^^^“ Seu coração é tudo o que eu tenho, e em seus olhos você está segurando o meu.”^^^
^^^~ Perfect, Ed Sheeran^^^
♔ ELENA CROMWELL
— Está ferida?
Sem condições de respondê-lo, apenas movimento a cabeça, sinalizando que estou bem. As lágrimas continuam a escorrer, inundando meu rosto, enquanto imagens perturbadoras retornam à minha mente, como páginas sombrias e inescapáveis de um livro assombroso. Desesperadamente, tento cobrir meu corpo exposto pelo vestido rasgado, sentindo-me vulnerável e envergonhada.
Baixo minha cabeça com a sensação avassaladora de sujeira e indignidade tomando conta de mim. No entanto, um par de botas escuras surge à minha frente. Levanto meu olhar para encontrar aqueles olhos, que me encaram com intensidade. O estranho com os olhos verdes e profundos, que carregam mais segredos e mistérios do que todos os livros que já li em toda minha vida, retira o seu casaco, e lentamente, o coloca sobre os meus ombros. O seu gesto, embora pareça simples, me deixa surpresa.
Aperto os dedos com firmeza em volta do pano escuro que agora cobre meu corpo, enquanto tento me por de pé novamente. O estranho, mesmo não dizendo nada mais, com certa gentileza, ajuda-me. E neste momento de proximidade, onde nossos corpos quase se tocam, sinto um estranho arrepio percorrer toda minha espinha.
— O-obrigada... – Tento dizer, mas as palavras parecem não querer deixar a minha boca.
Ele assente com a cabeça, enquanto me afasto o suficiente para manter uma boa distância entre nós.
— Conhece aqueles homens? – Ele indaga, talvez, preocupado, ou não. Mas no momento , isso não importa. Aceno com a cabeça, indicando que ao menos sei quem são. — Nunca os vi em toda minha vida.
Ele volta a se manter em silêncio, enquanto assente perante as minhas palavras. Mordo o lábio inferior enquanto penso no que dizer, sendo presenteada apenas pelo som da música na praça próxima, que se torna mais baixo aqui.
— E-eu... Agradeço por socorrer-me, senhor.
Ele arqueia uma sobrancelha, mas não diz nada. A falta de luz do beco estreito não me permite ver muitos dos seus traços, e embora eu não soubesse realmente o motivo de ter escolhido esse péssimo lugar como atalho para uma tentativa de fuga dos meus próprios pensamentos que pareciam sufocar-me aos poucos. Num momento de desespero, agi como tola, e isso quase custou a minha vida.
Quando viro-me para me retirar, a voz alta e autoritária do homem me faz parar.
— Está demasiado frio, venha comigo.
Ele passa por mim, como se tivesse dado a última palavra e nenhuma forma de alternativa. Tento contestar, mas o mesmo já saiu da escuridão do beco, só me restando segui-lo, enquanto arrumo o seu casaco no meu corpo.
Passamos por poucas pessoas enquanto caminhamos à algum rumo, embora toda concentração ainda esteja no meio do pátio da praça. Enquanto caminho atrás do mesmo, percebo o quão alto e forte ele é sem o casaco, sua pele é clara e os seus cabelos são castanhos escuros. Noto algumas moças mais jovens que o segue com o olhar, cochicham enquanto não disfarçam o quão interessadas estão nele. Poderia pensar que ele é um nobre, mas ao menos sei seu nome, de onde é, e o que estás fazendo num festival como esse. Mas uma coisa eu posso garantir, ele não é da família real, justamente porque a família real é proibida de participar de eventos como esse, principalmente se expôr. No máximo, deva ser um lorde ou algo assim.
— Espere aqui. – Ignorando totalmente as investidas femininas, ele apenas diz, sério, e entra numa pequena taberna com placa indicando o seu nome.
“ Canto do rouxinol.”
Alguns minutos se passam, julgo eu, e a preocupação só aumenta enquanto a lua já brilha lindamente no céu, me fazendo lembrar de que já deveria ter retornado para casa. A porta do estabelecimento se abre e o vejo sair com uma caneca amadeirada em mãos, com algum líquido quente dentro, onde o vapor se esvai pelo ar.
— Beba isso, vai te fazer bem. – Ele oferece, e meio relutante, aceito.
— Muito obrigada... – Pego o copo da sua mão, sentindo os nossos dedos roçarem de leve uns nos outros, e algo no meu peito tilinta como sinos numa alta catedral.
Caminhamos pelas ruas já escurecidas, um ao lado do outro. Evito o seu olhar, assoprando o copo e bebericando um pouco do líquido de coloração quase transparente com uma flor roxa em cima. Percebo que é chá quente de flor de lótus. Era um dos preferidos da minha mãe.
— A propósito... Como se chamas? – Indago, voltando a minha atenção ao homem.
Com um silêncio estranhamente confortável, ele não demora muito para responder. — James.
Sorrio, seguindo passo por passo enquanto nos afastamos das demais pessoas e da música do festival.
— Onde aprendeu a lutar? Bem... Não quero ser indiscreta mas você conseguiu se virar bem contra três homens com o dobro do meu tamanho.
— Tive que aprender a me virar desde cedo. – Ele responde, não parecendo surpreso pela minha observação.
Sinto uma pontada de angústia em suas palavras. Nos aproximamos de uma grande Figueira e logo corro para me sentar em baixo dela, deixando um sorriso se apossar do meu rosto.
— Dizem que tens sorte por toda sua vida se sentar-se abaixo de uma figueira florida durante o tardar.
James franze o cenho enquanto permanece parado no mesmo lugar, olhando-me como se fosse uma completa maluca.
— Por que não tentas?
Se deixando levar por vencido, James se aproxima e senta-se ao meu lado, enquanto olhamos juntamente para a vista das luzes coloridas do festival.
— Como podes sorrir depois de...
— De...? – Indago, curiosa com as suas próximas palavras.
— Algo ruim acontecer. – Sinto que ele filtrou muito as palavras que gostaria de dizer, como se tivesse receio de que isso fosse afetar-me de alguma forma. Talvez.
— Bom... Minha mãe sempre me dizia que o sorriso é a chave para as nossas almas.
Seu rosto se vira para a minha direção, e sinto pontadas no estômago quando fito o seu rosto de perto. James é lindo. Seu rosto é bem angulado, com o maxilar definido, os lábios cheios e bem desenhados, seus olhos, os verdes nas quais eu me perdi em meio a profundidade deles na multidão, quando me esbarrei contra ele. E o seu cheiro? É uma combinação sutil e envolvente de um aroma reconfortante de um perfume discreto, que evoca uma sensação de calor e segurança, masculinidade, completamente diferente de todos os perfumes que papai já usara. James é intenso e claramente um homem misterioso, isso me intriga de certa forma.
Seus olhos parecem captar toda minha expressão, demorando mais nos meus lábios, enviando arrepios por todo o meu corpo. O que está havendo comigo?
Me afasto, sabendo totalmente o quão inadequado é estar sozinha na presença de um homem, principalmente estando noiva...
— O senhor... – Digo, procurando uma pouca reconfortância. — Veio de muito longe?
Ele não diz nada, apenas volta a sua posição inicial e suspira fundo, enquanto deixa o seu olhar se perder no horizonte.
— Do sul de Londinium.
Meu rosto se ilumina.
— Soube que lá possui imensas bibliotecas com inúmeros livros e... – Me calo quando seus olhos voltam a me focar. — Perdão... Sei que uma mulher não deve falar mais do que o necessário e...
— Não. – James me interrompe. — Gosto de escutar a sua voz.
Meu coração parece errar as batidas quando as suas palavras ecoam na minha mente.
— E suponho que a senhorita tens um fascínio pela leitura.
— Romances. – Volto a sorrir, totalmente entorpecida pelos pensamentos de que um dia, eu poderia estar no lugar de Caroline Caemblack ou de Elisabeth Darcy. — Os contos ingleses são os melhores.
Ele se mantém em silêncio, escutando atentamente.
— Era o meu sonho desde criança. – Continuo. — Almejava furtar todos os livros da biblioteca real e criar a minha própria.
Um pequeno sorriso cresce nos seus lábios, o deixando ainda mais bonito quando covinhas aparecem em cada bochecha.
— Você deveria sorrir mais, senhor. – Um pouco envergonhada, digo.
Parecendo notar, James apenas volta com a mesma carranca de antes.
— Não vejo o porque de sorrir se não há motivos.
— Eu discordo. Não é só uma forma de fingir estar bem ou mostrar os dentes. Nosso sorriso, assim como as lágrimas, podem purificar o coração.
Deixo a caneca de madeira de lado e me deito na grama, me esquecendo totalmente do tempo, de Margot, Meredith e tudo mais.
— As vezes, só precisamos soltar tudo que deixa-nos aflitos e ociosos. A vida é injusta para muitos, mas é a vida, não adianta lutar contra.
— Diz muito bem para alguém que mal viveu.
— Vivi momentos o suficiente para dizer que... Vale a pena, cada segundo.
— Então por que choravas?
Suas palavras me pegam de surpresa.
— Como? – volto a me levantar, sentando novamente e rodeando os meus joelhos num abraço sem jeito.
— Sabes bem do que estou falando.
Suspiro. Sei que não deveria abrir-me com um desconhecido, mas sinto que não o verei novamente depois desta noite.
— Minha... – Pondero muito nas palavras antes de continuar. — Madrasta... Ela arranjou um casamento para mim com um lorde distante da região.
Espero o momento que James se afasta ao perceber que sou uma mulher comprometida, mas isso não acontece.
— Então, a senhorita é noiva?!
— Sim...
— Imagino como isso deva ser difícil. Imagino bem. – Ele praticamente sussurra as últimas palavras.
Balanço negativamente a cabeça.
— Se eu tivesse nascido homem, tudo seria mais fácil. – Uma breve risada nasal me escapa. — Não precisaria preocupar-me com casamentos ou compromissos. Eu iria me mudar para a cidade e estudar literatura. Talvez, apaixonar-me por alguém que valha a pena lutar.
Novamente, James sorri, e esse gesto aquece o meu coração.
— O senhor, alguma vez já se apaixonou? – Indago, soltando os meus joelhos e apoiando a mão no chão, esperando a sua resposta.
James move a sua cabeça em minha direção, enquanto uma brisa gélida passa por ambos, soltando os fios do meu cabelo, no qual, voam de forma desorganizada pelo meu rosto. Ele levanta a mão e com gentileza, recolhe os fios e os coloca atrás da minha orelha, deixando a sua mão por mais tempo que devia perto do meu rosto. Seu gesto, embora simples, me desperta um milhão de sentimentos turbulentos enquanto tento afasta-los a todo custo. Mas, em toda minha vida, nunca havia me sentido tão bem perto de um homem - Que não fosse o meu pai quando mamãe ainda estava viva. Ele nos tratava como suas rainhas, e isso morreu com o tempo, com a falta e perda dela. - e mesmo que eu não o conheça o suficiente para me manter próxima, sinto que somos apenas nós dois neste momento. Não há céu, não há lua, não há figueira, há apenas nós...
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Atualizado até capítulo 48
Comments
Sousa
que lindo, 💖
2024-03-03
6