Era difícil processar as informações que Clara acabara de me dar. O silêncio que se seguiu era denso, quase palpável, enquanto eu tentava entender o peso do que estava acontecendo. Sentia uma mistura de incredulidade e receio, um medo irracional que me fazia questionar até minha própria sanidade. No entanto, havia algo em Clara que, por mais perturbador que fosse, transmitia uma seriedade inegável. Ela parecia sincera, e isso me incomodava, pois eu sabia que o que ela dizia era apenas a ponta de um iceberg sombrio e imenso.
O café, ao nosso redor, seguia o fluxo normal, com clientes entrando e saindo, garçons movimentando-se pelas mesas, e aquele murmúrio constante de conversas. Mas era como se uma barreira invisível nos isolasse, e o mundo exterior se tornasse apenas um pano de fundo distante e irrelevante. Aquele era o ponto de não-retorno. Se eu escolhesse acreditar em Clara, precisaria me envolver em algo perigoso, um caminho do qual talvez eu nunca mais pudesse sair. Se eu decidisse ignorá-la, poderia voltar à minha vida pacata, mas o mistério continuaria a me assombrar, corroendo minha paz de espírito.
— Você disse que quase perdeu tudo, — falei, buscando mais informações, uma espécie de âncora no caos que se formava. — Por que arriscar tanto para me alertar? Não tem medo de que a Ordem possa te encontrar aqui?
Clara suspirou, olhando para a rua através da janela. Seus olhos brilharam por um instante, um vislumbre de lembrança, talvez um arrependimento. Ela parecia ter travado essa luta por muito tempo, e agora, estava cansada de manter todos esses segredos sozinha.
— Eu já perdi muito, — ela respondeu finalmente, sem desviar o olhar da rua. — Pessoas que amava, minha própria segurança. Não tenho mais medo de ser encontrada, porque já entendi que não posso fugir da Ordem. Eles estão em todo lugar. Mas você... você ainda tem uma chance de sair disso. Ou, se decidir ir adiante, tem uma chance de se preparar.
— E qual seria essa preparação? — Perguntei, sentindo um misto de angústia e determinação. — Como posso lutar contra uma organização que controla tudo nas sombras?
Clara sorriu de maneira sombria, como se conhecesse a resposta, mas ao mesmo tempo soubesse que não poderia explicar tudo de uma vez. Em vez de responder, ela deslizou uma pequena folha de papel para mim. Era um endereço, seguido por uma data e um horário: meia-noite daquela mesma noite.
— Este é o primeiro passo, — ela disse, a voz baixa, mas cheia de uma urgência que me fez prender a respiração. — Vá até lá e procure por uma porta vermelha. Diga que você veio pela “Chama da Espiral” e eles vão te deixar entrar. Mas lembre-se, a partir do momento que cruzar essa porta, não terá mais volta. Tudo o que descobrir te marcará para sempre.
Olhei para o pedaço de papel em minhas mãos, tentando absorver o que aquilo significava. Eu ainda tinha uma escolha. Podia ignorar tudo, ir embora e fingir que nada daquilo havia acontecido. Mas, ao mesmo tempo, a perspectiva de descobrir a verdade era irresistível. Sentia que, se desistisse agora, passaria o resto da vida me perguntando o que havia atrás daquela porta vermelha.
Por fim, olhei para Clara, determinado.
— Estarei lá, — disse, e um vislumbre de aprovação cruzou seus olhos. Ela se levantou, ajustando o cachecol em volta do pescoço, pronta para partir.
— Boa sorte, — ela murmurou antes de desaparecer pela porta do café, deixando apenas um rastro de perfume e um vazio que parecia absorver todo o ar ao meu redor.
A noite caiu rapidamente, e quando o relógio se aproximava da meia-noite, meu coração disparava, tomado por uma mistura de adrenalina e inquietação. O endereço que Clara havia me dado ficava em um bairro afastado, em uma rua estreita, onde as luzes dos postes piscavam como se estivessem prestes a apagar. O lugar exalava uma sensação de abandono e mistério, como se guardasse segredos antigos e proibidos.
Finalmente, encontrei a porta vermelha. Ela era grande, de madeira maciça e um vermelho escuro, quase opaco. O lugar ao redor estava completamente deserto, e o silêncio era tão absoluto que podia ouvir minha própria respiração acelerada. Respirei fundo, tentando reunir coragem. Bati três vezes, como Clara havia instruído.
Após alguns segundos, a porta rangeu, abrindo lentamente, revelando um homem de expressão séria e olhar inquisidor. Ele me analisou por um momento antes de falar, e eu senti que estava sendo avaliado de alguma forma.
— Você veio pela… — hesitei, tentando lembrar as palavras de Clara. — Chama da Espiral.
Ele assentiu, dando um passo para o lado e me permitindo entrar. Assim que cruzei o limiar, uma onda de tensão tomou conta de mim. Estava dentro. E agora, mais do que nunca, percebi que Clara tinha razão: aquilo seria apenas o começo de algo muito maior e possivelmente mais sombrio do que eu podia imaginar.
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Atualizado até capítulo 47
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