^^^“ As pessoas se apaixonam de maneiras misteriosas, talvez apenas com o toque de uma mão...”^^^
^^^~ Thinking Out Loud,^^^
^^^Ed Sheeran^^^
♔ ELENA CROMWELL
Desmonto do cavalo num movimento rápido, atenta para não escorregar nas pedras lisas que compõem o chão irregular com formatos parecidos de mosaicos nas pedras lapidadas. Com a mão, espano a saia do meu longo vestido surrado, na tentativa de remover os pequenos galhos e folhas que ficaram presos durante o caminho.
As festividades de inverno, que começaram há alguns dias, trouxeram vida e agitação às ruas. Lamparinas acesas adornam os postes, lançando uma luz suave sobre o cenário. Entre a multidão, vejo crianças correndo animadamente, segurando espetinhos de frutas cristalizadas, maçãs cobertas com caramelo salgado e até mesmo pães doces frescos.
O aroma tentador das iguarias preenche meus sentidos, e minha barriga ronca em resposta, mas a consciência de ter apenas três moedas no bolso para gastar com as frutas me desanima. A tentação de saborear cada comida preparada para o festival é forte, mas a realidade financeira me impõe limites. Suspiro resignada.
Após prender as rédeas de Dark com firmeza, acaricio suavemente o seu rosto, lhe oferecendo um torrão de açúcar que trouxera comigo. Com a cesta pendurada no ombro, mergulho na agitação da multidão. Homens e mulheres dançam alegremente ao som dos illustratus e flautas, suas saias esvoaçando em harmonia com os movimentos enquanto as palmas ressoam sem cessar. A cena vibrante diante dos meus olhos não pode deixar de arrancar um sorriso do meu rosto. A energia contagiante e a felicidade que transborda por todos os cantos deste festival de inverno são verdadeiramente revigorantes, fazendo-me esquecer, mesmo que por um breve momento, do que Margot faria comigo se soubesse que estive no festival.
— Não posso acreditar... Elena Cromwell?
Sinto uma mão tocar o meu ombro e logo me viro, encontrando os olhos castanhos escuros inconfundíveis.
— Charlotte?
A abraço fortemente.
— Quando retornou de viagem? – Indago, me afastando.
— Há poucas semanas. Estive na Europa visitando o meu irmão que casou-se casou-se recentemente. – Ela entrega.
Enquanto nos afastamos lentamente, sinto um peso leve ser retirado dos meus ombros. Charlotte, era uma das poucas pessoas que poderia chamar de amiga, próxima ou confidente. Ela caminha ao meu lado, a distância entre nós e o burburinho da multidão permite-nos finalmente respirar e falar sem restrições.
Passaram-se vários e longos invernos desde que Charlotte deixou para trás as terras britânicas, substituindo a sua presença por um vazio. Ela foi uma das poucas pessoas que verdadeiramente se importou comigo, oferecendo seu apoio e compreensão quando mais precisei. Agora, com a oportunidade de nos isolarmos por um momento, sinto uma sensação de alívio e gratidão por ter sua companhia mais uma vez.
— Confesso, não esperava encontrá-la por aqui. – A jovem - Com a pele negra, os cabelos encaracolados, presos em lindas tranças enroladas num coque firme, com lindos cachos caindo em volta - Diz:
— E para onde mais eu teria de ir? – Indago, ainda sorrindo.
Entre os lábios avermelhados com sutilidade, um sorriso cresce no seu semblante, me fazendo lembrar de quando brincávamos juntas em sua residência, quando eu ainda era Elena Cromwell.
— Digo, aqui, no festival de inverno.
Nos sentamos num pequeno banco de madeira, observando o frenesi de atividades ao nosso redor. O movimento constante das pessoas cria um cenário dinâmico: Alguns estão interessados nas mercadorias expostas, outros se entregam à dança, enquanto alguns se distraem em conversas animadas. Não podemos ignorar a clara oportunidade para pedidos inusitados à mão, pois festivais como este costumam atrair nobres em busca de diversão ou uma breve fuga de seus mundos fechados e bailes extenuantes.
Confesso que uma parte de mim nutre o desejo de participar de um baile antes de partir deste mundo. Contudo, devo admitir que essa é uma fantasia completamente inalcançável. Os bailes estão além do meu alcance, reservados para aqueles que circulam meios sociais que me são vedados. A realidade de minha condição me impede de almejar tais luxos e privilégios.
— As poucas cartas que me enviara no início da viagem, deixou-me preocupada. – Seu olhar muda. — Principalmente quando soube da partida de vossa mãe.
Forço um sorriso, ainda me lembrando de como se fosse ontem o dia que entre lágrimas, escrevi as palavras assinadas em tinta preta e tristeza sobre a partida da mesma.
— Sinto muito pela sua perda. Eleanor era uma mulher insubstituível. – Charlotte pausa, antes de prosseguir. — Soube do segundo casamento de Ralph. As notícias espalham-se de vento em popa.
Reprimo os lábios, enquanto deixo as minhas costas se encostar no banco atrás de mim.
— Tantas coisas aconteceram desde a minha partida. – Com uma risada nasal, Charlotte prossegue. — Principalmente com o casamento real, o príncipe Erick se casando? Aos quarenta anos, todo país pareceu chocar-se, além do mais, principalmente estando certo de que a família real jamais realizaria outro matrimônio desde a partida da princesa Elisabeth.
Não posso deixar de discordar. Há algum tempo, todo país encheu-se com a mais profunda depreciação com a notícia de que a princesa Elisabeth, ainda muito jovem, sumira de forma misteriosa. Muito acreditam que a mesma fora assassinada, e outros acreditam que um golpe a coroa foi articulado, principalmente para que Philippe III - Primo distante da família real - Subisse ao trono, um completo tirano aos olhos de muitos. No entanto, a história segue como mais um mistério, e o príncipe Erick - O segundo filho do rei Martin Darcy Baskerville IV - finalmente será coroado como rei da Inglaterra, após o seu noivado que acontecerá em poucos dias, aqui mesmo, em Durham.
— Mas, diga-me... Como tens sido durante todo esse tempo?
— Perfeitamente bem... – Entrego, forçando um sorriso. — Nada que deva ser mencionado.
— Diz-me a verdade? Sabes que poderá contar comigo sobre tudo que achares necessário.
Sinto o toque suave da mão de Charlotte sobre a minha, um gesto que pode ser interpretado como carinho ou talvez até mesmo pena. Rapidamente, retiro minha mão de baixo da sua, consciente do sol que se põe no horizonte.
Não desejo prolongar nossa interação, temendo dizer algo impulsivo que possa arrepender-me mais tarde. Recuso-me a ser vista com olhares de piedade, a agir como uma jovem indefesa que necessita ser resgatada. Sei que Charlotte, com toda sua bondade, provavelmente agiria de tal forma se soubesse dos desafios que enfrento. No entanto, prefiro manter uma fachada de força e independência, mesmo que por dentro sinta-me frágil e vulnerável.
— Tenho de ir-me, Charlotte. Foi maravilhoso encontrá-la e saibas que Durham nunca fora o mesmo após vossa partida. — A reverencio rapidamente, pois Charlotte é marquesa.
Mesmo ocupando posições sociais distintas, Charlotte sempre demonstrou uma gentileza genuína para comigo, desde os tempos em que frequentávamos juntas o mesmo colégio. Meu pai sempre priorizou minha educação, investindo em minha formação em um prestigioso colégio em Durham, mesmo que isso exigisse um alto custo. Foi lá que aprendi desde cedo a ler, escrever e cultivar um amor pela literatura, especialmente pelo romance.
No entanto, para Charlotte, a realidade era diferente. Ela enfrentava uma pressão constante dos mestres e da sociedade em geral, simplesmente por pertencer a uma família de cor. Em um mundo onde a presença de nobres de cor era escassa, sua origem a destacava de forma incômoda, chamando a atenção e suscitando preconceitos arraigados. Infelizmente, mesmo nos tempos atuais, a sombra da escravidão ainda paira sobre algumas regiões do mundo, perpetuando ideologias discriminatórias e injustas.
A jovem, sem bem entender, apenas me reverência de volta, forçando um sorriso, mas quando me viro para retirar-me, uma anosa mulher parece me encarar, e logo se aproxima.
— Queira perdoar-me pela intromissão. És Elena Cromwell? Filha de Ralph, terceiro barão de Cromwell?
— Ah... Bem, claro. – Sem jeito, respondo.
— Pelos santos, és tão linda pessoalmente quanto descrita pelo barão. Soube do casamento e queria pessoalmente desejar as boas alacridades.
— C-casamento? – Charlotte parece confusa.
Surpresa pela notícia já ter sido espalhada, sinto meu corpo congelar em meio a confusão explícita de Charlotte e os sentimentos explosivos de forma furosa em meu corpo.
— Ah... Eu agradeço imensamente mas preciso retirar-me.
Sem esperar por qualquer resposta, passo pelo meio das pessoas, sentindo meu peito apertar a cada segundo que passa. Uma onda avassaladora de pensamentos invade minha mente, turvando minha visão e tornando difícil até mesmo respirar. Esbarro em corpos alheios, atraindo olhares curiosos, insultos e até mesmo alguns olhares de desdém, de senhores que esperam me encontrar em estado alterado. No entanto, nada disso me importa. Minha respiração falha, minha cabeça lateja com dor lancinante. Levo a mão ao peito, apertando os panos de meu vestido enquanto sinto as lágrimas escaparem de meus olhos.
Nesse momento, percebo o quão falha fui ao jurar para minha mãe que seguiria firme, feliz e sorrindo. As palavras proferidas agora ecoam em minha mente como um cruel lembrete de minhas próprias limitações e fragilidades. O peso das expectativas sobre meus ombros parece insuportável, e sinto-me afundar sob o peso de minhas próprias promessas quebradas.
Quando estou prestes a sair do meio da multidão, acabo colidindo com alguém, uma figura imponente, alta, muito alta. Levanto a cabeça e encontro um par de olhos verdes, tão penetrantes que parecem perfurar minha alma. Num instante, percebo que são olhos que jamais irei esquecer, olhos que, sem pensar, deixariam uma marca indelével em minha memória.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 48
Comments