha vida, meus amigos, minhas coisas. E eu farei o mesmo.

Arthur inclinou a cabeça, o canto da boca se curvando em um leve sorriso. – Justo. Contanto que você cumpra sua parte no acordo, isso não será um problema.

Houve um momento de silêncio entre eles, interrompido apenas pelo som suave da chuva batendo contra as janelas. Então, Arthur quebrou a pausa.

– Quanto você precisa? – perguntou, direto.

Cecy não hesitou. – Dois mil por mês.

Arthur soltou uma risada baixa, balançando a cabeça. – Dois mil? Tudo isso? Você é exigente.

Ela ergueu uma sobrancelha, firme. – Esse é o preço. Se não quiser, podemos encerrar isso agora.

Arthur continuou rindo, mas levantou as mãos em sinal de rendição. – Está bem, está bem. Dois mil. Me passa sua conta.

Ela pegou o celular e anotou os dados rapidamente, entregando o papel a ele. Arthur digitou algo no celular, e poucos segundos depois, o som de uma notificação surgiu no celular de Cecy. Ela abriu a mensagem e viu o valor depositado: exatos dois mil reais.

– Satisfeita? – perguntou ele, um tom divertido na voz.

Cecy guardou o celular, mantendo a expressão neutra. – Por enquanto.

Arthur apoiou o queixo na mão, olhando para ela com curiosidade. – Agora, preciso do seu número. Afinal, vamos precisar nos comunicar, certo?

Ela hesitou por um momento, mas acabou entregando o número a ele. Arthur o digitou no celular, salvando com um nome que a deixou intrigada: "Cecy, Acordo."

– Pronto – disse ele, guardando o telefone. – Agora estamos oficialmente prontos para começar.

Cecy apenas balançou a cabeça, bebendo mais um gole do café. Apesar de todo o desconforto, não podia negar que, por um breve momento, o calor daquela bebida e o som reconfortante da chuva lá fora a fizeram esquecer, ainda que por um instante, o peso que carregava.

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