08

Capítulo 16_8

Arthur  se levantou e começou a caminhava na frente, mas ao notar que Cecy não o estava acompanhando, virou-se. O que viu o fez congelar: Cecy estava segurando-se na cadeira, o corpo trêmulo e prestes a cair. Ele correu até ela, segurando-a antes que perdesse o equilíbrio. Quando a levantou, notou pequenos pingos de sangue no chão. Seu coração disparou.

– Cecy! Você está bem? – perguntou, a voz carregada de preocupação.

Cecy levou a mão ao nariz, percebendo o sangue, mas tentou minimizar. – Estou bem – disse, quase sussurrando, enquanto se afastava dele em direção ao banheiro.

Arthur ficou parado, os olhos fixos na direção em que ela foi. Ele respirava rápido, sua mente cheia de pensamentos inquietantes. Começou a andar de um lado para o outro, inquieto, enquanto esperava que ela voltasse.

Quando Cecy finalmente saiu do banheiro, encontrou-o andando de um lado para o outro, com as mãos nos bolsos e o rosto carregado de preocupação. Assim que a viu, ele se aproximou rapidamente.

– Estou bem agora – disse Cecy, tentando soar convincente. – Foi só um cansaço. Nada demais.

Arthur balançou a cabeça, a preocupação evidente em seu olhar. – Vamos ao hospital, Cecy. Você não está bem.

– Não é necessário – respondeu ela, suspirando. – É só cansaço do trabalho. Amanhã vou descansar e tudo ficará bem.

Arthur cruzou os braços, visivelmente irritado. – Então você vai descansar. E só volta a trabalhar quando estiver completamente recuperada.

Cecy ergueu o olhar para ele, surpresa pelo tom autoritário. Ela deu um passo à frente, estreitando os olhos. – Por que você está tão preocupado comigo? Achei que não deveria haver sentimentos nesse acordo, lembra?

Arthur ficou em silêncio por um momento, apenas observando-a, mas sua expressão mudou de algo preocupado para algo mais intenso. Ele deu um passo mais perto e disse, com a voz firme: – Que se dane esse acordo! Estamos falando da sua saúde, Cecy!

Ela levantou a mão e a colocou suavemente contra o peito dele, impedindo-o de se aproximar ainda mais. – Você pode quebrar seu lado do acordo, Arthur, mas eu não vou. – Sua voz estava firme, mas havia uma tristeza escondida em suas palavras. – Eu só entrei nisso por causa do dinheiro. Não se esqueça disso.

Arthur ficou parado, olhando para ela como se as palavras tivessem o atingido diretamente no peito. Ele não disse nada, apenas ficou ali, imóvel, enquanto Cecy se virou e saiu do restaurante. Ela não olhou para trás, mas podia sentir o peso do olhar dele enquanto se afastava.

Do lado de fora, Cecy respirou fundo, tentando conter as lágrimas. Não era apenas o cansaço ou o sangue. Era o peso de tudo: do acordo, do segredo que guardava, e do medo crescente de que Arthur estivesse se aproximando mais do que deveria.

Cecy caminhava lentamente em direção ao ponto de ônibus, tentando afastar os pensamentos que insistiam em invadir sua mente. O silêncio da rua e o som distante de carros ao longe a fizeram lembrar de sua infância, de quando vivia no orfanato. Ela visualizou o pequeno parque do lugar, com seus balanços enferrujados e escorregadores gastos pelo tempo. Naquela época, costumava brincar sozinha porque as outras crianças não queriam incluí-la em seus jogos. Era sempre a garota "diferente", isolada por algo que nem mesmo compreendia na época.

Ela suspirou, apertando o casaco contra o corpo enquanto as lembranças vinham à tona. Por que tudo sempre teve que ser assim? pensou, enquanto seus pés continuavam no caminho sem muita direção.

De repente, uma dor de cabeça aguda atravessou sua mente. Cecy parou no meio do caminho, pressionando as têmporas enquanto a dor aumentava. Foi tão intensa e repentina que ela quase caiu de joelhos. E, tão rápido quanto veio, a dor desapareceu.

Quando Cecy abriu os olhos novamente, o mundo ao seu redor havia mudado. Ela não estava mais na rua em direção ao ponto de ônibus. Estava em um parque deserto, sentada em um balanço que rangia levemente ao ser empurrado pelo vento. O céu estava escuro, iluminado apenas pela luz fraca de postes ao longe.

Ela olhou para o relógio no pulso, o coração disparado. – O que aconteceu? – murmurou. Era meio-dia há poucos instantes, e agora já era noite. – Foi só um piscar de olhos...

Cecy olhou ao redor, tentando entender onde estava, mas o parque parecia vazio, deserto e inquietante. Ela se levantou do balanço, sentindo um calafrio percorrer sua espinha. Como eu vim parar aqui? pensou, tentando buscar uma resposta racional para o que parecia impossível.

Sem saber o que fazer, começou a andar. Cada passo era pesado, e seus pés logo começaram a doer. A caminhada parecia interminável, e ela não conseguia encontrar um táxi, um ônibus ou sequer uma alma viva naquele lugar.

Quando finalmente chegou em casa, já era tarde, e seus pés estavam feridos e machucados de tanto andar. As luzes da sala estavam apagadas, e suas amigas provavelmente já estavam dormindo. Cecy entrou em silêncio, tirou os sapatos e foi direto para o quarto, sentindo-se exausta e confusa. Enquanto se sentava na cama, ainda tentava processar o que havia acontecido.

– Isso não faz sentido – sussurrou para si mesma, olhando para os pés feridos. O que quer que tivesse acontecido, Cecy sabia que aquilo não era normal. E, pela primeira vez, um medo diferente do habitual começou a se formar em seu peito. Algo estava mudando, e ela não tinha ideia do que era.

Pela manhã, Cecy se levantou com a sensação de déjà vu. Seguiu sua rotina, descendo para a sala enquanto murmurava para si mesma: – Eu me lembro de já ter feito isso ontem...

Jeny, sentada no sofá, levantou os olhos para Cecy e franziu a testa. – Você ainda está com a roupa de ontem? Vai trabalhar com ela mesmo? E, sinceramente, acho que está meio... fedendo.

Cecy olhou para si mesma, confusa, e respondeu: – Usei ontem, sim.

Felm, que estava na cozinha, apareceu na porta com uma xícara de café. – É verdade. Você saiu com tanta pressa ontem que nem falou direito com a gente.

Cecy deu um sorriso fraco, tentando disfarçar a confusão. – Não, hoje não vou trabalhar. Estou de folga.

Jeny e Felm trocaram olhares curiosos antes de perguntar em uníssono: – Por que folga?

Cecy deu de ombros. – Não sei, só estou de folga hoje.

Enquanto as amigas continuavam a olhá-la com curiosidade, Cecy decidiu mudar de assunto. – Vocês não imaginam o que aconteceu ontem. Meu namorado... ele é o meu chefe.

As duas soltaram gritos de surpresa. – O quê? Ele é o dono da K.E.M.? Como assim? Conta tudo!

Cecy abriu a boca para explicar, mas, quando tentou se lembrar dos detalhes, sua mente ficou em branco. Ela passou a mão na cabeça, sentindo uma leve tontura, e murmurou: – O que está acontecendo comigo?

Felm percebeu a mudança na expressão dela. – Cecy, você está bem? – perguntou, aproximando-se.

– Estou, sim – respondeu Cecy rapidamente. – Só estou com dor de cabeça. Vou tomar um remédio.

Jeny, preocupada, observou-a atentamente. – Cecy, ultimamente você está estranha. Esquecendo as coisas, sabe?

Cecy soltou uma risada forçada, tentando aliviar a tensão. – Como assim? Todo mundo esquece coisas de vez em quando.

– Talvez, mas você está exagerando – insistiu Jeny. – Ontem, você deixou o secador na tomada, e você odeia isso. Outro dia, você fez café da manhã, mas nem comeu. Deixou a tigela de cereal cheia e saiu. E já tem várias outras coisas que temos observado.

Cecy balançou a cabeça, ainda tentando processar. – Deve ser só cansaço.

Ela olhou ao redor, procurando algo para fazer, e declarou: – Vou lavar o banheiro. Tem dias que não lavo ele.

Felm ergueu uma sobrancelha. – De novo, Cecy? Você já lavou o banheiro ontem antes de sair para o trabalho. E no domingo. E no sábado. Sempre no mesmo horário da manhã.

Cecy ficou sem graça, percebendo como suas ações estavam se repetindo. – É mesmo... Acho que o banheiro deve estar muito...

Felm a interrompeu com um sorriso. – Você ia dizer que está muito fedendo, não é?

Cecy riu sem graça, desviando o olhar. – Sim, está fedendo.

Felm se aproximou e colocou a mão no ombro de Cecy. – Não vou insistir mais, mas quero que saiba que estamos aqui para o que você precisar. Somos mais que amigas. Somos irmãs, uma família.

Cecy assentiu, com um sorriso pequeno. – Eu sei. Não se preocupem. Estou bem.

Mas, enquanto subia as escadas para o quarto, uma dúvida persistente pairava em sua mente. Por que essas coisas estão acontecendo comigo?.

Cecy entrou no quarto e fechou a porta, girando a chave com um clique suave. Encostou-se contra a porta, o corpo escorregando lentamente até que estivesse sentada no chão. Ela abraçou os joelhos, tentando controlar a respiração que começava a ficar pesada. Mas, por mais que tentasse, não conseguiu segurar as lágrimas.

Elas vieram silenciosas no início, escorrendo pelo rosto enquanto sua mente revisava os últimos dias. As memórias, os lapsos, o cansaço, os olhares de preocupação de suas amigas. Tudo isso parecia se acumular como uma avalanche, esmagando-a com uma força que ela não sabia como combater.

– Por que... – murmurou, sua voz quebrada. – Por que isso está acontecendo comigo?

Ela olhou para o teto, como se esperasse uma resposta divina que nunca chegava. As lágrimas caíam mais rápido agora, molhando as mangas da camisa que ela usava para secá-las inutilmente.

– Eu só queria uma vida normal – continuou, a voz quase um sussurro. – Uma vida sem... sem dores de cabeça, sem lapsos, sem esse peso que eu carrego todo dia. Por que eu? Por que logo comigo?

Cecy levantou o olhar, seus olhos inchados e avermelhados. – Eu não pedi por isso. Eu só... – Ela engasgou com as palavras, o peito subindo e descendo descontroladamente. – Eu só queria ser feliz. É pedir demais? É?

Ela bateu o punho contra o chão, o som abafado ecoando pelo quarto. – Eu tento, tento tanto, mas parece que não importa o que eu faça. É sempre uma batalha. Sempre um dia depois do outro, sem descanso, sem paz.

Cecy respirou fundo, o som de seus soluços preenchendo o silêncio. – Minhas amigas estão preocupadas, e eu não consigo contar a verdade. Não consigo... – Ela passou as mãos pelo cabelo, puxando-os levemente, como se isso pudesse aliviar a pressão em sua mente. – Eu não quero que elas me olhem como se eu já estivesse morta. Eu não quero ser esse peso.

Finalmente, Cecy enterrou o rosto nas mãos, permitindo-se chorar livremente, sem tentar esconder ou segurar. Era como se todo o peso que ela vinha carregando finalmente tivesse encontrado um caminho para sair, mesmo que só por alguns minutos.

– Eu só quero... – murmurou, quase inaudível. – Eu só quero um pouco de tempo. Tempo para viver. Para sentir que eu sou mais do que isso... mais do que essa dor.

Cecy enxugou as lágrimas enquanto seus olhos se fixavam no urso de pelúcia que Arthur havia lhe dado. Ela sorriu, lembrando de Miguel, o pequeno garoto que havia transformado um momento de dor em esperança com sua inocência e bondade. Sentindo uma necessidade urgente de vê-lo, ela decidiu ir à clínica antes do horário de seu tratamento. Pegou o urso e saiu de casa em silêncio, determinada.

Ao chegar à clínica, o ambiente estava tranquilo, ainda esvaziado pelo início do dia. Cecy caminhou pelos corredores até a sala de fisioterapia e encontrou Miguel sentado em uma pequena cadeira, brincando com um carrinho de plástico. Assim que ele a viu, um sorriso largo iluminou seu rostinho.

– Forrm! – gritou ele, levantando-se e correndo na direção dela. – Você voltou!

Cecy se abaixou, abrindo os braços para recebê-lo. Ele se jogou em seu abraço, rindo alegremente, e Cecy sentiu seu coração se aquecer.

– Claro que voltei – disse ela, com um sorriso sincero. – E trouxe algo para você.

Ela mostrou o urso de pelúcia, e os olhos de Miguel se arregalaram de felicidade. Ele pegou o urso com cuidado, como se fosse um tesouro, e abraçou-o com força.

– Para mim? – perguntou ele, com a voz cheia de surpresa. – É o urso mais bonito que eu já vi!

Cecy riu suavemente, sentindo-se genuinamente feliz ao vê-lo tão animado. – Sim, é para você. Mas tem uma condição: você tem que cuidar muito bem dele, combinado?

Miguel assentiu vigorosamente, segurando o urso contra o peito. – Eu vou cuidar dele melhor do que cuido dos meus carrinhos!

Os dois se sentaram no chão, conversando sobre os nomes que Miguel poderia dar ao urso. Ele sugeriu nomes engraçados, e Cecy não conseguia conter as gargalhadas. – Que tal Sr. Fofo? – sugeriu ela, brincando.

– Não, esse é muito comum! – respondeu Miguel, com uma expressão séria. – Vou chamar ele de... Sr. Astro. Porque ele parece uma estrela grande e feliz!

Cecy riu novamente, concordando. – Sr. Astro é perfeito.

O tempo passou voando enquanto Cecy e Miguel brincavam juntos. Ele mostrou como fazia seus carrinhos "voarem" e até tentou colocar o urso para "dirigir". Cecy se pegou esquecendo por um momento de seus próprios problemas, completamente absorvida pela energia positiva de Miguel.

– Forrm, você é minha amiga, né? – perguntou ele de repente, com um olhar sério.

Cecy ficou surpresa, mas sorriu e assentiu. – Claro que sou. E você é meu amigo também.

Ele sorriu de orelha a orelha. – Então, quando eu ficar grande e forte, eu vou te proteger, tá bom?

Cecy sentiu os olhos marejarem, mas segurou as lágrimas. – Combinado, meu pequeno guardião.

Naquele momento, Miguel se levantou, segurando a mão dela com força. – E agora você tem que me prometer que vai ficar bem. Igual eu faço. Promete?

Cecy olhou para ele, tão pequeno e cheio de coragem, e sentiu algo mudar dentro dela. – Eu prometo, Miguel.

Eles continuaram conversando e brincando até que o horário de Cecy se aproximava. Ao sair, ela olhou para trás, vendo Miguel acenar para ela com o urso nos braços e um sorriso que parecia iluminar todo o corredor. Pela primeira vez em muito tempo, Cecy sentiu que havia algo pelo qual valia a pena lutar – mesmo que fosse apenas para ver aquele sorriso novamente.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!