Um som que se assemelhava com um ponto que se prolongava infinitamente soou no quarto silencioso. O único barulho paralelo era o farfalhar das roupas de Lucas. Quando a ligação foi atendida, Marcelo ouviu a voz familiar no outro lado da linha, sua expressão caiu.
— Sim, Sr. Hernández?
Lucas abotoou o zíper da calça e pegou o telefone, colocando-o entre o ombro e o ouvido enquanto calçava os sapatos.
— Boa noite, Tomás. Sinto muito pelo incômodo tão tarde, mas eu gostaria de tirar uma dúvida. - ele enrolou os cadarços.
No relógio, já batia mais de meia noite. Entretanto, a voz do outro lado parecia despreocupada. — Eu ainda estava acordado, não se preocupe. - A voz de uma pessoa que acabara de acordar era nítida, esse homem não era um bom mentiroso. - Como posso ajudá-lo? - percebendo seu erro, o homem parecia mais desperto. O respeito em sua voz era palpável.
— Você pode me dar um resumo do caso de Adriana Cavalcante?
Marcelo se aproximou, dando a Lucas um olhar de advertência. Lucas o ignorou.
— Adriana, claro! - o homem discorreu — seu estado recente não é ruim. Vamos dizer que os benefícios ultrapassam os males. O estado delicado se deve apenas ao seu transplante recente. Daqui alguns meses, ela será uma nova mulher.
Lucas ergueu as sobrancelhas, seus olhos voltados para Marcelo.
— É mesmo?
— sim, Sr. Hernández - havia um toque de dúvida na voz do outro lado, mas logo foi suprimida.
— você acha que se ela fosse para casa descansar, mas sem levar os médicos e os principais medicamentos - ele sorriu para Marcelo, seus olhos carregavam um sentimento indecifrável - ela sofreria alguma perda?
Marcelo finalmente segurou Lucas pelos ombros, tentando ver qualquer sinal de veracidade nas palavras do homem.
— Sr. Hernández, o Sr está me dando uma questão difícil de responder.
— Entendo. Mas já que sabemos que seu estado é estável, a partir de hoje, leve-a para aquela casa perto da farmácia, no subúrbio. - ele pausou - afinal, ela ainda não pode ficar sem remédios.
— Claro, Sr.
A ligação foi finalizada.
Os olhos de Marcelo estavam eram julgadores, mas ele já havia presenciado essa situação centenas de vezes. A raiva de Lucas ia e vinha como um furacão, derrubando tudo e qualquer um que estivesse em sua frente.
Ao contrário de suas antigas reações, ele se acalmou e tentou negociar.
— você não pode simplesmente se vingar de mim, sem afetar um inocente? - apesar de usar essas palavras para tentar penetrar nas defesas de Marcelo, ele parecia ter tocado apenas no gatilho. Ele não deveria ter dito isso.
— Inocente? Inocente... - ele riu, sempre que achava algo ridículo, ele ria até que as lágrimas escorrerem de seus olhos — As vezes, eu acho você realmente ingênuo, Marcelo.
Ele foi até o guarda-roupa, pegou algumas mudas aleatoriamente e enfiou em uma mala.
— Para onde está indo?
— não foi você que disse? "Aonde eu vou, não é da sua conta"
ele saiu do quarto.
Marcelo olhou ao redor da sala por um segundo, antes de jogar a câmera contra o carpete macio. Ele se dirigiu rapidamente em busca da figura de Lucas, enquanto organizava sua calça bagunçada, sua camisa não estava em lugar algum.
Usando seu último recurso, ele ficou no alto da escada, olhando para o homem que carregava apenas uma pequena bolsa no último degrau do piso inferior. Quem sabia que quando ele abrisse os lábios, diria algo que o faria se arrepender depois.
— Você morreria por tentar conversar como um adulto pelo menos uma vez na vida? Não se cansa dessa infantilidade inútil? O quão difícil é para você simplesmente sentar e ouvir?
Lucas continuou andando em direção a porta.
— Hernández, Você teria coragem de deixar morrer a mulher que o criou com as próprias mãos?
Os passos de Lucas pararam.
— O quê?
— Você permitiria? - Marcelo continuou, a fim de provocá-lo. Contanto que Lucas voltasse, eles poderiam conversar.
— O que você disse?
Marcelo franziu a testa, mas logo relaxou. Lucas estava caminhando em sua direção.
Ele parecia sussurrar algo inaudível, segurando suas têmporas doloridas. — Inocente... Uma mulher inocente, certo? frágil, indigna de uma velhice solitária - ele sorriu — devo chama-la de mãe?
Marcelo notou algo errado.
— Deveria chamá-la de mãe, quando passávamos fome enquanto ela estava escondida em algum maldito beco, com uma seringa enfiada no braço? - ele continuou - Ou quando ela e seu pai levavam o dinheiro do estado para que criassem um órfão com o mínimo de dignidade. Com menos de dez anos, porque estávamos na rua, trabalhando, Marcelo? - ele subiu lentamente, degrau por degrau — por quê ela nunca, absolutamente... nunca - ele olhou para um quadro na parede com pesar — nunca impediu que seu pai nos espancasse? Porquê ela só olhava? Ela não protegia você, ela nunca me protegeu.
Lucas parou, como se esperasse alguma resposta de Marcelo.
Marcelo ficou pensativo, dizendo a única coisa que fazia sentido em sua cabeça. Ele não havia pensando com clareza.
— Ela era a única mãe que tínhamos.
Lucas ergueu o rosto, que passou de confuso a clareza em um instante. Ele olhou brevemente para Marcelo, desviando o olhar para seus pés. Ele havia aberto uma cicatriz, que na verdade, nunca havia sarado. Mas essa ferida, de fato, iria realmente cicatrizar algum dia?
— Uma mãe... tiraria minhas roupas, e me entregaria nu para um pedófilo?
— O que? - ouvindo a última parte, uma expressão de descrença tomou o rosto de Marcelo.
— Não torne as coisas difíceis para mim - vendo a incredulidade do outro, Lucas finalmente desceu.
Quando Marcelo se libertou do choque, o homem não estava mais em lugar nenhum.
A visão do carro diminuiu lentamente. Os faróis brancos, na profundidade da noite, levava-o a parecer um pequeno ponto branco minúsculo, que pouco a pouco tornou-se cada vez menor.
* * * *
O carro estava silencioso. Ele dirigiu sem destino, até encontrar um hotel sem nome e fazer o check-in por uma noite.
Havia dezenas de e-mails em sua caixa de entrada, ele deslizou todas de maneira indiferente. A barra de notificações mostrava várias chamadas perdidas e SMS acumulados de um número comum, ele apagou todos. Finalmente jogando o telefone para o lado, ele se jogou na cama dura.
Apesar do ambiente estranho e desconfortável, a dor em seus têmporas aliado ao cansaço o fez dormir rapidamente.
Quando ele acordou, já era meio dia.
A dor em sua cabeça havia diminuído, mas a lembrança da noite anterior o fez desanimar.
Ele se arrependeu... Ele deveria ter ficado, aceitado qualquer desculpa que fosse, e dormido com Marcelo. Ele deveria ter passado a noite naquela casa, abraçando e beijando o homem como ele queria, aproveitado casa mísero segundo que o outro estava usando para engana-lo. Se o engano era tão doce, ele simplesmente não queria ouvir a verdade.
Ele queria voltar para casa, mas seus pés não se moviam. Voltar para casa significa encontrar Marcelo. Um Marcelo diferente, que conhecia cada canto de seu corpo, que havia levado-o quase a insanidade. Se ele voltasse, ele não saberia como agir.
Ele não conseguia deixar o homem ir. No máximo, ele retalharia contra Adriana levemente, fazendo-a sofrer um pouco antes de coloca-la de volta em seu pedestal. agora, ela provavelmente estava deitada em uma cama dura como ele, entre ar poluído do subúrbio da cidade.
É fácil ascender a riqueza, mas é difícil voltar para a pobreza. Esse ponto se encaixava nele mesmo como uma luva. Quando decidiu ir em um restaurante conhecido no centro da cidade, encontrou um rosto familiar.
Era Gregório, com uma faixa de curativo branco na cabeça.
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Atualizado até capítulo 31
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