A primeira sensação foi de desconforto. A porta atrás de mim fechou-se com um rangido grave, e o som ecoou por algum tempo, como se tivesse o poder de selar mais do que apenas uma passagem física. Respirei fundo, absorvendo o ambiente ao meu redor. O ar era frio e denso, carregado com um leve cheiro de mofo e algo mais — uma essência metálica, talvez, como se o próprio espaço guardasse lembranças de antigas dores e segredos.
O corredor era longo e mal iluminado, com paredes que pareciam engolir a pouca luz que vinha das lâmpadas trêmulas. Havia quadros antigos pendurados, cada um com uma moldura gasta pelo tempo, mas o estranho era que não consegui distinguir as imagens. Os rostos, os detalhes, tudo estava borrado, como se fossem memórias apagadas ou figuras deliberadamente distorcidas para manter seus significados ocultos. Era um cenário que evocava sensações primordiais de desconforto e cautela, como se eu estivesse pisando em território proibido.
O homem que me recebeu indicou com um gesto seco que eu deveria segui-lo. Ele não pronunciou uma palavra sequer, mantendo seu olhar fixo à frente, passos calculados e lentos, enquanto percorríamos aquele labirinto de sombras. Cada passo parecia me puxar para mais fundo, para uma realidade que existia apenas naquele lugar. A cada movimento, o coração acelerava, e minha mente, instintivamente, relembrava o rosto de Clara. Perguntava-me se ela mesma já havia passado por aquele corredor, se seus passos haviam ecoado como os meus, carregando a mesma inquietação e urgência que agora crescia dentro de mim.
Finalmente, chegamos a uma porta simples, pintada de preto, com um emblema gravado no centro — uma espiral entrelaçada com uma chama. O símbolo era hipnotizante, como se sugerisse movimento em um mundo parado. O homem se voltou para mim, suas feições agora mais visíveis sob a lâmpada desgastada.
— A partir daqui, você segue sozinho, — ele disse, em uma voz rouca e desprovida de emoção. — Lá dentro, encontrará respostas. Mas lembre-se: nem todas as respostas são o que parecem.
Eu assenti, engolindo o nó de nervosismo que insistia em apertar minha garganta. Ele observou-me por um instante, como se tentasse captar um último vislumbre de hesitação, mas quando percebeu minha determinação, abriu a porta. O espaço além estava mergulhado em uma escuridão completa, um verdadeiro vazio que parecia ansiar por minha presença.
Assim que cruzei o limiar, a porta se fechou, e a escuridão se desfez lentamente. As luzes ao meu redor começaram a se acender, uma por uma, revelando uma sala ampla, de teto alto, com janelas cobertas por pesadas cortinas de veludo vermelho. Era como uma biblioteca, mas uma diferente de qualquer uma que eu já havia visto. As prateleiras eram de um preto polido, e os livros estavam dispostos de maneira meticulosa, cada um envolto em uma capa de couro que emanava um odor de história e mistério. No centro da sala, uma mesa redonda estava disposta, e ao seu redor, cadeiras de madeira maciça, cujos encostos eram adornados com entalhes de espirais que se entrelaçavam em padrões quase hipnóticos.
A primeira coisa que me chamou a atenção foi um livro aberto sobre a mesa. A capa era de um vermelho profundo, com o mesmo símbolo da chama e da espiral. O livro parecia ter sido deixado ali de propósito, como uma isca esperando para ser mordida. Me aproximei hesitante, estendendo a mão e tocando a página aberta, que continha uma série de nomes, cada um cuidadosamente escrito com uma caligrafia elegante. Li os nomes, mas nenhum deles me era familiar. No entanto, uma linha escrita na base da página capturou meu olhar: "Aqueles que cruzam as portas jamais voltam a ver a luz da mesma forma."
Engoli em seco, sentindo o peso das palavras. Será que Clara sabia o que eu estava prestes a descobrir? Aquilo era uma advertência ou uma mera formalidade de uma organização que parecia existir fora dos limites da compreensão?
Foi então que uma voz ecoou pela sala, e percebi que não estava mais sozinho. Uma figura emergiu da sombra ao fundo da sala, com passos suaves e controlados. Era uma mulher, com um vestido negro que se fundia ao ambiente, como se ela fosse uma extensão da própria escuridão. Seus olhos eram frios, observadores, e seu rosto exibia uma calma que me deixou inquieto.
— Seja bem-vindo, — disse ela, com um leve sorriso que parecia conter séculos de segredos. — Sou Margot, uma guia para aqueles que desejam entender a Espiral. E você… você foi trazido até aqui porque ainda há algo em você que precisa ser revelado.
Ela se aproximou, cada passo ecoando como um batimento cardíaco, lento e constante. O que Clara havia me dito ressoava em minha mente, e uma sensação de que estava sendo manipulado começou a crescer dentro de mim.
— E o que seria esse algo? — perguntei, tentando soar firme, apesar do frio que subia pela minha espinha.
Margot observou-me com atenção, como se ponderasse a profundidade da minha pergunta.
— Tudo a seu tempo. A Espiral tem seus próprios métodos, e as respostas vêm apenas para aqueles que estão dispostos a buscar além do óbvio.
Ela então gesticulou para que eu me sentasse à mesa, apontando para o livro aberto. Eu hesitei, mas me acomodei na cadeira, sentindo o peso da madeira sólida nas minhas costas. Margot sentou-se à minha frente, seus dedos longos repousando sobre a mesa.
— A Espiral é mais do que uma ordem, mais do que um jogo de sombras e mistérios, — ela começou, sua voz baixa e enigmática. — É um caminho que não pode ser desfeito. Aquele que cruza por ela se torna parte do todo, seja como um buscador, seja como um portador de verdades.
As palavras dela faziam surgir uma série de perguntas em minha mente, mas uma em particular se destacava: quem eram os outros que também haviam trilhado aquele caminho? E, principalmente, quem tinha sido o homem que encontrei, o "mensageiro"? Essas respostas pareciam tão próximas e, ao mesmo tempo, inalcançáveis, escondidas sob camadas de enigmas.
Margot se levantou, indicando a porta por onde entrei.
— Por hoje, você apenas tocou a superfície. No próximo encontro, talvez possamos ir mais fundo. Mas, por enquanto, quero que guarde uma coisa em mente: a Espiral conhece você, assim como você agora conhece uma pequena parte dela. E, cedo ou tarde, você terá que decidir de que lado estará.
Com isso, ela desapareceu nas sombras, deixando-me sozinho com o eco de suas palavras e a sensação de que estava cada vez mais envolto em um mistério que não poderia desatar.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 47
Comments