Clara é atrevida, enquanto o beija a sua mão desce o tocando de forma mais calorosa.
Clara: — É bem fortinho para um cego!
Vinícius: — Um cego?! — As palavras de Clara tiraram toda "vontade "dele, foi como um balde de água gelada. Se afasta dela, no mesmo momento ouve uma voz.
Alice: — Clara! Clara você deixou o seu casaco com o celular nele no salão!
Clara se irrita: — Não deixei nada em lugar nenhum! O que está fazendo aqui?
Vinícius percebe a burrada que estava para cometer, se vira em direção da voz: — Acredito que está na hora de voltarmos para recepção, já me demorei muito aqui fora! Me acompanha? — estende o braço em direção da voz — Vamos Clara! — Lhe estende o outro braço.
Clara: — Eu prefiro ficar aqui, ao ar fresco. — Dos seus olhos saiam faíscas de ódio e raiva em direção à Alice. — Estava tão bom…
Vinícius: — Se é o que quer? Vou voltar.
Vinícius sente a mão pequena apertar o seu braço, trêmula, nervosa, também a voz pesada e irritada de Clara, que segura em seu outro braço, voltam juntos até o salão. Alice percebe os olhares de todos sobre os três, os seus tios a fuzilam com o olhar, tem certeza que se pudesse Clara a mataria ali mesmo.
Vinícius solta o braço de Clara e pede à Alice para o levar para beber alguma coisa. Ela guia-o delicadamente até o local e serve-lhe um refresco.
Vinícius: — Você é parente de Clara? Não ouvi o seu nome?!
Alice: — George é meu tio. Me chamo Alice.
Vinícius: — Não a conheci enquanto morava aqui.
Alice: — Estou com eles a uns quatro anos... Os meus pais faleceram há muito tempo. Quer se sentar? Há dois lugares a sua esquerda.
Vinícius concorda e se sentam: — Não fomos apresentados ontem...
Alice: — Ah! Sou insignificante.
O barulho do salão, os risos e conversas, atrapalhavam um pouco, mais ele ouviu. Não soube de imediato o que lhe dizer.
Vinícius: — Talvez seja insignificante para seus tios, mais e para você mesma? Sei que tem significado.
Vinícius se inclina sobre ela, esperando uma resposta, sente um perfume suave de rosas, diferentes de todos os outros perfumes fortes que sentiu a noite toda. Alice continua em silêncio refletindo sobre o que ouviu.
Vinícius: — Acredito que sentimos a mesma coisa. Você, presa numa vida que não é a que deseja pela falta dos seus pais e eu por perder a visão. Há quanto tempo perdeu os seus pais?
Alice: — O meu pai faleceu quando eu tinha 13 anos. A minha mãe abandonou-nos quando eu tinha cinco.
Vinícius: — Perdi a minha visão com vinte e quatro.
Alice: — Tão novo.
Vinícius: — Não era essa a vida que eu sonhava para mim, assim como você. É difícil depender de outros, não se sentir dono do próprio destino.
Vinícius nunca comentou com ninguém sobre os seus sentimentos, e agora ali, se abrindo com uma desconhecida, talvez por isso mesmo se sentiu seguro para se abrir com ela, uma desconhecida. Alice continua em silêncio, ele ouve a respiração pausada dela, não deve ser nada fácil depender da caridade de parentes para viver, ainda mais parentes como George e Mirtes.
Vinícius: — E o que faria se pudesse ser dona do seu destino? Se pudesse mudar a sua vida a deixando exatamente como gostaria? Se pudesse fazer o que quiser na hora que desejar? Quais seriam seus sonhos? Tem sonhos não tem?
O silêncio permanece por mais um tempo, Vinícius percebe que Alice não é uma pessoa de ficar de conversa fiada, ou talvez não queira responder as suas perguntas idiotas. Depois de alguns minutos ouve sua voz.
Alice: — Eu moraria sozinha! No campo. Teria um gato, um jardim, uma horta, quem sabe um cachorro… e papéis, muito papel, gosto de desenhar. Alguns vizinhos simpáticos… Talvez fazer uma faculdade…
Vinícius admira-se com o seu desejo, poderia ter-lhe dito querer dinheiro, fortuna, viagens, o que Alice sonha o sensibilizou.
Vinícius: — E marido? Filhos?
Alice: — Seria bem mais feliz sozinha. E você? Tem algum sonho?
Alice fala tão baixo que ele se inclina ainda mais para poder ouvir melhor, chegando a sentir o calor do corpo dela.
Alice: — Quais são seus sonhos mais secretos?
Vinícius: — Tenho dinheiro suficiente para viver bem o resto da vida, terras, uma casa enorme, uma família, mãe, avó, irmãs, cunhados, sobrinhos que são extremamente amorosos.
Alice: - Um sonho! Como o meu?!
Vinícius: — Um sonho? Como o seu, não depender de ninguém, poder cuidar da minha própria vida, ter a coragem de mandar os meus parentes cuidarem da sua própria vida, de tratarem-me como a um adulto responsável, sonho com uma vida boa, independente, a minha e de mais ninguém, talvez não seja um sonho. Sonhos pode não se realizar e eu pretendo que tudo se realize.
Vinícius para de falar, surpreso por ter desabafado tanto, por tudo que disse.
Alice: - E filhos? Esposa?
Agora quem fica calado e reflexivo é Vinícius, casamento? Talvez num futuro, não está pronto, e tem a cegueira questão complicada, não quer que seja alvo de pena a sua esposa, nem depender dela ou tornar-se um impecilho. Filhos? Gostaria muito de ter um herdeiro. Só de pensar que jamais veria o rostinho do mesmo ou poderia ver os seus primeiros passos o seu coração se aflige, respira fundo. Alice percebe o seu nervosismo.
Alice: — Me desculpe. Fui indiscreta.
Vinícius: — Eu perguntei-lhe a mesma coisa. Falamos de sonhos, não dá realidade. Não, não sem esposa! Não quero nem preciso de mais uma mulher para ter pena de mim, sufocar-me. No meu sonho posso cuidar de mim, se a minha própria vida, provo para todos que sou capaz, que não preciso da piedade de ninguém.
Alice: - Principalmente das mulheres...
Vinícius: — Sim. Não quero ser ingrato. Sei que a minha avó, mãe e irmãs me amam e eu também as amo.
Alice: — Não se preocupe. Estamos apenas falando de sonhos. Neles não há sentimentos ruins.
Vinícius ri, ia continuar a conversa quando o pastor se aproxima dele o chamando para conhecer alguns membros novos da paróquia, se despede de Alice e se deixa ser levado pelo pastor.
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Atualizado até capítulo 51
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