Capítulo 16_2
Cecy estava no terceiro copo de algo forte e amargo quando percebeu que o bar, antes vazio e tranquilo, ganhava uma nova presença. Um homem elegante, de terno impecável, entrou. Ele parecia deslocado naquele ambiente. Seus passos eram firmes, e seus olhos vasculharam o lugar até pousarem sobre ela. Cecy olhou de volta, confusa, enquanto ele se aproximava.
– Posso me sentar? – perguntou, com uma voz baixa e firme.
Cecy piscou, ainda surpresa. – É... claro, eu acho.
Arthur puxou a cadeira e sentou-se de frente para ela. O ar em volta parecia mais leve, ou talvez fosse o efeito do álcool, mas a presença dele parecia intimidante e, ao mesmo tempo, reconfortante.
– Não pude deixar de notar que você está aqui sozinha – ele comentou, observando-a com atenção. – E... chorando.
Cecy tentou limpar os olhos rapidamente, embaraçada. – Não é nada. Só um dia ruim.
Arthur não parecia convencido. Ele olhou para o balcão e fez um sinal para o garçom. – Vamos precisar de alguns ingredientes. Chocolate, leite condensado, manteiga... e uma panela, se possível.
Cecy franziu o cenho. – O que você está fazendo?
Arthur olhou para ela, o canto da boca se curvando em um sorriso discreto. – Fazendo brigadeiro. Algo me diz que é exatamente o que você precisa agora.
Antes que Cecy pudesse protestar, os ingredientes começaram a chegar. Arthur tirou o paletó e arregaçou as mangas da camisa, o que fez Cecy arquear uma sobrancelha. Ele parecia completamente fora de lugar, mas agia como se estivesse no comando da situação.
Ele colocou os ingredientes na panela improvisada que o garçom trouxe e começou a mexer com habilidade surpreendente. – Minha mãe sempre disse que brigadeiro cura tudo – ele comentou. – Não sei se é verdade, mas nunca conheci alguém que não se sentisse melhor depois de comer um.
Cecy, intrigada e ainda levemente confusa, não conseguiu evitar um pequeno sorriso. – Você faz isso sempre? Invade bares e começa a cozinhar para estranhos?
– Só para pessoas que parecem precisar – respondeu ele, sem tirar os olhos da panela. – E você claramente precisa.
Enquanto mexia a mistura, o cheiro doce de chocolate começou a preencher o ar, abafando o cheiro de álcool e cigarro. Arthur desligou o fogo, pegou uma colher e ofereceu a Cecy.
– Aqui. Prove.
Cecy hesitou, mas acabou aceitando. Quando o sabor doce e quente derreteu em sua boca, ela soltou um suspiro involuntário. – Ok... Isso é realmente muito bom.
Arthur sorriu, satisfeito, antes de pegar uma colher para si mesmo. – Agora que estamos um pouco mais leves, talvez você possa me dizer o que aconteceu. Por que você estava chorando?
Cecy abaixou o olhar, brincando com a colher na mão. O doce acalmava, mas as lembranças ainda estavam frescas. – Foi só... trabalho. Meu chefe é um idiota, meus colegas me odeiam, e às vezes parece que não importa o quanto eu tente, nunca sou boa o suficiente.
Arthur a observou com atenção, sem interrompê-la.
– Hoje foi especialmente ruim – continuou Cecy. – Meu chefe me humilhou na frente de todos, e depois meus colegas saíram para almoçar sem mim. É como se eu fosse invisível... ou pior, como se eu não pertencesse a lugar nenhum.
Arthur ficou em silêncio por um momento, como se estivesse processando tudo. Então, finalmente falou:
– Sabe, Cecy... Às vezes, as pessoas tentam te derrubar porque sentem medo do que você pode alcançar. Talvez você não perceba agora, mas sua força está no fato de que, mesmo com tudo isso, você continua tentando. Isso é raro.
Cecy olhou para ele, surpresa com as palavras inesperadamente reconfortantes. – E como você sabe disso? Não me conhece.
Arthur deu um meio sorriso. – Talvez eu veja mais de mim em você do que gostaria de admitir.
Cecy colocou a colher de lado, ainda sentindo o doce sabor do brigadeiro na boca, mas o peso no peito parecia voltar. Ela olhou para Arthur, que ainda a observava com aquele olhar intenso, como se estivesse tentando decifrá-la. Depois de alguns segundos, suspirou.
– Olha, eu agradeço o brigadeiro e tudo, mas... se você acha que isso é algum tipo de estratégia para me impressionar, sinto muito. Não estou afim de ficar com ninguém agora. Faz pouco tempo que terminei um relacionamento, e eu... – ela fez uma pausa, sua voz ficando mais frágil. – Eu não perguntei nada sobre você ou sua opinião, então talvez seja melhor você ir.
Arthur arqueou uma sobrancelha, surpreso pela resposta direta. Sua postura mudou, e um leve sorriso, quase sarcástico, surgiu em seus lábios.
– Interessante – disse ele, cruzando os braços. – Então você prefere ficar aqui, sozinha, chorando por alguém que claramente não te valorizava. É isso?
Cecy sentiu o impacto da pergunta, mas tentou manter a compostura. – Eu não estou chorando por ele. Estou lidando com as coisas do meu jeito, o que não te dá o direito de julgar.
Arthur inclinou-se ligeiramente para frente, seus olhos fixos nela. – E qual é exatamente o seu jeito? Afundar na própria tristeza e se isolar do mundo? Parece uma ótima estratégia, Cecy.
Ela sentiu o nó na garganta apertar, mas não queria ceder. – Você não me conhece, Arthur. Não sabe o que eu passei. E, sinceramente, não preciso que alguém que acabei de conhecer venha me dizer como devo lidar com a minha vida.
Arthur sorriu novamente, mas desta vez havia algo mais frio em sua expressão. – Você está certa. Não te conheço. Mas, pelo que vi até agora, você parece ter uma tendência a se apegar às pessoas erradas e a carregar o peso de tudo sozinha. Estou errado?
Cecy apertou os punhos sob a mesa, lutando contra as lágrimas que ameaçavam cair novamente. As palavras dele eram duras, mas havia uma verdade cruel nelas que ela não queria admitir.
– Talvez seja isso mesmo – respondeu ela, sua voz quase um sussurro. – Mas não é da sua conta.
Arthur inclinou-se para trás na cadeira, soltando um suspiro pesado. – Talvez não seja. Mas alguém precisava te dizer que a autopiedade não vai te levar a lugar nenhum. Você é melhor do que isso, Cecy. Só não parece acreditar nisso.
As palavras atingiram Cecy como um golpe final. Ela levantou-se abruptamente, pegando sua bolsa. – Sabe de uma coisa? Você pode ser inteligente, Arthur, mas não tem o direito de falar assim comigo. Boa noite.
Sem esperar por uma resposta, Cecy saiu do bar, o coração batendo acelerado. Lá fora, a noite estava fria, mas a raiva e a dor queimavam dentro dela. Arthur ficara ali, imóvel, observando-a sair, mas as palavras dele ecoavam em sua mente, provocando uma tempestade de emoções que ela não sabia como controlar.
Cecy caminhava pela calçada deserta, seus passos rápidos acompanhados pelo som abafado dos próprios sapatos no asfalto. O ar noturno parecia ainda mais frio, mas o calor da raiva fervia dentro dela, misturado com a dor que Arthur conseguira desenterrar com suas palavras afiadas.
– Quem ele pensa que é? – murmurou para si mesma, chutando uma pedrinha no caminho. – Acha que pode simplesmente aparecer, fazer brigadeiro e jogar verdades na minha cara como se fosse algum tipo de herói?
Ela apertou a bolsa contra o corpo, tentando se aquecer, mas os pensamentos continuavam a atormentá-la. Havia algo que não fazia sentido. Ela parou de andar por um momento, franzindo a testa.
– Espera... como ele sabia meu nome? – A pergunta ecoou em sua mente, fazendo seu coração disparar. – Eu não disse meu nome.
Lembrando-se rapidamente, tentou conectar os pontos. O nome dele ela havia lido no crachá bordado no bolso do terno: Arthur Stosy. Mas o dela... Então, seus olhos se arregalaram quando algo lhe veio à mente. Instintivamente, olhou para baixo e viu o crachá da empresa ainda preso à gola de sua blusa.
– Droga – murmurou, puxando o crachá e encarando o pequeno pedaço de plástico como se fosse culpado por tudo. – Então ele sabia porque viu isso. Ótimo. É claro que minha humilhação tinha que ser completa.
Ela jogou a cabeça para trás, olhando para a lua que brilhava solitária no céu. Seus olhos se encheram de lágrimas, mas desta vez havia algo diferente. Não era apenas tristeza – era frustração, exaustão, um cansaço profundo de tudo o que a vida parecia jogar contra ela.
– Você está se divertindo, não é? – disse, apontando para a lua, como se ela pudesse responder. – Fica aí, brilhando sozinha no céu, olhando para mim, rindo da minha miséria! É isso que você faz?
Cecy puxou os próprios cabelos, sentindo o calor subir ao rosto. – Eu nem sei por que eu falo com você. Você não me ajuda, só me observa, assim como todo mundo.
Ela soltou um suspiro longo e abaixou a cabeça, sentindo o peso do dia cair novamente sobre seus ombros. Depois de alguns segundos, voltou a andar, agora mais devagar. O barulho da cidade parecia distante, e ela queria apenas chegar em casa, trancar a porta e deixar o mundo lá fora, onde não pudesse atingi-la mais.
Cecy abriu a porta de casa, jogando a bolsa no chão com um suspiro pesado. Tudo o que queria era se jogar na cama e esquecer o dia. Mas, assim que entrou na sala, foi surpreendida pelas vozes familiares.
– Finalmente! – exclamou Jeny, sentada no sofá com os braços cruzados. – Onde você estava, Cecy? A gente saiu mais cedo do trabalho para te encontrar!
Felm, ao lado, com um olhar preocupado, completou: – Estávamos tão preocupadas com você! Mandamos mensagem, mas você não respondeu.
Cecy parou no meio da sala, olhando para as duas com uma expressão cansada. – Vocês saíram mais cedo? Mas vocês disseram que não podiam...
– Mudamos os planos – disse Jeny, impaciente. – Porque você parecia precisar de nós. Agora conta: onde você estava?
Cecy deixou o corpo cair no sofá, soltando um suspiro derrotado. – Eu fui a um bar. Precisava esfriar a cabeça.
Felm arregalou os olhos. – Sozinha? Cecy, isso não é seguro!
– Foi uma péssima ideia, eu sei – respondeu Cecy, passando as mãos pelos cabelos. – Especialmente porque, enquanto eu estava lá, um idiota apareceu, fez brigadeiro e começou a jogar verdades na minha cara como se fosse meu terapeuta.
Jeny, intrigada, inclinou-se para frente. – Brigadeiro? Peraí... Quem faz brigadeiro em um bar? Quem é esse cara?
Cecy balançou a cabeça, ainda tentando entender o que havia acontecido. – Eu não sei. Só sei que ele era lindo, forte, tinha um olhar daqueles que fazem você querer acreditar que ele é perfeito... – Ela bufou, irritada. – E com uma cara de herdeiro. Mas, deixa eu te dizer, ele é um babaca. Um babaca de terno caro.
Felm colocou as mãos na boca, contendo um sorriso. – E você deixou ele fazer brigadeiro pra você?
Cecy olhou para ela com uma mistura de exasperação e vergonha. – Eu não sabia o que fazer! Ele simplesmente começou a mexer a panela como se fosse a coisa mais normal do mundo. E eu, sei lá... estava vulnerável, ok?
Jeny riu, balançando a cabeça. – Cecy, você atrai cada figura estranha... Mas, fala sério, o que ele disse que te deixou tão irritada?
Cecy desviou o olhar, mordendo o lábio inferior. – Ele... disse algumas coisas sobre como eu me trato e como eu lido com meus problemas. Coisas que... – Ela hesitou, sua voz ficando mais baixa. – Que talvez sejam verdade.
Felm segurou a mão de Cecy, olhando para ela com ternura. – Mas, mesmo assim, ele não tinha o direito de te machucar, Cecy. Não importa se ele é bonito ou herdeiro ou sei lá o quê.
Jeny concordou com um aceno firme. – Exato. Se ele aparecer de novo, me avisa. Eu mesma vou dar umas boas verdades na cara dele. E sem brigadeiro.
Cecy soltou uma risada curta, pela primeira vez sentindo-se um pouco melhor. – Vocês são demais, sabia? Obrigada por estarem aqui.
Felm abraçou Cecy, enquanto Jeny balançava a cabeça com um sorriso. – Estamos sempre aqui, Cecy. Agora vai tomar um banho e descansar. Amanhã é outro dia... E, quem sabe, sem babacas.
Cecy assentiu, sentindo o peso do dia começar a se dissipar.
Cecy jogou-se na cama, ainda sentindo o peso do dia nos ombros. O teto branco acima dela parecia mais interessante do que nunca, enquanto sua mente vagava para o que havia acontecido naquela noite. Apesar do cansaço, o sono parecia distante, e seus pensamentos insistiam em voltar para ele: Arthur.
– Por que ele se sentou ao meu lado? – murmurou para si mesma, franzindo a testa. – O bar estava praticamente vazio. Ele podia ter escolhido qualquer outro lugar.
Fechou os olhos, mas a imagem dele, elegante e confiante, surgiu em sua mente como um intruso. A forma como ele mexia a panela com tanta naturalidade, o jeito que as palavras dele a atingiram como se ele pudesse ver através dela. Era irritante, mas, ao mesmo tempo, intrigante.
– E o brigadeiro? – Cecy abriu os olhos novamente, encarando o teto como se ele tivesse respostas. – Quem faz brigadeiro em um bar? É como se ele tivesse planejado tudo. Mas por quê?
Ela respirou fundo, lembrando das palavras dele, aquelas que ainda ecoavam em sua mente, cortando mais fundo do que ela queria admitir. "Você é melhor do que isso, Cecy. Só não parece acreditar nisso."
– Quem ele pensa que é para dizer essas coisas? – perguntou em voz alta, puxando o travesseiro para cobrir o rosto. – Ele nem me conhece!
Mas, mesmo enquanto se irritava, não conseguia ignorar o desconfortável pedaço de verdade nas palavras dele. Era como se ele tivesse enxergado algo que nem ela queria admitir. Algo que ela escondia até de si mesma.
Cecy suspirou, jogando o travesseiro para o lado e olhando novamente para o teto. – E por que ele se importa, afinal? Não faz sentido. Ele nem sabe quem eu sou.
Ela se virou para o lado, abraçando o travesseiro, enquanto sua mente continuava a girar. Talvez nunca tivesse uma resposta. Talvez ele fosse apenas um estranho excêntrico com palavras afiadas e um terno caro. Mas, por mais que tentasse se convencer disso, algo em seu instinto dizia que havia mais por trás daquela noite.
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