ISABEL
"Tec, tec, tec.
Tec, tec, tec."
Este som repetitivo ecoava incessantemente enquanto aquele homem discursava ao meu lado. Falava sobre o quão fascinantes eram as plantas do nosso jardim. Embora eu apreciasse as plantas, não nutria o mesmo sentimento por ele, cuja presença me causava arrepios. Além disso, o odor que exalava, uma mistura de mofo com alguma erva desconhecida, era deveras repulsivo.
Não consigo conceber como alguém pode ser tão desagradável com tão poucas palavras.
" A senhorita não se importa não é? . Eu não pude resistir à tentação de observar de perto essas magníficas plantas que vós tendes. Realmente, uma coleção impressionante."
" Duque Estaburk," disse, mantendo a voz fria e distante, "As plantas são, de fato, uma das poucas coisas que me agradam aqui."
"Ah, sim, as rosas. Mas, para ser franco, são as ervas que realmente capturam minha atenção. O aroma peculiar que exalam... lembra-me de tempos passados, de memórias antigas."
"Interessante," respondi, sem emoção. "Para mim, as flores são suficientes."
"O perfume das flores é superficial, senhorita. As ervas, porém, têm uma profundidade que poucos conseguem apreciar. É necessário um olfato refinado."
"Talvez," disse, mantendo a distância, "mas meu interesse não se estende a essas particularidades."
"Não se subestime, Senhorita Isabel. Há muita coisa que vós podeis aprender. Eu poderia ensinar-lhe tanto sobre as propriedades ocultas dessas plantas." Ele me fitava fixamente.
"Dispenso suas lições, Duque Estaburk," disse, gelidamente. "Estou satisfeita com o que já conheço."
"Ora, não sejais tímida. O conhecimento é uma dádiva que não deve ser recusada. Poderíamos passar tardes inteiras aqui, a explorar os segredos deste jardim." Aproximou-se ainda mais.
"Creio que não," respondi firmemente, dando um passo para trás. "Tenho afazeres mais importantes a atender. Boa tarde, Senhor Gomes."
"Boa tarde, senhorita . Até breve." Ele sorriu enigmaticamente, e curvou-se.
"Até breve," disse, afastando-me rapidamente. Sentia um alívio ao me distanciar do Senhor Gomes e do odor perturbador que ele deixava no ar.
Me esgueiro pelos guardas e consigo ir direto para o lugar naquele castelo onde eu realmente me sentia bem.
"Princesa Isabel!" Fábio me recebe com aquele doce sorriso de sempre.
"Cozinheiro real," digo, curvando-me levemente. Ele sorri. "Diga-me o que tem hoje..."
"Torta de morango?" Ele me mostra a torta, e eu mal consigo manter minha compostura diante de tamanha perfeição. Estico minha mão para pegar um pedaço. "Não, senhorita," ele se afasta.
"Fábio!" Cerrei os olhos em sua direção. "Sabe que sou sua princesa, não é?"
"Uma princesa que tem uma fofoca quente e não me contou." Então ele já sabia. "Que história é essa de que está noiva? Anthony não ficará nada feliz."
Logo ele me lembra de Anthony. Havíamos prometido nos casar quando crianças; ele havia feito um anel de alguma fibra e colocado em meu dedo. Mas as crianças crescem e com elas vêm as obrigações da coroa. Não era certo uma jovem ser vista com um plebeu. Apesar de amar sua companhia, às vezes ele pulava minha janela e me levava rosas brancas, minhas favoritas, até o Rei o proibir de entrar no castelo. Já havia anos que não o via.
"Ele ainda não se casou?" Finalmente pego minha torta e sento no balcão.
"Não, ele ainda tem esperanças de fugir com você e vocês terem... quatro filhos?"
"Sete," o corrijo.
"Isso, sete filhos," ele dá uma risada. "Mas agora que está noiva, não sei se ele deve manter esse conto de fadas vivo."
"Não quero me casar," solto a torta no balcão. Neste momento vejo uma cozinheira matar uma galinha, cortando sua cabeça. "Mas se não me casar, meu destino será como o da Jurema, que Cecília acabou de decapitar."
Ela sorri para mim, coitada da galinha, mas era verdade. Se eu não me casar com aquele ogro que só sabe falar de plantas, meu destino será a forca ou a guilhotina.
Pela primeira vez, notei como a cozinha estava diferente, mais acolhedora, com flores nas janelas e um aroma de especiarias no ar.
"Por que seu pai quer casá-la logo com o Duque Estaburk?" Ele me olha. "Ele não é um velho?"
Não consigo segurar minha risada. Até mesmo os cozinheiros sabiam como aquela múmia era velha.
"Tem quase o dobro da idade de meu pai, mas nenhum príncipe ou rei propôs casamento a mim, já que estou sendo considerada deveras velha para casamento." Suspiro com uma certa tristeza.
Parecia que uma nuvem pairava sobre minha cabeça. Já pensei seriamente em empurrar aquele homem escada abaixo, mas seria suspeito ele morrer em meu castelo logo após o casamento.
"Deveria empurrá-lo depois do casamento escada abaixo," Fábio fala exatamente o que eu estava pensando.
"Não tenho coragem para matar alguém assim," sorrio.
"Quando criança, você tentou esquentar um pintinho sentando nele." Ele me lembra do dia em que roubei um pintinho da galinha e tentei colocá-lo para dormir sentando nele, como ela fazia.
"Isso não foi assassinato, eu tinha seis anos," ele sorri e olha para mim.
"Você vai sair dessa, garota. Sei que vai." Concordo e desço da bancada. Precisava voltar para meu quarto antes que o rei me procurasse pelo castelo. "Até mais, princesa."
Saio da cozinha e passo pela biblioteca. Depois das flores, ler era o que eu mais gostava de fazer, mas antes mesmo de chegar, vejo um homem muito pequeno saindo da sala de meu pai. Ele parecia importante, e meu pai estava com um sorriso maior que seus lábios.
Quando finalmente o homem pequeno sai, meu pai percebe minha presença e me chama. Ele estava claramente feliz, sua voz carregada de um entusiasmo raro.
"Sim, meu pai?" Ele me olhava com um orgulho pela primeira vez notável em seus olhos.
"Você recebeu outra proposta de casamento, minha querida." Nunca havia visto meu pai tão radiante. "O príncipe de Dijon propôs uma aliança."
Ótimo, de um velho para um velho pequeno. Pelo menos o velho pequeno era mais atraente que o asqueroso do Duque.
"Aquele que saiu é o príncipe de Dijon?" Pergunto, na esperança de uma resposta negativa, enquanto uma brisa suave trazia o aroma dos jardins para dentro, misturando-se ao cheiro de velhas tapeçarias e cera de abelha do salão.
"Não, aquele é o rei de Dijon. O príncipe chegará para o baile de noivado daqui a duas luas." Baile de noivado? Mas tão rápido? "Espero que não estrague tudo."
A última parte saiu como uma ameaça. Apenas concordei com a cabeça e saí, sentindo um nó de ansiedade se formar em meu estômago. Qualquer coisa mais atraente que o Duque me faria muito feliz, até mesmo se ele for pequeno como o pai.
Mas quem será este tal príncipe? Nunca ouvi nem a pronúncia de um príncipe em Dijon. Mas terei duas luas para me preparar. Acredito que quem não gostou da ideia foi o Duque, já que saiu da sala de meu pai com uma cara não tão agradável, o que já era comum, já que sua beleza não ajudava em nada.
O homem que havia saído era o rei de Dijon: pequeno, de cabelos ruivos e cacheados, e segurava firmemente um cetro de ouro polido que refletia a luz tênue das velas do corredor. Seu andar era determinado, e cada passo ressoava com a autoridade de seu cargo, contrastando vividamente com sua estatura modesta.
Naquela noite consegui adormecer, mas um pesadelo assombrou meus sonhos. Um homem ainda mais velho aparecia, curvando-se diante de mim enquanto todos à minha volta começavam a rir. Ele me tocava com suas mãos enrugadas e geladas. O Duque surgia atrás de mim, segurando meu ombro e me puxando para um beijo. Era uma sensação horrível, e eu não conseguia me mover.
Acordei suada e saltei da cama, ofegante e desorientada. Era terrível sentir-se assim. Caminhei até minha janela e o vento frio bateu em meu rosto. A noite estava clara e a lua, cheia, sinalizando que em breve mudaria e o príncipe surgiria. Então, ouvi um miado e vi a bola de pelo mais atraente deste reino frio e gelado.
"Olá," falei, afagando sua cabeça, "estou noiva novamente, sabia?" Como resposta, ele soltou um miado.
"Mial para você também," respondi, enquanto ele se enrolava em uma bolinha e dormia ali mesmo.
"SABIA QUE ESTAVA NOIVA, MAS FALANDO COM GATOS?" Olhei para baixo e vi o cabelo castanho e os olhos verdes mais lindos do reino.
"ANTHONY?" Olhei para a porta. "Está louco, se o rei descobre!"
Ele olhou para as plantas que subiam pela minha janela.
"Acredito que não estou tão velho para escalar isso," disse ele, começando a subir. Tudo que consegui foi sorrir de sua ousadia.
"Você deve estar louco!" Ele finalmente conseguiu entrar. "Como passou pela segurança?"
Ele apenas deu de ombros e me abraçou. Aquilo era completamente inapropriado, perigoso e acima de tudo, muito irresponsável da parte dele.
"O que pensa que está fazendo?" Ele me olha.
"O que você acha? Vim resgatar minha noiva," ele fala, batendo no peito. "Um cavaleiro nunca permitiria que uma dama se casasse com um dragão."
Começo a rir, um pouco alto demais. Já havia enfrentado vários insultos para o Duque, mas "dragão" nunca passou pela minha mente.
"Ria mais baixo, Isabel," ele me olha preocupado.
"Agora está preocupado?" Ele nega novamente, tentando ser superior. "Não tem medo do meu pai?"
"Minha querida, olha meu braço. Pego seu pai pela orelha e o jogo para fora dos muros do reino," ele revira os olhos. "Está duvidando, Isabel? Espere aí, vou lá fazer isso." Ele começa a andar em direção à porta, e eu apenas cruzo os braços, até ele parar na porta.
"O que? Não vai até meu pai?" Ele coça a cabeça. "Anda, vai."
Ele passa a mão no cabelo e vira para mim. "Melhor não causar uma guerra."
Ele segura minhas mãos e as beija.
"Vai mesmo se casar com aquele dragão?" Eu nego. Ele solta um suspiro de alívio.
"Estou noiva de um príncipe agora," eu digo rapidamente.
"De lama para vinho," ele diz.
"Não era 'da água para o vinho'?" Ele nega.
"Não, se tratando daquele conde, é da lama mesmo. Mas como assim um príncipe agora?" Sento-me no parapeito da minha janela.
"Parece que um rei veio fechar uma aliança entre os reinos," olho por um momento para a lua. "Ele vai chegar daqui a duas luas."
"Para vocês se conhecerem?" Neguei. "Espera, ele já vem para o noivado?" Assinto com a cabeça.
Ele suspira.
"Então você me deve um cavalo," ele não parece nem um pouco feliz com a ideia de ter vencido nossa aposta de crianças.
"Eu sinto muito..." ele me olha.
"Já sabia que nunca me casaria com você, Isabel, mas fico aliviado que não vou perder para um velho," ele se aproxima e beija minha testa. "Agora preciso ir."
Vejo uma lanterna piscar ao longe. Não tinha dúvidas de que era Fábio.
"Colocou seu pai nisso?" Ele dá de ombros e começa a descer pela janela. "Até mais, princesa," ele sorri e sai correndo.
Suspiro e vejo que a bolinha de pelos ainda estava dormindo.
"Espero que este novo príncipe seja mesmo bonito, caso contrário, prefiro ser conhecida como a noiva sem cabeça... ou noiva cadáver, sei lá."
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Atualizado até capítulo 20
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