Pequeno mudo

Quando abriu os olhos, um homem com pupilas escuras como um vórtice sem fundo o encarou atentamente.

— Quem diabos é você?

 Havia um punhal apontado para o seu pescoço, mas além de desconfiança e curiosidade, o homem que envolvia o próprio tórax com o outro braço não mantinha uma aura assassina.

Seus músculos enrrigecidos imperceptívelmente relaxaram.

Ele devolveu ao homem um olhar vazio, nenhuma onda poderia ser vista em seus olhos, como se a cena a sua frente não o afetasse.

O homem moribundo tinha fios dourados grudados na testa coberta de suor frio. Era estranho como a palidez e a vermelhidão lutavam para tomar conta de sua face, algumas pequenas feridas aparentemente dolorosas espalhavam-se pela sua testa, nariz e canto dos lábios. Além de provavelmente ter algum ferimento torácico, certamente esse homem estava com febre.

Observando a leve surpresa nos olhos do homem ao notar sua indiferença, ele suspirou internamente. O outro homem parecia ter acabado de chegar a idade adulta, tendo no máximo dezoito ou dezenove anos. Depois de tanto anos perambulando pelas ruas de Florença quando criança, os espancamentos de Gregório em casa sequer o assustavam. Ele havia se deparado com coisas ainda piores, entrando em contato com a maldade humana em tenra idade. Anos depois, ele se tornou um alvo imponente no México, esqueça um punhal apontado para ele por uma pessoa que claramente não queria mata-lo, seu corpo ainda cerragava cicatrizes de duas tentativas de assassinato. E ele, como uma pessoa que se infiltrou profundamente nas regras não ditas da família Hernández, não era um homem que desconhecia um olhar assassino.

Enquanto isso, o outro homem, apesar de seu olhar estranho, estava realmente atento. Ele se chamava Soul. Um dia atrás, ele havia sido emboscado, seu corpo jogado na densa floresta. O perpetrador não era outro de não seu cavaleiro de confiança, Togos, a quem ele havia confiado dez anos de sua vida.

(Soul* pronuncia-se "Saul").

Quando sentiu o calor abrasador do veneno de Castela descer em sua garganta, ele ficou chocado. Seus sentimentos estavam misturados com decepção e falta de vontade. Entretanto, ele ainda sabia o que Togos estava pensando.

O homem havia chegado ao seu lado quando ele tinha nove anos, ele era seu cavaleiro e seu guarda costas. Se antes desse evento o perguntassem se existia alguém de confiança, para que se em algum dia seu destino se desviasse, pudesse ter alguém que cuidasse de seu corpo inconsciente, apenas um nome surgiria em sua mente. Entretanto, apenas agora ele notou que seu julgamento era tão falho, a ponto de parecer patético, como se o destino estivesse zombando dele.

O veneno de Castela era, sem dúvidas, quente como a deusa das chamas flamejantes. Entretanto, seu foco estava principalmente centrado por assassinos, apenas uma pequena amostra contendo algumas gotas era tão caro quanto uma casa média de um civil, e apenas era usado em situações que era necessário discrição.

A pessoa envenenada não mostraria nenhum traço de intoxicação. Seus órgãos internos permaneceriam intactos, nenhuma ferida ou mancha apareceria em seu corpo. Entretanto, essa pessoa se tornaria sonolenta, e é aí que o indivíduo encontraria seu final fatídico.

Ao contrário do que se imaginaria, estando em pé e o veneno espalhando-se rapidamente, Castela agiria de forma traiçoeira. No momento em que o indivíduo permanecesse em repouso, o veneno agiria cautelosamente, lentamente espalhando-se e tirando a vida de quem o consumisse. Entretanto, para que o efeito fatal fosse efetivo, ele deveria permanecer deitado durante duas horas após o consumo. Se seu corpo se endireitasse antes disso, o veneno se dispersaria, deixando apenas sequelas dolorosas em seu corpo, que era facilmente diagnosticada por uma leve febre ou virose.

— Responda... Togos mandou você? - ele pareceu ponderar por um instante, antes de balançar lentamente a cabeça — Não, se você tivesse sido mandado por Togos, apenas viria para confirmar minha morte... Não há ninguém aqui, e me lembro perfeitamente de ter desmaiado em um terreno plano... Você me salvou, apenas...

Ele olhou cautelosamente para o corpo lamentável de Lucas. O jovem a sua frente parecia ter no máximo vinte anos, sua estatura esbelta, quase chegando a magreza excessiva. Longos cabelos negros levemente desgrenhados pendiam ao redor de seus ombros, destacando-se na pele extremamente pálida do outro. Entretanto, quanto mais ele olhava, mais sua testa se franzia.

O homem encolhido na árvore, a mercê do seu punhal, ainda mantinha uma expressão intocável, como se o que estivesse contra sua garganta não fosse uma lâmina, mas uma pena. O olhar estagnado do outro, acoplado a seu corpo cheio de feridas grandes e pequenas, o fazia parecer mais e mais desconhecido. Seja o nome "Togos", ou qualquer outra coisa que ele tenha dito, era como jogar uma pedra em um lago, mesmo quando ele continuou tentando obter alguma informação do outro, ele continuava sem respostas, estagnado. Todo seu corpo carregava uma aura de alienação.

Lucas ouviu o homem falar, entretanto, era uma pena. O homem provavelmente era um estrangeiro, e enquanto ele observava os lábios rachados do outro se abrirem e fecharem, mais ele se resignou de que nenhuma das palavras era discernível. Desse modo, absteve-se de falar.

— Eu darei a você apenas mais uma chance. Em condessa, nunca vi uma pessoa com a sua aparência. - ele estreitou os olhos - De certo, os oficiais do preceptor geral ficariam muito curiosos para saber o por quê uma pessoa de aparência misteriosa, estar rondando por condessa depois da grande guerrilha.

Quando ele falou "preceptor geral", seu olhar tornou ainda mais atento na expressão do outro, não deixando escapar nenhuma falha. Entretanto, ele estava fadado ao fracasso. Ele nunca conheceu ninguém que, ao ser ameaçado pelo nome do preceptor geral, manteve cem por cento de compostura. O homem apenas o encarava, sem dizer nada. Como se fosse surdo e mudo.

Espere... Surdo e mudo?

— Eu vejo...

Finalmente, pensando ter resolvido o mistério, suas sobrancelhas juntas relaxaram lentamente antes que ele guardasse o punhal.

Ambos estavam com fome, entretanto, os dois eram como dois peixes jogados no leito do rio. Era provável que mesmo tendo sido salvo pelo mudo, ele ainda morreria pateticamente na floresta selvagem.

Observando a passagem do tempo, ele não apenas se sentou e esperou pela morte. Ele precisava voltar rapidamente, quem sabe quais tipos de planos sinistros espreitavam o coração de Togos, ele não poderia deixá-lo vencer assim, tão facilmente. Além disso, olhando fracamente para o mudo de olhos fechados recostado na árvore a sua frente, com a respiração tão superficial como se estivesse morto, ele apertou os punhos com firmeza, determinado.

Ele não morreria, e nem deixaria seu salvador morrer sem sua devida retribuição. Com certeza, ele também devia leva-lo para casa quando retornar. Entretanto, ele viu que essa tarefa parecia se tornar cada vez mais difícil.

O veneno de Castela direcionava uma sequela diferente para cada indivíduo, de modo que mesmo que alguém desconfiasse, não saberia exatamente se os efeitos estavam ou não ligados a ele. Desse modo, a perda de sua energia interna parecia ser um ponto a ser observado. Desde que acordou, não havia sequer uma gota pulsando dentro de si, como se ele fosse apenas uma pessoa comum. Era provável que sua força interna voltasse gradualmente, ele só não sabia se isso duraria alguns minutos, horas, ou dias. Ouvindo a respiração cada vez mais irregular do mudo, ele sabia que não poderia esperar tanto tempo.

Como se tivesse feito uma decisão ousada, ele fechou os olhos e pegou um graveto casualmente, enfiando-o na boca e mordendo com força. Quando Lucas abriu os olhos, ele franziu a testa rapidamente. O outro homem atingiu determinados pontos de seu corpo com os dedos indicadores, depois de dois pontos na parte superior do corpo, toda sua testa estava coberta de suor frio, seus dentes rangendo dolorosamente, o graveto fazendo estalos no ambiente silencioso. Entretanto, ele não hesitou, pressionando com força mais dois pontos abaixo de seu umbigo. Quando terminou, ele cuspiu o graveto com força, caindo de costas contra a árvore depois de tossir um bocado de sangue.

Vendo o olhar estranho do mudo, ele mostrou um sorriso ensaguentado, a cor lentamente voltando ao seu rosto pálido.

— Não se preocupe, pequeno mudo. Com certeza vou nos tirar daqui.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!