Alice tenta voltar para sua invisibilidade, mais é tarde demais, os olhares reprovadores dos seus tios, a raiva estampada no rosto de Clara não a deixam passar desapercebida, além dos olhares surpresos do povo da cidade pelo convidado de honra passar tanto tempo ao lado de uma criaturinha como ela, sem sal, com aparência de um garoto. Nem ela entende porque fez o que fez, nunca se deixou levar pelos impulsos, mais o seu coração foi o seu guia, não há como voltar atrás, não podia deixar que Clara e a sua família se aproveitasse de Vinícius, o usasse, sim, estavam interessados somente no dinheiro dele, querem pagar as suas dívidas, e continuarem a manter a posse que tiveram sempre . Alice não achou justo, com ele não. Olha mais uma vez para Vinícius, a conversa com ele foi tão agradável, que a noite valeu a pena, desaparece entre os convidados voltando a caminhar para casa. Mal sabe ela o que a espera.
Vinícius se impressionada com os seus sentimentos, gostou, e muito da noite, conversar com amigos de infância, recordar aventuras, rever pessoas que fizeram parte de seu passado fez-lhe muito bem e a conversa inteligente com a garota que lhe tirou de uma enrascada, o seu desabafo com ela tirou-lhe um peso do coração. Teve um noite de sono tranquila, como há muito tempo não tinha.
Infelizmente, para Alice a noite não foi tão tranquila. Por ter voltado a caminhar para casa, quando chegou, já há estavam a esperar na sala, tio George, tia Mirtes e Clara, um frio percorre a sua espinha ao notar como a olhavam.
Clara dá uma bofetada em Alice: — Enfim chegou a infeliz, filha de uma p..!
George segura a filha: — Como pode fazer o que fez depois de tudo que nós fizemos por você?
Clara: — Papai, quero essa, essa... na rua, agora!
Alice ouve a tudo em silêncio, não tem reação, estão no direito deles, olha para sua tia em busca de talvez, um pouco de compaixão, não encontra nada além de um olhar frio.
Mirtes: — As suas coisas estão ali, naquela sacola! Pegue e vá!
George: — Ainda vou ajudar-te dando o dinheiro para uma passagem para Belo Horizonte. Não queremos nunca mais ouvir falar em você! Te acolhemos, te alimentamos para você apunhalar a sua prima pelas costas! Acreditou que por ser cego teria uma oportunidade com Vinícius? Ele é cego não idiota!
Clara: — Deixe de conversa com essa cobra! Não devia dar-lhe dinheiro algum! Só deixo porque quero que ela suma da cidade! E esse vestido é meu!
Clara se aproxima de Alice e agarra-lhe o vestido o rasgando: — Não vai levar nada que foi meu! Se vira com os seus trapos velhos! Sua ingrata!
Alice tenta se defender, se cobrir, mais a raiva de Clara é tanta, que despedaça todo vestido. Mirtes fica sentida, não por Alice, mais por perder a empregada, agora quem fará os serviços da casa?
Não descem lágrimas pelos olhos de Alice, não, chorar não lhe ajudaria em nada, talvez o que aconteceu fosse o empurrão que ela precisasse para sair dali, procurar outro destino, mais qual? Pega as suas coisas e sai sem dizer uma palavra. Não tem para aonde ir, não conhece ninguém. O único parente que ainda tem é uma tia que mora fora do país e nunca a procurou. Não a deixarão ficar na cidade, não teria onde ficar mesmo. Alice vai até à rodoviária, não há ônibus para capital, aliás para lugar nenhum antes de amanhecer. A cidade está em total silêncio, a noite escura e fria. Ninguém nas ruas, Alice olha para igreja, a porta está aberta, entra, se senta num banco e ali fica meio que paralisada, inerte, invisível.
Não sabe por quanto tempo ficou ali. Não dormiu, o coração está apertado, a mente fervilhando, o corpo cansado… Se lembra do seu pai, apesar de não ficarem por muito tempo em um mesmo lugar eles nunca ficaram sem um teto sobre a cabeça. As vezes acordava no meio da noite com ele pedindo para arrumar as coisas, pois precisavam se mudar, ora fugindo de credores, ora de algum marido ciumento, mais sempre tinha para aonde ir. Era bom de conversa e conseguia serviço com facilidade, passavam apuros, mais nunca faltou o que comer nem onde morar. Durante muitos anos só foram os dois. Pai e filha, um cuidando do outro, por não ter parada Alice achou melhor se vestir como um garoto, era bem mais fácil até para seu pai que pensassem que ela era um menino. Viveram bem até que um dia, um marido mais esquentado…
Sendo menor foi levada até uma tia, irmã de sua mãe, Madalena, ela não a queria, mais também não a maltratava, lhe dava uns trocados por ajudar em casa, raras vezes lhe dirigia a palavra, as vezes murmurava " é como a mãe, não tem solução".
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Atualizado até capítulo 51
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