Capítulo 12: O céu, a lua, a figueira e você...

^^^“ Seu coração é tudo o que eu tenho, e em seus olhos você está segurando o meu.”^^^

^^^~ Perfect, Ed Sheeran^^^

♔ ELENA CROMWELL

— Está ferida?

Sem condições de respondê-lo, apenas movimento a cabeça, sinalizando que estou bem. As lágrimas continuam a escorrer, inundando meu rosto, enquanto imagens perturbadoras retornam à minha mente, como páginas sombrias e inescapáveis de um livro assombroso. Desesperadamente, tento cobrir meu corpo exposto pelo vestido rasgado, sentindo-me vulnerável e envergonhada.

Baixo minha cabeça com a sensação avassaladora de sujeira e indignidade tomando conta de mim. No entanto, um par de botas escuras surge à minha frente. Levanto meu olhar para encontrar aqueles olhos, que me encaram com intensidade. O estranho com os olhos verdes e profundos, que carregam mais segredos e mistérios do que todos os livros que já li em toda minha vida, retira o seu casaco, e lentamente, o coloca sobre os meus ombros. O seu gesto, embora pareça simples, me deixa surpresa.

Aperto os dedos com firmeza em volta do pano escuro que agora cobre meu corpo, enquanto tento me por de pé novamente. O estranho, mesmo não dizendo nada mais, com certa gentileza, ajuda-me. E neste momento de proximidade, onde nossos corpos quase se tocam, sinto um estranho arrepio percorrer toda minha espinha.

— O-obrigada... – Tento dizer, mas as palavras parecem não querer deixar a minha boca.

Ele assente com a cabeça, enquanto me afasto o suficiente para manter uma boa distância entre nós.

— Conhece aqueles homens? – Ele indaga, talvez, preocupado, ou não. Mas no momento , isso não importa. Aceno com a cabeça, indicando que ao menos sei quem são. — Nunca os vi em toda minha vida.

Ele volta a se manter em silêncio, enquanto assente perante as minhas palavras. Mordo o lábio inferior enquanto penso no que dizer, sendo presenteada apenas pelo som da música na praça próxima, que se torna mais baixo aqui.

— E-eu... Agradeço por socorrer-me, senhor.

Ele arqueia uma sobrancelha, mas não diz nada. A falta de luz do beco estreito não me permite ver muitos dos seus traços, e embora eu não soubesse realmente o motivo de ter escolhido esse péssimo lugar como atalho para uma tentativa de fuga dos meus próprios pensamentos que pareciam sufocar-me aos poucos. Num momento de desespero, agi como tola, e isso quase custou a minha vida.

Quando viro-me para me retirar, a voz alta e autoritária do homem me faz parar.

— Está demasiado frio, venha comigo.

Ele passa por mim, como se tivesse dado a última palavra e nenhuma forma de alternativa. Tento contestar, mas o mesmo já saiu da escuridão do beco, só me restando segui-lo, enquanto arrumo o seu casaco no meu corpo.

Passamos por poucas pessoas enquanto caminhamos à algum rumo, embora toda concentração ainda esteja no meio do pátio da praça. Enquanto caminho atrás do mesmo, percebo o quão alto e forte ele é sem o casaco, sua pele é clara e os seus cabelos são castanhos escuros. Noto algumas moças mais jovens que o segue com o olhar, cochicham enquanto não disfarçam o quão interessadas estão nele. Poderia pensar que ele é um nobre, mas ao menos sei seu nome, de onde é, e o que estás fazendo num festival como esse. Mas uma coisa eu posso garantir, ele não é da família real, justamente porque a família real é proibida de participar de eventos como esse, principalmente se expôr. No máximo, deva ser um lorde ou algo assim.

— Espere aqui. – Ignorando totalmente as investidas femininas, ele apenas diz, sério, e entra numa pequena taberna com placa indicando o seu nome.

“ Canto do rouxinol.”

Alguns minutos se passam, julgo eu, e a preocupação só aumenta enquanto a lua já brilha lindamente no céu, me fazendo lembrar de que já deveria ter retornado para casa. A porta do estabelecimento se abre e o vejo sair com uma caneca amadeirada em mãos, com algum líquido quente dentro, onde o vapor se esvai pelo ar.

— Beba isso, vai te fazer bem. – Ele oferece, e meio relutante, aceito.

— Muito obrigada... – Pego o copo da sua mão, sentindo os nossos dedos roçarem de leve uns nos outros, e algo no meu peito tilinta como sinos numa alta catedral.

Caminhamos pelas ruas já escurecidas, um ao lado do outro. Evito o seu olhar, assoprando o copo e bebericando um pouco do líquido de coloração quase transparente com uma flor roxa em cima. Percebo que é chá quente de flor de lótus. Era um dos preferidos da minha mãe.

— A propósito... Como se chamas? – Indago, voltando a minha atenção ao homem.

Com um silêncio estranhamente confortável, ele não demora muito para responder. — James.

Sorrio, seguindo passo por passo enquanto nos afastamos das demais pessoas e da música do festival.

— Onde aprendeu a lutar? Bem... Não quero ser indiscreta mas você conseguiu se virar bem contra três homens com o dobro do meu tamanho.

— Tive que aprender a me virar desde cedo. – Ele responde, não parecendo surpreso pela minha observação.

Sinto uma pontada de angústia em suas palavras. Nos aproximamos de uma grande Figueira e logo corro para me sentar em baixo dela, deixando um sorriso se apossar do meu rosto.

— Dizem que tens sorte por toda sua vida se sentar-se abaixo de uma figueira florida durante o tardar.

James franze o cenho enquanto permanece parado no mesmo lugar, olhando-me como se fosse uma completa maluca.

— Por que não tentas?

Se deixando levar por vencido, James se aproxima e senta-se ao meu lado, enquanto olhamos juntamente para a vista das luzes coloridas do festival.

— Como podes sorrir depois de...

— De...? – Indago, curiosa com as suas próximas palavras.

— Algo ruim acontecer. – Sinto que ele filtrou muito as palavras que gostaria de dizer, como se tivesse receio de que isso fosse afetar-me de alguma forma. Talvez.

— Bom... Minha mãe sempre me dizia que o sorriso é a chave para as nossas almas.

Seu rosto se vira para a minha direção, e sinto pontadas no estômago quando fito o seu rosto de perto. James é lindo. Seu rosto é bem angulado, com o maxilar definido, os lábios cheios e bem desenhados, seus olhos, os verdes nas quais eu me perdi em meio a profundidade deles na multidão, quando me esbarrei contra ele. E o seu cheiro? É uma combinação sutil e envolvente de um aroma reconfortante de um perfume discreto, que evoca uma sensação de calor e segurança, masculinidade, completamente diferente de todos os perfumes que papai já usara. James é intenso e claramente um homem misterioso, isso me intriga de certa forma.

Seus olhos parecem captar toda minha expressão, demorando mais nos meus lábios, enviando arrepios por todo o meu corpo. O que está havendo comigo?

Me afasto, sabendo totalmente o quão inadequado é estar sozinha na presença de um homem, principalmente estando noiva...

— O senhor... – Digo, procurando uma pouca reconfortância. — Veio de muito longe?

Ele não diz nada, apenas volta a sua posição inicial e suspira fundo, enquanto deixa o seu olhar se perder no horizonte.

— Do sul de Londinium.

Meu rosto se ilumina.

— Soube que lá possui imensas bibliotecas com inúmeros livros e... – Me calo quando seus olhos voltam a me focar. — Perdão... Sei que uma mulher não deve falar mais do que o necessário e...

— Não. – James me interrompe. — Gosto de escutar a sua voz.

Meu coração parece errar as batidas quando as suas palavras ecoam na minha mente.

— E suponho que a senhorita tens um fascínio pela leitura.

— Romances. – Volto a sorrir, totalmente entorpecida pelos pensamentos de que um dia, eu poderia estar no lugar de Caroline Caemblack ou de Elisabeth Darcy. — Os contos ingleses são os melhores.

Ele se mantém em silêncio, escutando atentamente.

— Era o meu sonho desde criança. – Continuo. — Almejava furtar todos os livros da biblioteca real e criar a minha própria.

Um pequeno sorriso cresce nos seus lábios, o deixando ainda mais bonito quando covinhas aparecem em cada bochecha.

— Você deveria sorrir mais, senhor. – Um pouco envergonhada, digo.

Parecendo notar, James apenas volta com a mesma carranca de antes.

— Não vejo o porque de sorrir se não há motivos.

— Eu discordo. Não é só uma forma de fingir estar bem ou mostrar os dentes. Nosso sorriso, assim como as lágrimas, podem purificar o coração.

Deixo a caneca de madeira de lado e me deito na grama, me esquecendo totalmente do tempo, de Margot, Meredith e tudo mais.

— As vezes, só precisamos soltar tudo que deixa-nos aflitos e ociosos. A vida é injusta para muitos, mas é a vida, não adianta lutar contra.

— Diz muito bem para alguém que mal viveu.

— Vivi momentos o suficiente para dizer que... Vale a pena, cada segundo.

— Então por que choravas?

Suas palavras me pegam de surpresa.

— Como? – volto a me levantar, sentando novamente e rodeando os meus joelhos num abraço sem jeito.

— Sabes bem do que estou falando.

Suspiro. Sei que não deveria abrir-me com um desconhecido, mas sinto que não o verei novamente depois desta noite.

— Minha... – Pondero muito nas palavras antes de continuar. — Madrasta... Ela arranjou um casamento para mim com um lorde distante da região.

Espero o momento que James se afasta ao perceber que sou uma mulher comprometida, mas isso não acontece.

— Então, a senhorita é noiva?!

— Sim...

— Imagino como isso deva ser difícil. Imagino bem. – Ele praticamente sussurra as últimas palavras.

Balanço negativamente a cabeça.

— Se eu tivesse nascido homem, tudo seria mais fácil. – Uma breve risada nasal me escapa. — Não precisaria preocupar-me com casamentos ou compromissos. Eu iria me mudar para a cidade e estudar literatura. Talvez, apaixonar-me por alguém que valha a pena lutar.

Novamente, James sorri, e esse gesto aquece o meu coração.

— O senhor, alguma vez já se apaixonou? – Indago, soltando os meus joelhos e apoiando a mão no chão, esperando a sua resposta.

James move a sua cabeça em minha direção, enquanto uma brisa gélida passa por ambos, soltando os fios do meu cabelo, no qual, voam de forma desorganizada pelo meu rosto. Ele levanta a mão e com gentileza, recolhe os fios e os coloca atrás da minha orelha, deixando a sua mão por mais tempo que devia perto do meu rosto. Seu gesto, embora simples, me desperta um milhão de sentimentos turbulentos enquanto tento afasta-los a todo custo. Mas, em toda minha vida, nunca havia me sentido tão bem perto de um homem - Que não fosse o meu pai quando mamãe ainda estava viva. Ele nos tratava como suas rainhas, e isso morreu com o tempo, com a falta e perda dela. - e mesmo que eu não o conheça o suficiente para me manter próxima, sinto que somos apenas nós dois neste momento. Não há céu, não há lua, não há figueira, há apenas nós...

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Comments

Sousa

Sousa

que lindo, 💖

2024-03-03

6

Ver todos
Capítulos
1 Notas da autora
2 Agradecimentos/ Epígrafe
3 Prólogo
4 Capítulo 1: Era uma vez...
5 Capítulo 2: O canto da maledicência
6 Capítulo 3: Entre os laços do rancor
7 Capítulo 4: O amargor das palavras
8 Capítulo 5: Cinzas do passado
9 Capítulo 6: A impetuosidade de amar
10 Capítulo 7: Uma marca indelével
11 Capítulo 8: Outro lado da moeda
12 Capítulo 9: O canto da serpente
13 Capítulo 10: Motivações
14 Capítulo 11: O inesperado
15 Capítulo 12: O céu, a lua, a figueira e você...
16 Capítulo 13: Cada segundo...
17 Capítulo 14: O lorde Albertin
18 Capítulo 15: Décima oitava primavera
19 Capítulo 16: O destino é real
20 Capítulo 17: O caminho para a liberdade efêmera
21 Capítulo 18: O palácio real
22 Capítulo 19: Minueto
23 Capítulo 20: Deleitando-se com o fel
24 Capítulo 21: Decisão inusitada
25 Capítulo 22: Um dia após o outro
26 Capítulo 23: Agraciada a primeira vista
27 Capítulo 24: A visita do duque
28 Capítulo 25: O amigo do duque
29 Capítulo 26: Sentimentos vazios e arrependimentos
30 Capítulo 27: Pensamentos insanos, ações proibidas
31 Capítulo 28: Noite entre lua e cinzas
32 Capítulo 29: O duque do inverno
33 Capítulo 30: Promessas e arrependimentos
34 Capítulo 31: As fases da hipocrisia
35 Capítulo 32: Inocente pesadelo
36 Capítulo 33: A sorte entre abutres
37 Capítulo 34: A partida
38 Capítulo 35: Campos desconhecidos
39 Capítulo 36: Segredos sujos
40 Capítulo 37: Inseguranças
41 Capítulo 38: A primeira noite
42 Capítulo 39: A perversidade transvestida
43 Capítulo 40: Um pedido de desculpas
44 Capítulo 41: Aprender é ainda mais difícil do que descobrir
Capítulos

Atualizado até capítulo 44

1
Notas da autora
2
Agradecimentos/ Epígrafe
3
Prólogo
4
Capítulo 1: Era uma vez...
5
Capítulo 2: O canto da maledicência
6
Capítulo 3: Entre os laços do rancor
7
Capítulo 4: O amargor das palavras
8
Capítulo 5: Cinzas do passado
9
Capítulo 6: A impetuosidade de amar
10
Capítulo 7: Uma marca indelével
11
Capítulo 8: Outro lado da moeda
12
Capítulo 9: O canto da serpente
13
Capítulo 10: Motivações
14
Capítulo 11: O inesperado
15
Capítulo 12: O céu, a lua, a figueira e você...
16
Capítulo 13: Cada segundo...
17
Capítulo 14: O lorde Albertin
18
Capítulo 15: Décima oitava primavera
19
Capítulo 16: O destino é real
20
Capítulo 17: O caminho para a liberdade efêmera
21
Capítulo 18: O palácio real
22
Capítulo 19: Minueto
23
Capítulo 20: Deleitando-se com o fel
24
Capítulo 21: Decisão inusitada
25
Capítulo 22: Um dia após o outro
26
Capítulo 23: Agraciada a primeira vista
27
Capítulo 24: A visita do duque
28
Capítulo 25: O amigo do duque
29
Capítulo 26: Sentimentos vazios e arrependimentos
30
Capítulo 27: Pensamentos insanos, ações proibidas
31
Capítulo 28: Noite entre lua e cinzas
32
Capítulo 29: O duque do inverno
33
Capítulo 30: Promessas e arrependimentos
34
Capítulo 31: As fases da hipocrisia
35
Capítulo 32: Inocente pesadelo
36
Capítulo 33: A sorte entre abutres
37
Capítulo 34: A partida
38
Capítulo 35: Campos desconhecidos
39
Capítulo 36: Segredos sujos
40
Capítulo 37: Inseguranças
41
Capítulo 38: A primeira noite
42
Capítulo 39: A perversidade transvestida
43
Capítulo 40: Um pedido de desculpas
44
Capítulo 41: Aprender é ainda mais difícil do que descobrir

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