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capítulo 16_19

Cecy se lembrava claramente do dia em que completou dezoito anos. O orfanato, que por tanto tempo fora a única coisa que ela conhecia, já não era mais sua casa. Na verdade, nunca tinha sido. Saía dali com uma mochila nas costas e um vazio enorme no peito.

Ela caminhava pela calçada com passos incertos, sem saber para onde ir. O mundo parecia tão vasto, tão indiferente. Mas então, como sempre, Jeny apareceu.

– Onde você pensa que vai com essa cara de desespero? – Jeny disse, parando um carro velho ao lado dela.

Cecy olhou para ela, surpresa. – Jeny? O que você está fazendo aqui?

Jeny sorriu, como se a resposta fosse óbvia. – Vim buscar você, claro. Você não achou que ia começar essa nova fase sozinha, achou?

Antes que Cecy pudesse responder, Felm saiu do banco de trás, com o rosto iluminado pelo sorriso doce de sempre. – Oi, Cecy! Espero que não se importe, mas a gente decidiu que você não vai mais ficar sozinha.

Cecy piscou, confusa, enquanto Jeny e Felm a puxavam para dentro do carro.

– Esperem, o que está acontecendo? – perguntou, olhando de uma para a outra.

Jeny deu partida no carro, sem tirar os olhos da estrada. – O que está acontecendo é que compramos uma casa.

Cecy ficou boquiaberta. – Vocês o quê?

– Uma casa! – repetiu Felm, animada. – É pequena, mas é nossa. Quer dizer, sua também, se você quiser.

Cecy sentiu os olhos se encherem de lágrimas. – Vocês... compraram uma casa por mim?

Jeny riu, balançando a cabeça. – Não é só por você. É por nós. Somos uma equipe, Cecy. Sempre fomos.

Felm assentiu, segurando a mão de Cecy com delicadeza. – A gente sabia que você precisava de um lar. E, para ser honesta, nós também precisamos. Então, pensamos: por que não criar um juntas?

O carro parou em frente a uma casa pequena, com pintura desbotada e janelas que precisavam de conserto, mas para Cecy parecia um palácio.

– Bem-vinda ao nosso lar – disse Jeny, saindo do carro e jogando as chaves para Cecy. – Você é a primeira a entrar.

Com as mãos trêmulas, Cecy abriu a porta da casa. O interior era modesto, com móveis simples e paredes que ainda esperavam uma camada de tinta, mas havia algo ali que ela nunca tinha sentido antes: pertencimento.

Naquela noite, enquanto as três se sentavam no chão da sala comendo pizza diretamente da caixa, Cecy sentiu algo mudar dentro dela. O vazio que sempre carregou parecia um pouco menor, como se as risadas e conversas de Jeny e Felm preenchessem os espaços que antes eram de dor e solidão.

– Obrigada – Cecy disse, olhando para as amigas. – De verdade. Por tudo.

Jeny, sempre prática, deu de ombros. – Não precisa agradecer. É isso que fazemos: cuidamos umas das outras.

Felm sorriu, segurando a mão de Cecy. – Agora, você nunca mais vai estar sozinha. Nós prometemos.

E Cecy acreditou. Pela primeira vez na vida, ela acreditou. As três criaram um lar juntas, onde cada pequena tarefa – cozinhar, limpar, pintar as paredes – era um ato de amor. E, aos poucos, Cecy começou a perceber que, mesmo sem ter pais, ela tinha algo que muitos nunca teriam: duas amigas que eram, na essência, sua família.

– Vocês são tudo o que eu precisava – Cecy disse em uma noite, enquanto as três assistiam a um filme no sofá.

Jeny sorriu. – E você é tudo o que a gente precisava, Cecy. Agora, chega de drama. Quem vai lavar a louça?

As risadas preencheram a casa, e Cecy soube, naquele momento, que finalmente estava onde deveria estar.

Cecy não podia deixar de sorrir enquanto segurava o crachá da K.E.M. em suas mãos. O nome dela estava gravado com letras simples, mas para Cecy aquilo era mais do que um crachá – era a prova de que, contra todas as probabilidades, ela havia conseguido. Trabalhar em uma das empresas mais renomadas do país era o sonho que ela carregava desde a época em que lia revistas emprestadas no orfanato.

– Olha só você – Jeny disse, apoiando-se na mesa da cozinha enquanto Felm preparava panquecas. – A menina que ninguém queria agora é uma profissional de sucesso.

Felm sorriu suavemente, colocando uma pilha de panquecas no prato. – E nós sabíamos que isso ia acontecer. Sempre soubemos, Cecy.

Cecy riu, sacudindo o crachá como se fosse um troféu. – Bom, ainda não é tão glamouroso quanto parece. Começo amanhã, mas já sinto que vai ser um desafio. Afinal, ninguém disse que o mundo corporativo seria fácil.

Jeny deu de ombros. – Fácil não, mas você é teimosa o suficiente para sobreviver. Vai arrasar, Cecy. Nós acreditamos em você.

E assim começou a nova fase de Cecy. O primeiro dia na K.E.M. foi um turbilhão de tarefas, reuniões e novas faces. Apesar do ambiente intenso, Cecy sentia-se viva como nunca. Ela amava os desafios, as metas, a adrenalina de fazer parte de algo tão grande. Era como se, finalmente, estivesse construindo um futuro do qual podia se orgulhar.

Mas, conforme os meses passavam, algo começou a incomodá-la.

Era sutil no início. Uma pontada leve na cabeça, como se tivesse passado muito tempo olhando para a tela do computador. Cecy não deu importância – quem nunca teve uma dor de cabeça após um dia cheio? Ela começou a carregar analgésicos na bolsa e, sempre que o incômodo surgia, tomava um comprimido e seguia em frente.

– Você está bem? – perguntou Felm uma noite, enquanto as três se reuniam para jantar. – Tem tomado muitos remédios ultimamente.

Cecy sorriu, tentando não demonstrar preocupação. – Estou bem, é só cansaço. Nada que um remédio não resolva.

Jeny, que estava cortando os legumes para o jantar, arqueou uma sobrancelha. – Cansaço? Cecy, você nunca foi de reclamar disso antes. Tem certeza de que não é algo mais sério?

– Claro que não – Cecy respondeu rapidamente, balançando a cabeça. – Vocês sabem como é, vida de trabalho intenso. Não é nada demais.

As amigas não insistiram, mas Cecy sabia que as preocupava. Mesmo assim, ela preferiu ignorar. Afinal, tinha conquistado o emprego dos sonhos. Não podia se dar ao luxo de parecer fraca ou vulnerável.

Os dias viraram semanas, e as dores começaram a aumentar. Não eram mais apenas pontadas leves; às vezes, era como se sua cabeça estivesse sendo comprimida. Mas Cecy continuava achando que era apenas estresse ou falta de sono.

Uma noite, enquanto finalizava um relatório importante, a dor se intensificou tanto que Cecy precisou se apoiar na mesa para não cair. Sua visão ficou turva, e por um momento ela pensou que desmaiaria.

– Só mais um pouco – murmurou para si mesma, tentando ignorar o pânico que subia em sua garganta. – É só estresse. Só estresse.

Ela respirou fundo, tomou mais um analgésico e voltou ao trabalho. Mas, no fundo, uma pequena voz começava a sussurrar que algo estava errado. Que aquilo não era normal.

Mas Cecy era boa em ignorar as vozes dentro de si. Afinal, era o que fazia desde criança.

Os dias na K.E.M. eram cada vez mais desgastantes para Cecy. Desde o primeiro momento, ela percebeu que o ambiente corporativo era muito mais frio e hostil do que imaginava. O chefe, um homem de meia-idade com cabelos grisalhos e expressão eternamente irritada, parecia ter um prazer especial em humilhá-la.

– Forrm! – ele gritou certa vez, chamando-a em frente a todos os colegas. – Esse relatório está uma bagunça. Francamente, não sei por que você ainda está aqui. Talvez eu seja bonzinho demais.

Cecy sentiu o rosto queimar de vergonha enquanto os outros funcionários abaixavam a cabeça ou olhavam de relance, sem dizer nada. Ela queria gritar, se defender, mas engoliu em seco e apenas respondeu: – Sim, senhor. Vou revisar novamente.

Na hora do almoço, a exclusão era ainda mais evidente. Os colegas de trabalho costumavam almoçar em grupo, rindo e conversando sobre assuntos que Cecy nunca era convidada a participar. Ela geralmente comia sozinha em sua mesa ou, nos dias em que o vazio parecia insuportável, escapava para um café próximo.

Foi em um desses dias, sentada sozinha em uma mesa de canto, que sua vida tomou um rumo inesperado.

A dor das dores de cabeça frequentes era algo que Cecy já havia se acostumado a ignorar, mas o término recente com Joon ainda estava fresco em sua mente. Eles haviam ficado juntos por quase dois anos, mas o relacionamento tinha sido cheio de altos e baixos.

– Você é insuportável, Cecy – Joon gritou na última briga que tiveram. – Sempre controladora, sempre achando que sabe o que é melhor. Você nunca vai entender o que é o amor de verdade, porque só pensa em si mesma.

As palavras dele ainda ecoavam em sua mente, e Cecy não sabia o que doía mais: o término ou o fato de que, talvez, ele estivesse certo.

Ela se perguntava se era realmente incapaz de amar. Será que o jeito fechado e independente que ela cultivou por anos a havia transformado em alguém impossível de amar?

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